Na prática, em pleno século XXI continuamos em nossa sina de País megabiodiverso, degradando nossos recursos naturais, até o dia que não sobre mais nada, além de escombros
Conheci esse Ecossistema lá pelos anos 1980, ainda estudando no atual Ensino Médio, quando junto a um amigo, o Bias, de Angra dos Reis, ia pescar tainhas que subiam os rios Ariró e Jurumirim, atravessando o grande manguezal. Poucos anos depois, aprendi no Curso universitário de Biologia, sua importância ambiental e econômica e, por conta própria, fui descobrindo a quantidade de leis que, no Brasil, o protegiam integralmente. Não demorou muito e tampouco sem maiores dificuldades para notar que as leis que protegiam os manguezais simplesmente não funcionavam no Brasil, uma triste e típica característica aplicável para outra infinidade de realidades nacionais, isto é, “tem tudo e nada funciona”.
Rapidamente fui tragado do conhecimento exclusivamente técnico/acadêmico para uma verdadeira relação de amor e ódio, envolvendo a questão da gestão e, principalmente, da proteção desse Ecossistema fundamental para a manutenção da biodiversidade da zona costeira, visto que milhares de espécies, direta ou indiretamente, dependem desse tipo de Ecossistema, incluindo importantes atividades econômicas que variam do turismo à pesca artesanal.
Em Angra dos Reis, iniciei estudos sobre a degradação desse Ecossistema, causas, consequências, bem como desenvolvi técnicas para a sua recuperação, coisa impensável até os anos 1980 no Brasil.
Com a insistência herdada de mãe e pai italianos, acabei sendo chamado para ser o chefe do Departamento de Controle Ambiental da Prefeitura e imediatamente iniciei, com uma equipe de dois técnicos, o que se tornaria o meu maior pesadelo: em 2 anos e meio de trabalho à frente do Departamento, colecionei 4 ameaças de morte, perseguições na rodovia que ligava o Rio à Angra dos Reis, fuga do Brasil no período mais tenso e, por fim, meu afastamento da cidade no dia em que eu doava recursos financeiros provenientes da Alemanha, país que me recebeu quando fugi do Brasil por causa das ameaças.
Apesar do meu sofrimento, mais de 4 milhões de m2 de manguezais da Baía de Ilha Grande não foram transformados em loteamentos e marinas de luxo, fruto do esforço no período em que estive à frente do Departamento Ambiental. Intensifiquei a recuperação dos manguezais em diversos outros pontos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que cresce sobre o aterro de baías, lagoas, restingas, manguezais e brejos. E dessa forma, tanto nas baías de Guanabara e Sepetiba, como no sistema lagunar da Baixada de Jacarepaguá, independente do estado de degradação encontrado, mais de 2 milhões de m2 de manguezais foram recuperados nos últimos 20 anos.
Na Baía de Guanabara fui o responsável pela recuperação dos manguezais do entorno do aterro metropolitano de Gramacho, foz do Rio São João de Meriti, Ipiranga e canal do Fundão, totalizando aproximadamente 2,5 milhões de m2 de manguezais desde 1997. Muito? Talvez, se colocar na conta de apenas um biólogo e de seus funcionários, amigos e colaboradores.
Se na Baía de Ilha Grande conseguimos nos anos de 1980 e 1990 deter expressivamente a voracidade da especulação imobiliária que contava com a cobertura do poder público para concretizar seus crimes ambientais, claramente em outros Estados da Federação, nos últimos 17 anos, os interesses econômicos e políticos têm atropelado a legislação ambiental, somados à inoperância criminosa dos órgãos ambientais, aparentemente omissos ou impotentes.
Importantes do ponto de vista ambiental e econômico, além de protegidos por leis, os manguezais, continuam sendo suprimidos criminosamente, com o consentimento do poder público e com a apatia da sociedade. Dessa forma, na prática, em pleno século XXI continuamos em nossa sina de País megabiodiverso, degradando nossos recursos naturais, até o dia que não sobre mais nada, além de escombros.