Mulheres de fé

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Primeira mulher pastora do Estado e budista moradoras da Maré conversaram sobre intolerância religiosa


Simone Lauar

Estamos vivendo em um momento marcado pela intolerância, onde as pessoas têm dificuldades em aceitar opiniões diferentes das suas, sendo até desrespeitosos em alguns momentos. Assuntos como religião, por exemplo, tem gerado diversos debates nas redes sociais e veículos de comunicação não apenas pela divergência de pensamento, mas pelos ataques que algumas religiões têm sofrido. 

Mas aqui na Maré existem duas mulheres fortes e espiritualizadas que discordam de todo esse ódio gratuito. Tive a honra de conversar com elas, mulheres de religiões diferentes, que sentaram lado a lado e falaram de sua fé e a falta de respeito que estão colocando nas religiões de hoje: Maria José Fernandes, 78 anos, primeira pastora evangélica do Estado do Rio de Janeiro e Elisabete Regina Ramos, 60 anos, budista Nichiren desde 1984.

Maria, como muitas mareenses, vem no Nordeste, do Estado da Paraíba há 45 anos. Em 1973, ela foi diagnosticada com câncer na língua. O médico, dissera na época, que ela só tinha seis meses de vida: “Estava na fila do hospital quando uma senhora me entregou um folheto de uma Igreja em Engenho Novo e pediu para minha mãe me levar até lá.” Maria foi, e a partir desse momento, ela se se tornou parte da Congregação Igreja Tabernáculo da Aliança do Senhor, na Vila dos Pinheiros, uma das 16 favelas que compõem a Maré, e se tornou a primeira pastora do Rio de Janeiro.

Já Elisabete Regina Ramos, 60 anos, também moradora da Vila dos Pinheiros, é natural do Maranhão e budista Nichiren desde 1984. Conhecida como Bete, veio pro Rio com 16 anos, e aos 25 se converteu budista, depois de anos sendo católica. “Comecei em uma época que budismo era uma novidade na favela. Pouquíssimas pessoas eram, pois o Budismo é propagado de pessoa pra pessoa, e não como é em outras religiões”, lembra. Bete faz parte da BSGI – Brasil SoKa Gakkai Internacional – junto com Elias Fernandes, filho de Maria José.

Bete e Maria são vizinhas, pessoas de fé diferentes e se respeitam. “Eu acho, sinceramente, que essas pessoas que se desfazem da fé do outro não tem Deus no coração. Você tem que respeitar as pessoas como seus irmãos. Quando a pessoa tem Deus no coração, não sente prazer em se desfazer da religiosidade do outro”, observou Maria José. “Nós Budistas acreditamos na lei do retorno. Não podemos e não devemos criticar ninguém, pois isso volta para a sua vida e se torna seu karma. Temos que ser solidários e acreditar num mundo melhor para todos nós. Independente de qual seja a sua fé, congregação… O que seja”, afirma Bete.

Duas mulheres fortes, unidas pela fé e não pelas suas religiões. Moram aqui na Vila dos Pinheiros, na Maré, e dentro de cada fé, elas resgatam vidas e estruturam almas consideradas perdidas. Uma aula de humanidade no meio de tantas barbáries desgovernadas e sem sentido.

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