Uma Maré angolana

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Impossível falar da Vila do Pinheiro, sem ressaltar a contribuição, em todos os sentidos, do povo de Angola

Maré de Notícias #100

Jéssica Pires

As cores, o ritmo e o paladar são familiares. O lugar que abriga esses sentidos é fruto de um aterro da década de 1980. Uma década depois, esse povo que compartilha de costumes e da identificação com um lugar, com o povo da Maré, chegava pelos voos do Galeão. Uma “Maré angolana” existe e resiste na Vila do Pinheiro, uma das favelas da Maré que têm uma inspiradora característica: reunir múltiplas trajetórias.

Das mais de duas mil residências que existem nesse lugar, a Vila do Pinheiro, a segunda maior comunidade angolana do Brasil, ocupa e circula, sobretudo, uma esquina – a da Rua C11 com a B3. De todos os angolanos que residem no Brasil, 11,5% vivem no Rio de Janeiro, segundo perfil do Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), de 2016. Ao circular pela Vila do Pinheiro e ouvir um sotaque diferente e delicioso, facilmente percebemos que muitos angolanos que escolheram o Rio de Janeiro como lugar para viver estão na Maré.

Chegando nessa esquina, vemos bares, padaria, comércio e movimentação – como é típico da Maré e de Angola. A diferença de outras esquinas da Maré é a grande concentração de belos e belas negras retintas, muitas vezes ouvindo kizomba ou kuduro ou se deliciando também com a culinária inesquecível da Lica. Faça uma visita em um sábado à Vila do Pinheiro e vá até o Bar da Lica, para comer um Mufete!

Traduzindo: kizomba e kuduro são ritmos muito comuns dessa nossa terra amiga, e que, eventualmente, são ouvidos por mais “mareenses” na Vila do Pinheiro, quando acontecem as festas e bailes dos angolanos, também naquela esquina. Mufete é um peixe assado preparado pela Lica, uma das primeiras angolanas a chegar na Maré.

Guilhermina Naval, de 46 anos, a Lica, é uma das muitas angolanas que vieram em busca de melhores condições de vida no Brasil, quando a Angola vivia o tenso e longo período de guerra civil. Ela veio com os filhos, reconstruiu sua história e construiu um dos pontos de encontro dessa “Maré angolana”. O Rio de Janeiro, “vendido” naquela época, era basicamente o romântico Leblon, de Manoel Carlos. Muitos angolanos vieram em busca desse Rio e chegaram à Maré por, aqui, já existir uma rede que os acolheria.

Mas ser migrante, preto, pobre e morador da Maré também não foi nada próximo dos roteiros das novelas. Dentro da própria Maré e da Vila do Pinheiro, os angolanos sofreram resistência e racismo. A necessidade criou uma comunidade ainda mais unida e com seus costumes – o que é percebido ao caminharmos pelas ruas da favela.

Ao final, o que se pode concluir é que a Vila do Pinheiro é resultado de uma mistura que lembra os pratos brasileiros e angolanos. O projeto inicial da Vila era acolher moradores das palafitas removidas da Baixa do Sapateiro e do Parque Maré. Hoje, são cerca de 16 mil moradores que continuam a tecer e produzir suas histórias.

Você sabia?

* A área genericamente conhecida como Pinheiro é parte de um aterro do Projeto Rio nos anos 1980. O aterro ligou a antiga Ilha do Pinheiro ao continente.

* Segundo o Censo Maré 2013, a Vila do Pinheiro possui 15.600 habitantes, distribuídos em 5.067 domicílios.

*A favela é a única do Rio de Janeiro a ter seu próprio Parque Ecológico.

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