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Seguimos estarrecidos com o aumento dos números da violência no Rio de Janeiro, em particular depois do agora visível fracasso das UPPs

01/04/2017 – 08h01

Eliana Sousa Silva, O Globo

As incursões das polícias Militar e Civil em algumas das favelas da Maré, tendo como referência os últimos três meses de 2017, chamam atenção pelo grau de truculência e também pela falta de transparência sobre as razões que os levam até lá. Expõem, ainda, de maneira dramática, o
desgoverno que vivemos no Estado do Rio de Janeiro, em todas as instâncias da administração, especialmente no âmbito da Secretaria de Segurança Pública.

Contudo, no tocante ao modo histórico como as vidas de moradores de favelas e periferias no Rio de Janeiro são impactadas pelas ações abusivas das polícias, percebemos que essa forma arbitrária de atuação não é circunstancial, fruto da falência do governo estadual. Ao contrário, temos
a sensação de que sempre estivemos nesse lugar da violência e autoritarismos das forças de segurança, em especial.

As tentativas de se criarem experiências alternativas de segurança pública nas favelas, na perspectiva do policiamento comunitário, começaram no primeiro governo Brizola, no início dos anos 1980.

No ano 2000, tivemos, ainda como uma estratégia localizada, a instalação do primeiro Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE) — no complexo de favelas Cantagalo/Pavão-Pavãozinho. Esta estratégia ganhou escala e maior visibilidade em 2008, quando a Secretaria de Segurança
Pública anunciou uma iniciativa no Morro Dona Marta que foi, posteriormente, denominada Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). De modo ampliado, ambas tinham como pressupostos atuar na aproximação da Polícia Militar com os moradores de favelas.

O programa das UPPs, que se estende até o momento a algumas das favelas da Região Metropolitana, tem sido, na sua trajetória, questionado em vários aspectos. O mais expressivo foi a incapacidade de seus proponentes, em geral, de compreenderem de forma mais profunda o efetivo
direito à segurança pública dos moradores de favelas e outras periferias, cidadãos do estado que nunca tiveram essa experiência no seu cotidiano.
De fato, os gestores públicos, com o apoio das forças conservadoras da sociedade, nunca reconheceram historicamente essa demanda, considerando as drogas, vendidas de forma varejista nas favelas, como o principal crime a ser combatido — transformando, então, a vida de todos os
seus moradores num inferno de dor e perdas materiais, de esperança e, acima de tudo, de vidas.

Assim, seguimos estarrecidos com o aumento dos números da violência no Rio de Janeiro, em particular depois do agora visível fracasso das UPPs.

Se olharmos uma porção dessa violência que envolve grupos criminosos armados e polícias a partir do maior conjunto de favelas na cidade do Rio de Janeiro — a Favela da Maré —, chegamos a números alarmantes: 14 operações policiais nos três primeiros meses de 2017 — tendo como
resultado 16 feridos e 12 mortes. Dentre estas, tivemos 11 moradores e um policial; entre os feridos, foram 14 moradores e dois policiais.
Como agravante, tivemos nesse período, na Maré, sete dias de conflitos entre dois grupos armados, que ocasionaram seis mortes e três feridos.
Num grito aflito e de busca por caminhos, indago: até quando vamos naturalizar esses homicídios?
Até quando vamos dizer que acontecem em decorrência do tráfico de drogas? Até quando as armas terão livre chegada nos territórios de favelas e periferias? Até quando vamos buscar razões para, além das que já temos, para agir? Não está na hora de darmos, todos e todas, um basta!? Como
aceitarmos ver tantas vidas abreviadas?

Será que não passou da hora de outros órgãos do Estado, tais como o Ministério Público e a Polícia Federal, assumirem os papéis que lhes cabem nesse processo? Acima de tudo: de ser ouvida a sociedade local e se buscar construir, de forma coletiva, regras de convivência no território que
tenham a defesa da vida como princípio fundamental? Até quando teremos de aguardar o respeito aos nossos direitos?

Eliana Sousa Silva é diretora da ONG Redes da Maré

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