Por Hélio Euclides e Jorge Melo
Não houve ainda confirmação oficial mas há sérios indícios de que estamos diante de uma nova onda de covid19. E o que tem evitado a expansão da doença, os sintomas mais graves e as internações é a cobertura vacinal. O coronavírus, segundo os especialistas, parece ser o responsável pela maioria das internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) nos hospitais brasileiros.
Segundo o Boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a covid-19 já é motivo de 59,6% das hospitalizações por infecções nas vias aéreas registradas nas últimas semanas. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que iniciou a vacinação com a quarta dose para pessoas com 50 anos ou mais, recomenda que aqueles que estiverem com sintomas de gripe e pretendem se vacinar, realizem antes o teste de Covid-19.
Números em alta
Na sexta-feira, três de junho, foram registradas 41 mortes pela covid19 em 24 horas, totalizando 667.019 óbitos desde o início da pandemia. A média móvel de mortes naquela semana foi de 93 óbitos. Em pouco mais de um mês foi registrada uma alta de 78,3% de novos casos. Em 26 de abril, a média móvel foi de 14.600 novos diagnósticos em sete dias. Em 31 de maio, o número saltou para 26.032 também em sete dias.
De acordo com os dados do Painel Unificador Covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro as favelas do Rio reuniram mais de 229900 casos confirmados da doença e 8627 pessoas perderam suas vidas pelo vírus. No conjunto de 16 favelas da Maré foram 16415 moradoras e moradores infectados e 416 mortos.
Ao mesmo tempo, até o dia três de junho 166,3 milhões de pessoas foram totalmente imunizadas; o que corresponde a 77,43% da população. Os dados são do consórcio formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo que reúne informações das secretarias estaduais de Saúde divulgadas diariamente até as 20h. A iniciativa dos veículos da mídia foi criada a partir de inconsistências nos dados apresentados pelo Ministério da Saúde.
Segundo Júlio Croda, infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, nesse momento, “locais fechados associados à aglomeração deveriam continuar a indicação de uso de máscaras para evitar a transmissão. Também pessoas que são de maior risco para hospitalização e óbito como idosos, imunossuprimidos e pessoas com múltiplas comorbidades deveriam continuar utilizando máscaras, principalmente quando se expõem a locais de risco e de elevada transmissão.”
De acordo com dados divulgados pela prefeitura do Rio de Janeiro, 1,2 milhão de pessoas já poderiam ter completado o esquema vacinal contra a Covid-19 e estão com alguma dose atrasada (incluindo a de reforço), o que causa muita preocupação porque ficam mais vulneráveis às complicações da doença.
A importância da vacina
Segundo Leonardo Bastos, pesquisador do Programa de Computação Científica da Fiocruz, um dos motivos do aumento de casos no momento se deve, “a uma adaptação do vírus que sempre sofre mutações. E com o vírus circulando em todo o planeta, veremos variantes e mutações que vão causar surtos e epidemias.”
Leonardo Bastos esclarece ainda que a vacina não evita que a pessoa contraia a doença, “ela até ajuda a reduzir os sintomas, mas a vacinação visa evitar que a doença evolua para um quadro mais grave. E nesse sentido, duas ou três doses reduzem bastante as chances de agravamento da doença.”
A presença de variantes com alta transmissibilidade, o relaxamento de medidas preventivas e a redução da imunidade contra a covid-19, meses após a vacinação, também explicam o aumento do número de infectados. Ao mesmo tempo, com a vacinação avançada, a grande maioria dos casos não têm mesma gravidade.
Os dados do Painel Covid-19 da secretaria municipal de Saúde do Rio de Janeiro provam a importância da cobertura vacinal, que na cidade é de 99,8% para a segunda dose e 67% para a dose de reforço. A cidade registrou até o fim de maio quase 463 mil casos confirmados de Covid-19, dos quais menos de 1% (4.453) evoluiu para a forma grave da doença e 1.749 pessoas faleceram. Em 2021, foram 307 mil casos com 43 mil casos graves e 16 mil mortos.
Um passo atrás
No Rio de Janeiro, a Universidade Federal Fluminense (UFF), que retornou às aulas presenciais no dia 28 de março, determinou o uso obrigatório de máscaras em ambientes fechados de todos os campi no início de junho. Em comunicado, recomendou o uso de máscaras também nos ambientes abertos como uma medida voluntária, individual e consciente de proteção.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) seguiu o mesmo caminho. Na UERJ as máscaras devem ser usadas nos locais onde o espaçamento mínimo de um metro não possa ser praticado. A determinação foi anunciada pela Reitoria no dia primeiro de junho. A exigência do comprovante de vacina para entrada em todos os campi, continua mantida.
A direção do tradicional colégio São Vicente, no Cosme Velho, na zona sul da cidade, também determinou o uso obrigatório de máscaras no espaço escolar, a partir do dia dois de junho. A medida, segundo a direção, foi tomada em função da evolução dos casos de contaminação pela Covid-19.
Leonardo Bastos afirma que, “A vacinação sempre teve como objetivo principal a redução de hospitalizações e óbitos. Pois mesmo com o aumento absurdo do número de casos associados à Ômicron, as hospitalizações e óbitos felizmente não acompanharam esse aumento.” Por outro lado, lembra Leonardo Bastos, “houve um relaxamento, visível, nas medidas protetivas; máscaras, distanciamento social, uso contínuo de álcool gel etc.”
Rosangela Correia, de 38 anos, trabalhou no projeto Conexão Saúde por um ano e três meses. De início, como assistente de Enfermagem; e depois como supervisora técnica, fazendo testagem nas 16 comunidades do Conjunto de Favelas da Maré.
Atualmente, Rô, como é mais conhecida, trabalha na Clínica da Família Maria Cristina Roma Paugartten, gerida pela ONG Viva Rio. Ela afirma que houve um visível aumento do número de casos nas últimas semanas, “na unidade que trabalho, os números têm aumentado diariamente. De 100 pessoas que a gente atende, 20 estão com Covid. E se não houvesse o Vacina Maré e a conscientização das pessoas, estes números estariam bem maiores.”
A campanha #VacinaMaré, citada por Rosangela Correia, foi uma iniciativa da Fiocruz, Redes da Maré e a Secretaria Municipal de Saúde para completar o ciclo de imunização dos moradores do Conjunto de Favelas. Além de vacinar, a campanha também desenvolveu pesquisas sobre a Covid-19 e as vacinas.
Caiett Genial, professor de Geografia, de 32 anos, é um exemplo. Ela dá aulas no Curso Preparatório da Maré, que retornou às aulas presenciais recentemente, e apesar de ter tomado três doses de vacina, contraiu a Covi-19. No entanto, acredita que não sofreu maiores consequências por causa exatamente das três doses que tomou. “como já tenho complicações pulmonares, provavelmente eu teria que ser internado caso não estivesse imunizado”.
A partir da sua experiência, Caiett Genial acredita que as medidas de proteção não devem ser flexibilizadas sem um monitoramento efetivo, “Nesse momento como estamos num provável período de crescimento da doença, as medidas devem ser mais rígidas até que voltemos a controlá-la melhor”. Caiett Genial sugere, por exemplo, “restrições na lotação de espaços fechados.”. No entanto, afirma que é contra um novo lockdown, “tendo em vista o baixo número de óbitos, devido ao sucesso da vacinação.”
A retomada da Covid-19
Na realidade essa situação vinha se desenhando desde o final do ano passado. Em dezembro de 2021, o Observatório Covid-19 Fiocruz identificou uma estagnação da curva de população com aplicação de primeira dose e considerou que era estratégica a ampliação da vacinação em crianças.
Um mês depois, em janeiro de 2022, a proporção de população com primeira dose cresceu, porém de forma tímida. Além do mais, a curva de aplicação de segunda dose, que se mantinha em crescimento, estagnou. Traduzindo: uma preocupante estagnação no crescimento da cobertura vacinal na população adulta, além da desaceleração da curva de cobertura da terceira dose, ou seja, adesão menor de adultos à aplicação da dose de reforço.
Leonardo Bastos acredita que é hora de dar um passo atrás, “as autoridades precisam apresentar regras que protejam o cidadãos incentivando a redução da transmissão, oferecer ampla testagem, maneiras eficientes para que pessoas positivas sejam isoladas, oferecendo atestados para que as pessoas positivas sejam acompanhadas para que vão ao hospital, no momento apropriado, em caso de agravamento.”
O exemplo da Maré
Na webinar A pandemia de Covid-19 no Brasil: balanço e desafios futuros, realizada no dia dois de junho, em comemoração aos 122 anos da Fundação Oswaldo Cruz, o pesquisador Fernando Bozza, do Instituto Nacional de Infectologia, ligado à Fiocruz, fez um balanço sobre o trabalho realizado durante a pandemia de Covid-19 no Conjunto de Favelas da Maré, em parceria com a Redes da Maré e Secretaria Municipal Saúde.
Segundo Fernando Bozza, o projeto Conexão Saúde- De Olho no Corona se destaca como uma iniciativa bem-sucedida de combate à pandemia em favelas, com vários indicadores positivos, dentre eles a redução da taxa de mortalidade. No entanto, segundo Fernando Bozza, para alcançar esse objetivo foram desenvolvidas etapas. E a primeira delas foi a testagem em massa com a criação de centros de testagem e centros de testagem móvel, que se deslocavam pelo território da Maré. Foram realizados mais de 15 mil atendimentos de telesaúde. E testadas mais de 41 mil pessoas, aumentando a detecção da doença em 40% e reduzindo a mortalidade em 53%.
De acordo com Fernando Bozza, na abordagem social da pandemia, foi fundamental a intervenção da Redes da Maré, que viabilizou o Isolamento Social Seguro para 1200 famílias, com a distribuição de cestas básicas.
Fernando Bozza destaca também o trabalho de comunicação com a produção de cartilhas e boletins informativos, “a gente pode concluir que essas intervenções foram efetivas para aumentar a detecção e reduzir as mortes; a gente viu a adesão da população e aqui o meu agradecimento à Redes da Maré, a essa parceria e à capacidade de mobilização social e de recursos que a sociedade civil organizada e com as quais nós, da Fiocruz e nós pesquisadores, temos muito que aprender.”
Rosângela Correia que, como vimos, trabalhou no Conexão Saúde, acredita pela experiência que acumulou durante o trabalho na pandemia que o Vacina Maré foi um dos principais responsáveis pelo bom desempenho do conjunto de favelas, “o Vacina Maré evitou que um número maior de pessoas fossem infectadas.” Rosangela Correia diz ainda que está orgulhosa de ter participado desse esforço na Maré, “pra mim foi muito enriquecedor tanto pelo lado profissional como pessoal.”