A saúde pública doente

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Com redução de gastos, município corta verba de prevenção a doenças

Maré de Notícias #96 – janeiro de 2019

Por: Hélio Euclides

Em 2018, a Saúde municipal recebeu um baque com a decisão de demitir profissionais das Clínicas da Família. Essa notícia tirou o sono de inúmeras pessoas. Não é para menos. Serão extintas 184 equipes e demitidos 1.400 profissionais. Para cada equipe retirada, a Prefeitura economizará 1 milhão de reais. Na Maré, a Clínica da Família Doutor Abib Jatene e o Centro Municipal de Saúde Vila do João devem perder uma equipe, cada um. Segundo o Secretário da Casa Civil, Paulo Messina, os gastos da Saúde estão muito elevados e precisam de cortes para caber no orçamento. No meio do impasse, a população sofre com greves e paralisações por falta de salário e de material de trabalho.

Rosemi Nunes é paciente da equipe Praça do Salsa, da Clínica da Família Doutor Abib Jatene, na Vila do Pinheiro. Para ela, a Saúde municipal está em crise há muito tempo. “Tenho dúvida se a Saúde pública está agonizante ou já morreu. Sou da opinião de que é necessário acabar com as OSs (Organizações Sociais), pois é muito dinheiro pago e nada de atendimento. Tem de colocar todos na folha de pagamento, por meio de concurso público, isso vai diminuir os gastos. O projeto das Clinicas da Família no papel é bonito, mas faltam especialidades. Outro problema é que a equipe que atende a minha região não tem médico todo dia. O meu medo é passar mal no dia errado”, declara.

Ela já fez reclamação na Ouvidoria da Prefeitura, pelo telefone 1476. “É caótica a situação. Meu pai ficou 39 dias esperando a liberação de um exame de urina. O que não concordo é xingar médico, gritar e ofender o profissional de Saúde, essa não é a solução do problema. No grito, não se resolve. Quem se sentir lesado dos direitos deve procurar a Ouvidoria, correr atrás por meios legais. Pagamos impostos, e devemos cobrar do Prefeito, que não é patrão e, sim, gestor, pois administra o dinheiro público”, explica.

Para Luciana Barbosa, a Saúde pública está um caos. “O pior é que dependemos dela. Busco um atestado para minha filha ingressar na creche, só que falta médico que atenda à área do Salsa e Merengue. Temos de torcer para não cair numa UPA, na qual falta dipirona e gaze. Na Clínica da Família não tem pomada, xarope e dipirona”, revela. Para especialistas, a situação deve piorar. O orçamento proposto para a Saúde caiu 12%, de 6,01 bilhões para R$ 5, 28 bilhões, em 2019.

Durante a apuração, um paciente, que preferiu não se identificar, procurou a equipe de reportagem para fazer um desabafo. “Desde abril para remarcar uma consulta. Assim, minha pressão fica cada vez mais alta. Dessa forma, só Deus”, reclama. Selma Silveira, moradora do Salsa e Merengue também fala da situação precária no atendimento. “O ideal era a reformulação de tudo, com contratação de pessoas capacitadas. Não entendo o ‘Outubro Rosa’ [campanha de prevenção do câncer de mama] e o Sisreg (Sistema de Regulação), estou na fila de um exame de mamografia que nunca consigo fazer”, conta.

Profissionais também reclamam da situação

Uma agente de saúde, que preferiu não falar o nome, confirmou a falta de remédios e insumos nas clínicas. Disse, ainda, que tem equipes sem médicos. “Estamos há quase dois meses sem pagamento e não há previsão do 13º salário. Os cartões Riocard já não são carregados, dessa forma a passagem está sendo paga com dinheiro do bolso. Tem sala com ar-condicionado quebrado e, assim, trabalhamos de portas e janelas abertas. O atendimento primário está difícil com essa nova gestão”, declara.

A agente explicou algumas ações que podem servir para justificar a extinção das equipes. “O cartão do SUS e a internet foram retirados do ar por 15 dias. É complicado trabalhar sem essas ferramentas. Acredito que essa é uma forma de diminuir o número de atendimento e, assim, a Prefeitura ter motivos de extinguir as equipes”, revela. Uma outra agente disse que sucatear a Saúde é estratégico. “Uma justificativa é que o público não funciona, então tem de acabar. O povo tem o direito de cobrar ao gerente ou na Ouvidoria“, esclarece.

Um outro profissional disse que falta apoio da população, mas que isso ocorre por falta de entendimento sobre a Saúde. “Falta esclarecimento, o que é um fator preocupante. A mercadoria que vem não é suficiente para a grande população atendida, mas não é culpa dos profissionais. Assim, a falta de recursos gera insatisfação do povo. Tem gente que transforma a Clínica da Família em Unidade de Pronto-Atendimento. Só que, aqui, não temos condição nem de fazer sutura. É necessário ensinar na escola o que significa cada Unidade de Saúde”, diz. Para ele, esse é o motivo de a população não apoiar o movimento de greve.

Médico é minha vocação

O médico Carlos Vasconcelos atua há quatro na Maré. Ele fica triste com a falta de recursos. “A população está mais empobrecida e a Saúde deveria ir na contramão. Acredito que os problemas na atenção primária atingem tanto o público, como o particular. O cidadão, hoje, não tem o respeito a seus direitos à Saúde, e acha normal, se conforma com a realidade. É preciso uma maior participação das pessoas nos processos. Se culpa o governo e as instituições, mas o problema é de todos nós. Se fala em crise, mas não se planejam melhorias”, revela.

Ele detalha que as equipes não cobrem toda a população, e não entende como, mesmo assim, vai ter diminuição de pessoal. “Nós tínhamos uma médica cubana, que não foi substituída, pois não apareceu ninguém para a vaga. A Maré sofre com saneamento, violência e saúde, não há investimento. Os conflitos armados causam problemas de saúde, como dependência de remédios de uso contínuo. Outro problema são as drogas não serem reconhecidas como um problema de saúde, e aqui não há uma estrutura para o tratamento do dependente químico”, confessa. Ele acredita que são necessárias políticas públicas.

Prefeitura se defende das críticas

A Superintendência de Atenção Primária esclarece que a reestruturação da atenção primária, que inclui o redimensionamento de equipes, está mantida e sendo feita de acordo com os trâmites legais. Segundo a Superintendência, a reestruturação vai possibilitar a melhor distribuição do orçamento, garantindo a realização de exames, compra de medicamentos, pagamento de pessoal dentro do prazo, ao longo de todo o ano. Esclareceu ainda que o acesso à atenção básica e ao serviço de saúde mental está garantido à população. Para substituição dos médicos cubanos, a Secretaria declarou que o processo de apresentação do Projeto Mais Médicos, do Ministério da Saúde, está em andamento.

O povo fala

“Preciso de um encaminhamento para um ortopedista, mas antes é necessário passar por um clínico, só que falta médico. Sofro com dor no joelho e só indicam compressa de gelo. A Saúde pública está horrível, agora em greve. O atendimento é ruim, precisa ter conhecimento de alguém para ser atendido. Isso não é só nas Clínicas das Famílias, o Hospital Municipal Evandro Freire se encontra da mesma forma”. [Maria da Luz Ribeiro, moradora da Vila do Pinheiro].

“Falta médico, isso é um caos. Se eu fosse prefeita, melhoria o salário dos médicos, pagaria em dia todos profissionais, daria atenção à população e à Saúde pública. Temos de cobrar, não se pode deixar para lá. Não se pode aceitar falta de pagamento, está tudo errado”. [Benedita Maria, moradora da Vila do Pinheiro].

“Está terrível, não temos médicos. Ele vem atuar na Maré, mas fica pouco tempo. O médico vem de longe para atuar aqui, temos amor ao profissional, e entendemos que é difícil trabalhar sem pagamento. A falta de dinheiro já atinge a farmácia, com ausência de dipirona. A Saúde está doente, com o risco iminente de demissões”. [Enir Santos, moradora da área no entorno do Parque Ecológico].

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