Drama sem fim na Maré

Data:

Por Eliana Sousa Silva

(Artigo publicado originalmente no jornal O Globo do dia 27 de fevereiro de 2015)

Os episódios ocorridos nos últimos 15 dias na Maré, com nove feridos e quatro mortos, parecem se repetir em espiral. Ao ouvir os relatos das violações, somos tomados pelos mesmos sentimentos de indignação e revolta de quando assistimos, em 2013, às mortes de 11 pessoas na região, durante conflitos envolvendo a polícia e grupos criminosos armados. Podemos lembrar, ainda, o ano de 2006, quando uma criança de 4 anos, Renan da Costa Ribeiro, foi atingida por uma bala no momento em que policiais atiravam em frente a um posto de votação eleitoral — à época, foi alegado que teriam visto dois jovens de moto, em atitude suspeita. Estes são apenas exemplos das inúmeras ocorrências nas favelas cariocas que demonstram como é catastrófica a atuação das polícias nas áreas pobres da cidade.

Na Maré, conjunto de 16 favelas localizadas em área estratégica no Rio de Janeiro, atravessada pelas principais vias de acesso à cidade, o relacionamento da polícia com os moradores sempre foi marcado pelo desrespeito e a violação de direitos básicos. A chegada das forças militares, através do Exército, em abril de 2014, foi anunciada pelo governo estadual e federal como uma possibilidade concreta de enfrentamento e mediação da situação insustentável, do ponto de vista das distintas violências, em que vivia a Maré.

Em que pese a deformação que essa situação apresenta, já que não cabe ao Exército ocupar territórios com as características das favelas, a definição de uma transição por essa via significou, num primeiro momento, para muitos moradores, a esperança de repensar a relação com as forças de segurança pública em bases e termos diferentes do que se tinha até então. Ocorre, contudo, que não é isso que vem caracterizando a presença dos militares na Maré.

O modelo de ordenamento e o discurso apregoado pela corporação militar, que a cada dois meses é substituída, caiu no descrédito. As ações se repetem com a mesma brutalidade historicamente praticada pelas polícias na Maré. É incompreensível que o governo justifique o investimento astronômico do dinheiro público nesta ocupação por forças militares, desconsiderando o que esse tipo de estratégia, de fato, contribui para a garantia do direito dos moradores de favelas à segurança pública. Quem exerce controle sobre a ação desses militares? A quem devemos recorrer quando se constata a prática corriqueira de violação junto aos moradores?

O que dizer de jovens soldados, vindos de variados estados do Brasil, sem qualquer relação anterior com a realidade que encontram na Maré, perambulando, fortemente armados, com medo e prontos para reagir atirando, como sempre fez a Polícia Militar, para se defender de um contexto que seus superiores afirmam estar sob controle? Quem controla ou é controlado por quem, nessa realidade de total perda de respeito a algo básico como a garantia inegociável da vida?

Compartilhar notícia:

Inscreva-se

Mais notícias
Related

Sementes de Marielle; confira segunda parte da entrevista com Mãe da vereadora

Nessa segunda parte da entrevista, Marinete fala sobre as sementes deixadas por Marielle, do protagonismo de mulheres negras em espaços de poder e a partir do contexto do assassinato da vereadora, como acreditar em justiça.

‘Não há uma política de reparação’, diz Mãe de Marielle sobre vítimas do estado

Além de criticar o Estado e o Judiciário, que, em diversas instâncias, colaboraram pela impunidade do crime, Marinete aproveitou para reforçar o sonho que a família tem: inaugurar, via Instituto, o Centro de Memória e Ancestralidade