É duro conviver com ela

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O impacto da violência na vida das pessoas

Jorge Melo

A violência no Rio de Janeiro chegou a um ponto alarmante. As estatísticas se assemelham a de países em guerra. De janeiro a maio de 2017, mais de 2 mil pessoas foram assassinadas. Um aumento de 11%  em relação ao mesmo período de 2016.

No caso dos assassinatos  decorrentes de ação policial, o aumento é ainda maior, 47,7%, de janeiro a maio de 2017, em comparação com 2016. Sob qualquer ponto de vista é um número assustador. Os dados são oficiais, coletados pelo ISP-Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Pelos números percebemos que quando se fala em violência é impossível retirar a responsabilidade das Políticas de Segurança Pública. As populações das favelas e das periferias sentem-se oprimidas, entre o tráfico de drogas, as milícias e as ações/operações das policias militar e civil.  O convívio com a violência tem sérias implicações na vida da população da cidade.

A saúde afetada pela violência

Embora não se possa vincular diretamente, a cidade do Rio de Janeiro é a capital brasileira como maior número de pessoas hipertensas, 31,7%. segundo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, pesquisa realizada anualmente  pelo Ministério da Saúde. A média nacional é de 25,7%. Segundo Mayalu Matos Silva, pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, da Fiocruz- “essa relação com a violência do conflito armado não aparece nos registros de informações da saúde, ou seja, prontuários e notificação compulsória de violência, ele aparece apenas na fala dos trabalhadores, o que nos traz a questão de como dar visibilidade para essa relação”.

Fernanda Mendes Lages Ribeiro, também pesquisadora do mesmo  departamento diz que “em pesquisa realizada, através de levantamento em prontuários e de entrevistas com os profissionais de saúde, registramos a significativa ocorrência de diversos problemas de saúde física, como pressão e glicose altas; e mental, como ansiedade, depressão, síndrome do pânico e um sentimento de sofrimento difuso. Tais problemas de saúde são relacionados à vivência de situações de violência no local, como homicídios e outras manifestações do conflito armado. A violência impacta sobremaneira a vida da população e dos trabalhadores, assim como o funcionamento dos serviços de saúde”.

Impactos na Maré

O impacto da violência, principalmente em áreas como a da Maré; vem atraindo cada vez mais estudiosos e pesquisadores, preocupados com os efeitos dessa violência a curto, médio e longo prazos na vida das pessoas, principalmente jovens e crianças. Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, setenta mil alunos da rede de ensino perderam 30 dias de aulas durante 2017; 15% dos 200 dias letivos.

O convívio permanente com a violência traz “outra influência negativa, que é a esgarçadura dos laços comunitários e da vida cotidiana, abalados pelo terror da convivência frequente com o risco iminente de perder a vida. Os laços sociais comunitários formam uma base para o desenvolvimento emocional saudável e, portanto, fragilizar esses laços pode ensejar também fragilidades individuais”, conta a pesquisadora Mayalu Matos Silva.

Estresse pós traumático

Estudo realizado em conjunto pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal de São Paulo, Fiocruz e  Universidade Federal Fluminense mostra que 89% da população do Rio de Janeiro já foi exposta a algum evento traumático ao longo da vida.  Na opinião da pesquisadora Fernanda Mendes Lages Ribeiro “a Guerra às Drogas traz inúmeras consequências para a vida das populações, sobretudo as que vivem em territórios vulnerabilizados em função da escassez e ou ineficácia de políticas públicas sociais: saúde, educação, segurança, trabalho, lazer. É também em tais territórios que se abrigam grupos criminosos que atuam com o comércio varejista de substâncias ilícitas, que são fortemente armados e que têm suas próprias formas de fazer justiça, para além do estado democrático de direitos, o que muitas vezes inclui disputas territoriais por novos pontos de venda, homicídios e torturas  A disputa entre grupos rivais e o domínio de territórios ensejam uma série de ações de segurança pública perpetradas pelo Estado, que produz conflitos armados, implicando riscos reais à vida e ao direito de ir e vir de todos; em locais onde é mais intenso, a vida e a saúde das pessoas está em maior risco”.

A educação também sofre

A violência tem impacto direto na capacidade de aprendizado e de desenvolvimento de novas habilidades de crianças e jovens. É o que revela uma pesquisa realizada pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas e o aplicativo Fogo Cruzado, uma plataforma digital que registra a incidência de tiroteios e violência armada na região metropolitana, do Rio de Janeiro.  Segundo a pesquisadora Mayalu Matos Silva “a vida comunitária também sofre intensos reflexos, a opressão da violência do conflito armado e existência de inúmeras mortes nesses locais cria um ambiente de medo e terror que impõe limites à sociabilidade cotidiana e ao funcionamento das instituições locais. Outro fator a ser considerado são os altos índices de sofrimento mental relatados na pesquisa, relacionados à convivência cotidiana com a violação do direito à vida e à segurança. Nesse sentido, são relatados casos de depressão, síndrome do pânico e estresse pós traumático”.

A pesquisa, realizada entre julho de 2016 e julho de 2017, comparou dados referentes às escolas federais, estaduais, municipais e creches com os registros de tiroteios e disparos de armas de fogo. Nesse período, a cidade do Rio de Janeiro registrou 3829 tiroteios, uma média de 10 por dia, afetando o funcionamento de boa parte das 1809 instituições de Ensino Fundamental e Médio e as 461 creches e serviços de educação infantil.

Violência não é normal

Segundo Fernanda Mendes Lages Ribeiro, “nenhuma ocorrência de disparo de armas de fogo, sobretudo no que diz respeito ao impacto sobre a saúde física e mental de crianças, deve ser considerada normal. Apesar da frequência deste fato, ele não pode ser banalizado como algo que faz parte da vida em determinados locais da cidade, como Maré e Alemão. Certamente pode-se esperar efeitos nefastos em sala de aula, expressos individual e coletivamente pelas crianças e adolescentes que podem vir a desenvolver problemas de comportamento e sofrimento psíquico. Outro elemento a se considerar é o fechamento das escolas e serviços de saúde, entre outros equipamentos, por conta de conflitos armados. Os impactos dessa ação são extremamente prejudiciais às crianças, famílias e comunidade como um todo. Se nem a escola e o centro de saúde podem funcionar, o que pode?”

O estudo foi feito por região. E na região norte, a Maré é uma das áreas mais afetadas, com 119 registros; atrás apenas do Complexo do Alemão, com 218. E a conclusão é a de que a exposição à violência gera efeitos duradouros e afeta diretamente a vida dos cidadãos. Segundo Mayalu Matos Silva, “Precisamos cada vez mais visibilizar os efeitos nefastos dessas operações na vida da população e, também, sua não eficácia.  Problematizar a proibição das drogas e os efeitos físicos, psíquicos e comunitários relacionados à Guerra às Drogas é fundamental para que possamos lutar por um novo modelo de segurança pública que não viole o direito à vida de populações inteiras. Essa é uma questão urgente para nosso país, especialmente para a cidade do Rio de Janeiro.”

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