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Artigo: Eu, a pandemia e a Redes da Maré

Ao completar dois anos de pandemia, uma reflexão por quem esteve (e ainda está) na linha de frente, articulando medidas que amenizem os impactos da crise

Por Luna Arouca, em 13/03/2022 às 7h

Logo nas primeiras semanas da pandemia eu peguei covid. Na época, os laboratórios não tinham testes e eu fiquei isolada 14 dias, como muitos, sem saber meu diagnóstico. Meses depois, com o exame sorológico veio a confirmação da covid.

Quando voltei ao trabalho, a organização que trabalho, Redes da Maré, tinha se reconfigurado completamente. Todos os projetos tinham se redirecionado para apoiar prioritariamente a entrega de cestas básicas aos moradores nas 16 favelas do conjunto. A fome era urgente.

Inicialmente, fiquei na entrega de quentinhas para população em situação de rua, por conta do projeto que coordenava, o Espaço Normal, que atende esse grupo, além de pessoas que fazem uso abusivo de drogas. Com a consolidação desse trabalho e ajuda de muitos voluntários, fui apoiar a entrega das cestas que crescia em demanda e logística, trazendo desafios tecnológicos e sociais. Com as entregas, vinham as informações de pessoas contaminadas, sem acesso a exames ou mesmo sem atendimento médico. Eram os casos subnotificados e, como consolidado posteriormente em um painel, eram os invisíveis: não eram contados, nem vistos pela política pública.

Assistimos, acompanhamos e atuamos enquanto organização em todas as principais consequências da COVID no território : fome, perda de renda e emprego, contaminação, morte, medo, violência doméstica, falta de acesso à educação e a informação. Mas no meio do caos tinha luz. O que me trouxe esperança e força nesse período foi ver a cooperação, o trabalho coletivo e comum, o esforço sem limites da Redes da Maré para tentar responder às novas demandas dos moradores, os voluntários que doaram seu tempo para ajudar seus vizinhos e sua favela.

Para mim, esse esforço foi simbolizado e teve seu pico na campanha Vacina Maré. Depois de um ano de implementação do projeto de combate a covid Conexão Saúde (com testagem, atendimento médico online e programa de isolamento domiciliar) foi possível no âmbito de uma grande pesquisa em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Secretaria Municipal de Saúde realizar um mutirão de vacinação e finalizar a imunização com primeira dose na Maré. Em quatro dias vacinamos 36 mil pessoas.

O Vacina Maré honrou o legado mareense de mobilização e de luta por direitos. Foi emocionante ver associações de moradores, profissionais da saúde e da educação, moradores, tecedores da Redes, todos em uma ação conjunta de proteção à vida, mas também de celebração. Desse processo nasceu dentro da organização um novo eixo, o de direito à saúde, que tenho a honra de coordenar atualmente. Sem dúvida ele nasce cheio de força e desafios e com o objetivo de ser mais uma ferramenta da luta pela saúde universal, gratuita e de qualidade e defesa desse direito na Maré. Para isso precisamos continuar com os moradores mobilizados. Não podemos esquecer que saúde é democracia.

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