Número de explicadores aumenta na Maré como alternativa para diminuir possível déficit no aprendizado por conta do distanciamento social
Maré de Notícias #129 – outubro de 2021
Por Adriana Pavlova
Você já deve ter esbarrado com placas na frente de casas oferecendo “Explicadora” ou “Reforço Escolar”, ou mesmo recebido propaganda de professores particulares no seu celular. Uma tradição local, os explicadores escolares nunca foram tantos e tão procurados nas 16 favelas da Maré – e não é para menos. Depois de um ano e meio de pandemia de covid-19, a situação dos alunos continua incerta, deixando seus responsáveis (além dos próprios alunos), muito angustiados.
Para quem pode apertar o orçamento, a solução tem sido recorrer ao reforço escolar pago, uma vez que as escolas públicas ainda não têm uma política efetiva para diminuir os flagrantes prejuízos na aprendizagem dos estudantes. Pesquisas como Perda de Aprendizagem na Pandemia, uma parceria entre o Insper e o Instituto Unibanco, mostraram que, de novo, os grandes prejudicados são os mais pobres e vulneráveis, contribuindo para aumentar ainda mais a histórica desigualdade na educação dos brasileiros.
“Ter uma explicadora num momento de pandemia fez toda a diferença, salvou o meu filho porque nem tudo eu sei ensinar”, diz a fornecedora de quentinhas Martineli Santana, moradora da Nova Holanda, cujo filho, Leonardo, é aluno da pedagoga Mayara Selebri, que dá aulas numa sala também na Nova Holanda.
Aluno do 5º ano na Escola Municipal Nova Holanda, Leonardo havia recomeçado o reforço com Mayara no ano passado, pouco antes da explosão da crise sanitária: “A comunicação com as professoras teve que ser feita por WhatsApp e meu celular não tinha espaço para baixar o aplicativo da Prefeitura para atividades. Este ano, as aulas voltaram em ritmo lento: há revezamento para que as salas não fiquem cheias e o horário agora é menor. Já aconteceu das aulas serem suspensas por causa de contaminação de covid. Se não fosse a Mayara, eu estaria frita. Leonardo continuou evoluindo muito bem na aprendizagem”, afirma Martineli.
Um estudo realizado pelo Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais (Lapope) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre o impacto da pandemia de covid-19 no bem-estar e aprendizado na pré-escola dá a dimensão dos prejuízos imensos no cotidiano dos estudantes brasileiros. A pesquisa mostrou que, para mais de 60% das famílias de alunos de escola pública, a falta de acesso ou a baixa qualidade de acesso à internet dificultou a realização de atividades remotas, enquanto o número é bem menor (17%) quando se trata de famílias com filhos na escola privada. Da mesma forma, cerca de 30% dos alunos de escolas públicas não tiveram nenhum tipo de contato com os professores durante os momentos mais críticos da pandemia; o número cai para 10% entre as crianças do ensino privado.
Os dados recolhidos pelos pesquisadores da UFRJ se assemelham ao resultado do estudo Educação de meninas e covid-19 no conjunto de favelas da Maré, realizado pela Redes da Maré em parceria com o Fundo Malala, que mostrou que 34,7% das mais de mil entrevistadas não tinham acesso à internet em casa, e 66,5% não conseguiram manter a rotina de estudos.
O distanciamento tão longo entre professores e alunos muito provavelmente é uma das causas do sumiço de estudantes nas salas das 47 escolas públicas da Maré, mesmo depois do retorno das aulas presenciais. Uma professora de uma das escolas municipais de ensino integral conta que, dos 31 matriculados em sua turma, o número de alunos em sala varia de 10 a 18 por dia desde que o ensino presencial voltou. Os outros 13 estão oficialmente no sistema remoto, só que jamais fizeram contato. Durante a temporada de isolamento, sem aulas presenciais, ela não conseguiu interagir com a maioria das famílias, nem por WhatsApp. A boa notícia é que quem voltou às salas está feliz.
Não por um acaso, para 70% dos professores ouvidos pelos pesquisadores da UFRJ, houve impacto negativo no desenvolvimento da expressão oral, corporal, no relacionamento interpessoal e até mesmo na nutrição das crianças durante o isolamento.
“Sabemos que, sobretudo na primeira infância, a escola tem um efeito protetor, principalmente para as crianças em situação de vulnerabilidade. Para quem não tem redes de suporte, a escola diminui a desigualdade porque os professores estimulam o aluno, há benefícios de alimentação e de interação social”, avalia Tiago Bartholo, que conduziu o estudo da UFRJ junto com a professora Mariane Koslinski, com o apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Dados da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), da Secretaria Municipal de Educação, confirmam a evasão dos alunos nas escolas da Maré. Dos 17.099 cartões de alimentação escolar disponibilizados pela Prefeitura para os alunos na pandemia, por conta da suspensão das aulas presenciais, 16.336 foram efetivamente retirados. Em setembro de 2021, dos 17.297 alunos matriculados, cerca de 1.600 não estavam frequentando as aulas e nem tinham qualquer contato com a escola.
Apesar desse quadro, ainda segundo Tiago, os prejuízos na educação de crianças e jovens brasileiros não são irreversíveis. “Se forem feitos programas públicos bem desenhados, as perdas podem ser revertidas. Programas que segreguem alunos devem ser evitados, porque grupos heterogêneos geram mais ganhos para todos. Outra sugestão são aulas de reforço para grupos pequenos. E o maior impacto para reverter esse quadro é investir no professor, peça-chave de todo o processo de aprendizagem”, sugere.
Segundo Fátima Lima Barros, coordenadora da 4ª CRE, há escolas municipais na Maré já oferecendo aulas presenciais e remotas de reforço, mas cada unidade tem liberdade de encontrar o melhor formato. Ela cita ainda o Plano Rio Futuro, que prevê um programa de reforço mais estruturado e aulas nas férias escolares, sem, contudo, dar datas precisas. Outra iniciativa, de acordo com Fátima, é a busca dos alunos que estão fora da escola: “Como em muitos casos perdemos o contato por telefone, contamos com parcerias com as associações de moradores para descobrir o paradeiro dos alunos”, diz.
Na falta de um plano oficial mais robusto para reverter os impactos da covid-19 na desigualdade da educação na Maré, são instituições não-governamentais e as famílias que buscam diferentes formas de aliviar perdas. Por isso o trabalho dos professores particulares de reforço escolar nunca foi tão valorizado. “Houve uma explosão na procura na pandemia, por conta da precariedade do ensino remoto. Tem muito aluno que não aprendeu nada em 2020 e continua com dificuldades, principalmente quem estava na alfabetização, ainda mais porque há muita desigualdade no ensino e algumas escolas não voltaram a funcionar direito”, avalia Mayara Selebri.
Nos cursos preparatórios para o 6º ano e Ensino Médio da Redes da Maré, assim que a rotina dos estudantes foi alterada de forma drástica, os educadores exercitaram como nunca a escuta. Se houve um trabalho intenso da Redes para munir os estudantes com tablets para facilitar a conexão tecnológica, na parte pedagógica ferramentas vêm sendo criadas e ajustadas para facilitar a comunicação e consequente aprendizagem. E, claro, manter aceso o interesse dos alunos. “Foram feitas lives de aulões interdisciplinares, festas online, rodinhas de bate-papo com jogos, sarau virtual, manutenção da tradicional roda de conversa com os pais, como também criamos apostilas, material físico temático”, diz o coordenador dos cursos, Daniel Remilik, afirmando que outro foco trabalhado é a saúde mental de alunos e professores, com ferramentas e encontros virtuais que têm o objetivo de estimular a percepção de sentimentos como ansiedade, tristeza e desânimo.
Finalmente, o projeto Busca Ativa, também da Redes da Maré, continua batendo de porta em porta nas 16 comunidades à procura de alunos fora da sala de aula. Instituída em janeiro de forma remota e em junho nas ruas, a iniciativa conseguiu cadastrar 935 crianças e adolescentes até meados de setembro, enquanto vem acompanhando de forma regular 568 deles. A grande maioria vem de listas fornecidas pelas escolas públicas da Maré, mas nas visitas diárias a equipe de campo formada por seis pessoas acaba descobrindo outros tantos estudantes distantes dos bancos escolares, muitas vezes por falta de informação.