Salões de beleza e outros negócios relacionados ao cuidado com a aparência têm espaço significativo na vida das 16 comunidades, perdendo numericamente apenas para a presença dos bares
Por Tamyres Matos, em 21/03/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho
Que o mercado da beleza é poderoso em todo o território mareense, qualquer um que mora na região sabe. Basta caminhar pelas 16 favelas do conjunto para perceber algo registrado em números pelo Censo Empreendimentos Maré, que em 2014, apontava a área de beleza/estética como a segunda mais espalhada pelo conjunto de favelas (10,4%), perdendo apenas para os bares (22,4%). De lá para cá, muita coisa se alterou. Mas essa construção de independência por meio de empreendimentos estéticos, especialmente por parte das mulheres, ainda representa uma tendência potente.
Cada um dos salões e trabalhos independentes tem uma história especial por trás. Sara Silva Martins, de 23 anos, é designer de unhas nasceu e foi criada na comunidade de Marcílio Dias, conhecida como Kelson’s. “Atuo nessa área desde os 15 anos, Comecei na sala da casa da minha mãe e indo à domicílio. Foi muita luta para que hoje eu tenha um espaço em uma das ruas principais na comunidade em que eu fui criada”, conta a jovem empreendedora, com orgulho.
A trajetória de Sarah teve muito perrengue, curso, investimento, adaptação às circunstâncias. É importante ressaltar que empreendedorismo é uma saída abrangente, mas nem sempre é uma escolha. As restrições da pandemia, por exemplo, retiraram boa parte das opções de trabalho das pessoas e tomar as rédeas de um negócio próprio acaba sendo um caminho obrigatório para muita gente.
“Quem mais perdeu emprego e renda durante a pandemia foram as mulheres. O empreendedorismo não é só um caminho para elas, mas, para a maioria, é a única opção”, analisa Ana Fontes, criadora da Rede Mulher Empreendedora, em entrevista ao site Consumidor Moderno.
De acordo com os dados do último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego das mulheres no final de 2021 foi 54,4% maior que a dos homens. Ou seja, entre as 12 milhões de pessoas desempregadas no Brasil, 6,5 milhões são mulheres e 5,4 milhões são homens.
Viver de beleza em Marcílio
Começar na sala da mãe; expandir para a varanda da mesma casa e ficar feliz com a pintura feita pelo pai no ambiente; conseguir alugar uma cadeira no salão vizinho – também comandado por uma mulher – e depois virar sócia do negócio. A história de Sarah ilustra, sem romantização, as dores e delícias do empreendedorismo feminino.
“Quando meu pai pintou a varandinha de lilás, eu fiquei toda boba. Parecia um sonho, mas mal eu sabia que era só o início. O calor chegou e eu atendia com um ventilador pequeno, mas o sol batia todo na varanda. Na época, também fui designer de sobrancelhas, eu lembro que a henna nas sobrancelhas das clientes escorria por conta do calor, elas suavam muito e eu comecei a ficar desanimada com aquela situação, mas não desisti”, relembra a moradora.
Sarah conta que ano passado passou a ministrar alguns cursos na área. “Tem sido uma experiência incrível, pois tive a oportunidade de agregar conhecimento na vida de muitas mulheres que estavam iniciando nessa jornada. A maior parte delas já ingressou na profissão e tem ótimos resultados. É muito gratificante fazer parte disso. Porque um dia eu tive as mesmas dúvidas que elas e hoje posso ajudá-las com meu conhecimento, além de trazer um retorno para a minha renda”, comenta.
Em texto apresentado no censo dos empreendimentos da Maré, desenvolvido pela Redes da Maré e pelo Observatório de Favelas, reflete-se sobre a grande valorização dos encontros em espaços públicos, o que, de certa forma, impacta no cuidado – e no investimento – de cada um com a própria aparência.
“É inegável que o significado atribuído a bares e salões de beleza nas relações de intersubjetividade na Maré consiste em uma marca analítica relevante, embora não exclusiva, para a compreensão da viabilidade e do predomínio desses empreendimentos entre as atividades locais”, analisa o documento.
Mariana Silva, de 28 anos, é maquiadora, e vive em Marcílio desde os três anos de idade. Seus trabalhos estão mais voltados para a área da maquiagem artística e ela atende por toda a cidade do Rio, mas também atua dentro da Maré. “Posso estar de manhã em um ensaio fotográfico, à tarde fazendo pintura corporal gestacional e à noite produzindo personagens para eventos, minha vida é bem corrida. Aqui na comunidade os atendimentos são de maquiagem social. As meninas daqui são bem vaidosas, não apenas com maquiagem, mas no combo completo: unhas, sobrancelhas…”, relata.
Para Mariana, a área da maquiagem vai muito além do que pode parecer à primeira vista. “Os encontros nos atendimentos podem gerar conexões, experiências que o dinheiro não paga. Meu tempo de atuação me trouxe essa noção, de um trabalho que não se faz sozinha. Essa é a minha paixão e, para o meu futuro, pretendo ter meu espaço, me especializar em outras áreas da beleza/estética, criar meus cursos, levar o que eu aprendi nesses anos para outras pessoas, incentivar novas empreendedoras a correrem atrás dos seus sonhos”, pontuou.