Por falta de informações, crianças e familiares sofrem preconceitos
Maré de Notícias #123 – abril de 2021
Por Hélio Euclides
Pouco se fala sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), uma condição de saúde caracterizada pelo comprometimento da interação social e da comunicação verbal e não verbal, e pelo comportamento restrito e repetitivo de que a apresenta. O transtorno engloba diferentes aspectos que podem ser identificados na primeira infância (antes dos três anos), embora os sinais iniciais às vezes apareçam já nos primeiros meses de vida. Por se conhecer pouco, há preconceito por parte da sociedade e dificuldade no diagnóstico.
Para chamar a atenção sobre a importância de conhecer e tratar o transtorno que atinge mais de 70 milhões de pessoas no mundo foi criado, em 2008, o Dia Mundial da Conscientização do Autismo pela Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 2 de abril. A fita com a estampa de quebra-cabeças representa pessoas com autismo, e é usada tanto em placas de prioridade como no dia da conscientização, juntamente com a cor símbolo do TEA, o azul. No Brasil, não há números oficiais de quantas pessoas são diagnosticadas com autismo.
O transtorno se manifesta de diferentes formas, desde o desenvolvimento de grandes habilidades a comportamentos prejudiciais. “O TEA tem vários níveis. Para dar uma orientação é difícil, pois depende se a criança tem o grau mais leve ou o mais severo e qual a rede de suporte que tem. A dica de ouro é a mãe se informar e, em caso de dúvida, procurar uma pediatra, que primeiro vai identificar alguma alteração no desenvolvimento da criança”, recomenda Danielle Câmara, fonoaudióloga e responsável pelo canal no YouTube Conversando Sobre Autismo – Sugestões de Atividades.
Não existem exames laboratoriais ou de imagem que ajudem a identificar o autismo. Em geral, o médico considera o histórico do paciente, a observação de seu comportamento e os relatos dos pais. Por não ser uma doença, não há cura para o autismo; a criança deve fazer acompanhamento com uma equipe de médicos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, pedagogos, psicólogos, entre outros profissionais. O importante é intervir precocemente, pois quanto mais cedo o tratamento começa, melhores são os resultados. A colorista digital Marina Amaral recentemente recebeu o diagnóstico de autismo. Quando criança, ela viveu muitos momentos de isolamento. “Passei por diversos profissionais que me deram diagnósticos diversos: ansiedade generalizada, síndrome do pânico e depressão”, relembra. A suspeita de autismo surgiu agora, aos 26 anos, ao conversar com Andréa Werner, que é fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, instituto que promove acolhimento a mães e pessoas com deficiência. Ao saber do passado de Marina, Andréa recomendou consultar um especialista. “Ao ter o diagnóstico, entendi a minha vida toda; caiu a venda dos meus olhos. Na infância, tomei muitos medicamentos que só pioravam os sintomas”, conta Marina.
Crianças com autismo precisam de acompanhamento
Referência no território para o tratamento de transtornos psíquicos em crianças, o Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) Visconde de Sabugosa, localizado na Praia de Ramos, tem entre 50% a 60% dos pacientes cadastrados pela unidade com diagnóstico de autismo. Márcia Domingues, gerente do CAPSi, explica que sempre é bom lembrar que as crianças estão em desenvolvimento e que é preciso ter estímulos, como brincar e ter contato com outras crianças. Isso contribui para que o indivíduo lide melhor com o ambiente e com os outros.
Para Andressa Ferreira, coordenadora técnica do CAPSi, existe a necessidade de a criança ser inserida em atividades culturais, de lazer e de aprendizado. “O principal tratamento é dar visibilidade e autonomia a ela. Os outros passos vão depender de cada caso. Não podemos nos concentrar apenas nos sintomas e sim, trabalhar as questões e potencializar a criança”, diz.
Ser mãe de filho autista
Caeta Pontes mora na Vila dos Pinheiros e é mãe de Miguel, de 14 anos. Ela conta que conseguir o diagnóstico não foi fácil. “O laudo é sempre muito difícil, principalmente do Sistema Único de Saúde. Isso faz com que atrase o tratamento e o acompanhamento necessário, comportamental e multidisciplinar”, conta. Para ela, o responsável pela pessoa com autismo deveria ter também acompanhamento psicológico, pois a sobrecarga é grande. “Como mãe, não espero que ele aprenda frações e sim, a se alimentar e comer sozinho ou atravessar uma rua com independência”, diz.
Glaucia Barros, moradora de Marcílio Dias, é mãe de Ruan Barros, de 7 anos. Ela reclama que, se não fosse pelo plano de saúde, o filho não teria grandes avanços. “Levei os laudos e relatórios das terapias ao CAPSi. Uma profissional disse que ele entraria na fila de espera do Sistema de Regulação (Sisreg) com 90 crianças na frente, sendo que a prioridade é para quem não tem atendimento nenhum. Já são três anos de espera”, reclama. A mãe lembra que teve que correr atrás do direito de o filho ter um acompanhamento profissional em sala de aula, indo até à 4ª Coordenadoria de Educação para conseguir uma estagiária.
Janine Diniz é moradora da Vila dos Pinheiros e mãe de Apollo Diniz, também de 7 anos. Ela acredita que a sociedade ainda precisa conhecer o que é o autismo, para assim poder aprender a lidar com quem sofre do transtorno. “Merecem ser tratados com normalidade e respeito, como qualquer pessoa deve ser tratada. Acho que a mídia deveria falar ainda mais sobre isso”, diz ela. Janine sugere um investimento no atendimento psicológico nas favelas e em um sistema educacional de qualidade, que trabalhe a inclusão desde cedo. Osvaldina Barros, moradora de Marcílio Dias, mãe de Rafael de Carvalho, de 8 anos, tem a mesma opinião. Ela lembra que, quando o seu filho recebeu o diagnóstico do autismo, nada foi explicado a ela sobre o transtorno: “O Rafael tinha três anos quando o médico disse que ele era autista, que ‘veio com defeito de fábrica’, mas que era meu filho e não tinha como devolver. Mas não explicou o que era autismo”, relembra.
Márcia Petralanda, moradora de Marcílio Dias e mãe de Luana, de 6 anos, desabafa sua frustração por não conhecer a fundo o que é autismo, pois falta informação: “Acho que minha filha tem o transtorno, mas não tenho certeza, pois nunca consegui um diagnóstico. Seria bom uma palestra nas comunidades sobre o assunto. Muita gente iria participar”.
A luta pelos direitos
O autista tem, legalmente, direitos que muitas famílias desconhecem. Um deles é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Quem tem autismo é considerado pessoa com deficiência (PcD) pela Lei nº 12.764, de dezembro de 2012, que trata dos direitos das pessoas com espectro de autismo – e, por isso, inclusas na Lei nº 10.048, de novembro de 2000, que determina atendimento prioritário a pessoas idosas, gestantes, lactantes, pessoas com crianças de colo, obesos e com deficiência.
Outros direitos são as vagas especiais nos estacionamentos; meia entrada em casas de espetáculo para o autista e seu acompanhante; desconto em parques de diversão e eventos culturais; descontos e isenção de impostos na compra de veículos; acompanhante especializado em sala de aula; meia passagem nos ônibus (direito que pode ser solicitado através do Vale Social), como também ter preferência nos assentos dos transportes públicos.
FIQUE POR DENTRO!
Para informações sobre serviço de isenção para segunda via de documentação e Vale Social, ligue para 2332-6402 ou acesse http://www.valesocial.rj.gov.br/.
Fundação Leão XIII: Unidade Nova Holanda – Rua Sargento Silva Nunes, 1.012. Unidade Praia de Ramos – Rua Gerson Ferreira, 06.
Para tirar dúvidas, ter orientações, suporte e acolhimento, procure atendimento no CASPi Visconde de Sabugosa: Avenida Guanabara, Praia de Ramos, s/n, de segunda a sexta, das 8h às 12h.
Conheça os coletivos da Maré que recebem, ajudam e acolhem crianças autistas e com outras deficiências:
Criando Laços Especiais na Kelson
Instagram: @criandolacosespeciais
WhatsApp: 98265-1519
Especiais da Kelson
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