Maré de Notícias #87 – abril de 2018
Jovens usam transportes públicos para levar poesia para quem “nem sabe o que é sarau”
Maria Morganti
Se você estiver no transporte público do Rio de Janeiro, seja ele ônibus, trem ou BRT e ouvir gritos de um grupo de jovens, não se assuste. Pode ser um: Ataque – Poético – Poetas – Favelados – Abra seu coração. Esse é o grito de “guerra/paz” com o qual o coletivo Poetas Favelados, fundado em janeiro de 2017, por MC Martina e Al Neg, inicia as suas apresentações.
A origem
Os dois são do Complexo do Alemão e “tornaram-se irmãos” – de coração, como diz Martina. Sentiam que tinham de criar alguma manifestação cultural na favela que fortalecesse a poesia e o hip-hop. Mas isso foi antes, quando, individualmente, seguiam suas correrias: produção de eventos, saraus e até um filme, “Somos Mais”, produzido por MC Martina e lançado no ano passado. O encontro entre os dois foi decisivo, mas o Poetas Favelados nasceu quando Sabrina foi a São Paulo e conheceu os Poetas Ambulantes, coletivo que distribui poesia no transporte público na capital paulista. “Eu falei, caraca, era isso. Foi uma coisa muito bonita, eu nunca tinha visto isso aqui no Rio, nada daquela energia, daquela organização, daquela forma. E aí eu falei, ‘mano, eu tenho de levar isso para o Rio’. E aí eu voltei, falei com o meu irmão Al Neg: ‘ó, cara, vamos formar o coletivo, vamos fazer isso’. Aí ele, bóra” – relembra Martina.
Os ataques poéticos
O coletivo chegou a ter cerca de 15 integrantes, com gente de Petrópolis e da Baixada Fluminense, batendo a marca de 50 Ataques Poéticos por mês. Primeiro no transporte público, depois em escolas estaduais, federais e municipais. “A gente entra no trem, no ônibus ou no BRT, olha pra ver se não tem nenhum camelô. Se não tiver, a gente recita. É pá-pum. Uma, duas, três poesias e passa o chapéu; porque toda vez que a porta abre e fecha, uma galera sai, outra galera entra, então é um público diferente”, – conta a idealizadora.
Passar o chapéu foi consequência da necessidade. “De início a gente não passava o chapéu, só começamos a fazer porque a gente não tinha dinheiro. Mas o nosso intuito principal, mano, é despertar o sorriso da galera, é passar a mensagem, é chamar a atenção do passageiro. Porque quando a gente vai no buzão e faz um Ataque Poético, a gente leva um sarau para uma galera que não tem acesso, para um público que não sabe nem o que é sarau”.
As reações são muito parecidas, segundo Martina, “primeiro as pessoas mantêm no rosto a cara de cansaço. Ao longo do ataque, dá até para ver um sorriso; os poetas recitam poesias próprias, além de homenagear nomes da literatura preta, periférica e marginal como Carolina Maria de Jesus, Sérgio Vaz, Conceição Evaristo e Elisa Lucinda. Elisa Lucinda, gosta e aprova: “eu adoro, combina muito com o meu propósito como artista, que é fazer a arte rodar, democratizar a poesia. E sendo jovens de favela, eu fico mais feliz por eles estarem tirando a poesia do lugar do intelectual para colocar na rua”.
A mudança
No início deste ano, o grupo passou por uma reformulação. Segundo Martina e Al Neg, ”chegou um momento que a gente estava muito mais na pista que na favela, e esse foi um dos principais motivos pra gente pensar em reformular o coletivo”, afirmam. Os idealizadores dizem que esse processo também definirá o quê e como fazer daqui para a frente. “Depois pensamos no nosso principal objetivo, que é estar dentro das favelas, dentro das escolas e em algumas faculdades”, finaliza Al Neg.