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A comunicação comunitária como ferramenta de desenvolvimento e mobilização

A comunicação comunitária em espaços favelados desempenhou e continua preenchendo um papel essencial na construção de narrativas

Edição #167 – Jornal Impresso do Maré de Notícias

Henrique Silva

A comunicação comunitária em espaços favelados desempenhou e continua preenchendo um papel essencial na construção de narrativas e contranarrativas sobre a luta e resistência dos moradores, ao longo das últimas décadas. Além disso, funciona como um importante registro das memórias coletivas das favelas, por meio da vivência e da experiência interna desses territórios. É possível traçar uma linha do tempo que conecta as histórias e memórias dos moradores e a produção de jornais.

União da Maré

No conjunto de favelas da Maré, os jornais comunitários fazem parte do cotidiano dos moradores há muitos anos. Destaca-se o Jornal União da Maré, criado por moradores do Parque União e que, posteriormente, ampliou sua atuação com a contribuição de pessoas de outras favelas. Lançado em 1980, o jornal surgiu com o objetivo de informar os moradores, especialmente sobre o recém criado projeto de habitação da cidade, o Projeto Rio, do Banco Nacional de Habitação. Naquela época, os jornais promoviam a ideia de união entre as seis favelas que compunham o território da Maré: Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Timbau e Baixa do Sapateiro.

Um dos principais colaboradores do jornal foi o Grupo Jovem Nova Holanda, vinculado à Igreja Católica, além de Maria Amélia Castro e Silva Belfort, integrante do grupo de Mulheres da Nova Holanda. Em 1984, com o apoio de membros do bloco carnavalesco “Mataram o Meu Gato”, esses grupos formaram a Chapa Rosa, que venceu as eleições para a Associação de Moradores da Nova Holanda.

Durante os três anos de existência, o Jornal União da Maré publicou 12 edições, de forma irregular, mas chamou a atenção dos moradores e da imprensa. Em uma coluna no jornal O Globo, em 1983, o jornalista Artur da Távola destacou a importância e continuidade do jornal: “O leitor pode pensar que em todos os lugares são feitos jornalzinhos que duram no máximo até o terceiro número. Pois este já está no onze!”.

Associação de Moradores

Durante a gestão da Chapa Rosa (1984–1993), a Associação de Moradores e Amigos da Nova Holanda (AMNH) criou um jornal para informar os moradores sobre as atividades da associação e divulgar informações sobre serviços e direitos, como o Plano Econômico, as campanhas de vacinação, as políticas alimentares e o combate à dengue. O jornal desempenhou um papel importante no processo de mobilização comunitária, sendo uma ferramenta essencial para convocar os moradores a participarem de assembleias.

Assim como o Jornal União da Maré, o Jornal da Chapa Rosa também chamou a atenção da mídia tradicional. Em uma reportagem com o título “Jornais mensais informam sobre avanços obtidos na Nova Holanda”, a edição do O Globo de 22 de setembro de 1991, destacou o impacto do jornal comunitário distribuído na Nova Holanda:

“Com o apoio da Associação de Servidores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), jornais mensais eram produzidos para informar os moradores sobre os avanços obtidos e as novidades. Durante campanhas de vacinação ou prevenção de epidemias, boletins explicativos também eram distribuídos.”

Novas mídias e novos formatos 

Outros veículos, como a TV Maré, criada em 1989 pela Cáritas Brasil, durante a Campanha da Fraternidade, e rádios comunitárias, como a Rádio Transmania, Rádio Progressiva e Rádio Maré, ampliaram as possibilidades de comunicação. Essas iniciativas usaram formatos como rádio-poste, transmissões via internet e sinal de rádio tradicional. A seguir um trecho de uma participação de Eliana Silva Sousa, então diretora da AMNH, para a TV Maré, retirado da dissertação de mestrado de Vitor Chagas: História das mídias e jornalismo cidadão de base comunitária na Maré (2007). Na época, Eliana falou da importância de novos formas de comunicação:

“​​A gente precisa fazer um outro tipo de trabalho, que leve os moradores a refletirem sobre a necessidade de mudar outras coisas. Por isso, eu estou trabalhando com a questão da informação, com a questão da divulgação do trabalho, para  a gente conseguir falar para a comunidade. Por isso, eu até louvo essa iniciativa de você ter hoje uma TV Maré, quer dizer, porque é mais um instrumento que os moradores estão, a nível de Maré, conseguindo ter, para poder se organizar.”

Consolidação

Em 1999, surgiu o Jornal O Cidadão, idealizado pelo Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm). A partir da experiência de moradores que participaram da gestão da Chapa Rosa e da TV Maré, o jornal combinou conhecimentos do audiovisual e da produção impressa. Em 25 anos, o jornal publicou 70 edições, com tiragens que chegaram a 20 mil exemplares por edição. Hoje, o O Cidadão mantém um site e redes sociais ativas.

O Maré de Notícias, lançado em 2009 pela Redes da Maré, completa 15 anos em dezembro de 2024. O jornal se consolidou como referência no jornalismo comunitário, com 166 edições publicadas, tiragens que chegaram a 50 mil exemplares mensais e uma crescente presença digital desde 2017. A publicação combina formatos tradicionais e inovações tecnológicas para alcançar a comunidade. Durante a pandemia, destacou-se ao lançar boletins informativos sobre a COVID-19 e promover campanhas educativas.

Tempo real

Recentemente, com o avanço da tecnologia, a comunicação se tornou mais rápida e, em alguns casos, mais concisa, alcançando um grande número de pessoas que podem acessá-la de qualquer lugar, desde que tenham um celular ou computador. Sites de notícias, podcasts e redes sociais, como Instagram, Facebook e X, têm substituído não apenas os jornais impressos, mas também a TV aberta como fonte de informação.

Com isso, novos espaços de comunicação comunitária surgiram nas favelas da Maré, como as páginas das redes sociais do Maré Vive, Maré de Notícias e O Cidadão. Uma questão relevante nesse “novo momento” da comunicação comunitária, a partir das redes sociais, é a rápida circulação de informações durante operações policiais em territórios de favelas, tornando-se um canal de comunicação atualizado sobre o que está acontecendo nesses locais.

As páginas de Facebook da Redes da Maré (2011) e Favela Fiscal (2013) começaram a publicar informações sobre as operações policiais. No entanto, foi durante a ocupação das forças armadas no conjunto de favelas da Maré que surgiu uma grande quantidade de canais cobrindo esses eventos. Nesse período, foi criada a página do Coletivo de Comunicação Maré Vive (2014), que passou a divulgar informações sobre as ações, muitas vezes desastrosas, das forças armadas no território.

Reflexo do tempo

A comunicação popular é um reflexo de seu tempo. Nos anos 1980, a prioridade era responder a demandas imediatas em um contexto de abertura política. Nos anos 1990, com o reconhecimento do território da Maré como bairro, a comunicação comunitária passou a abordar questões de memória e conquistas sociais. Dos anos 2000 até agora, a repressão policial e as políticas de segurança pública dominaram a pauta.

Com a chegada das novas tecnologias, a comunicação comunitária das favelas adaptou-se ao cenário digital, tornando-se uma ferramenta essencial para mobilização, denúncia e preservação da identidade coletiva.

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