Adiamento, salvação possível do Carnaval das escolas de samba
Por Aydano André Motta (*) em 01/02/2022 às 7h
Guerras, ditaduras, cataclismas econômicos – por quase nove décadas, não houve hecatombe capaz de impedir o samba de sair em sua capital, o Rio de Janeiro. De 1932 até 2020, o desfile das escolas esculpiu a melhor cara da terra carioca, numa odisseia de força, paixão e arte que só a covid-19 conseguiu quebrar. Anterior aos cortejos na avenida, o Carnaval de rua, em suas várias formas, atravessou os séculos, sendo abafado apenas pelas crises sanitárias – a gripe espanhola da década de 1910 e a pandemia atual.
Tambores de quadras e ruas silenciaram em 2021 e somente a maratona da Sapucaí ocorrerá em 2022, assim mesmo em abril, quando, sonhamos todos, a espiral da variante Ômicron do coronavírus terá minguado. O adiamento tem a ver com a pandemia e uma outra doença – o modelo excessivamente capitalista em que o show dos bambas está assentado.
Montado em patrocinadores, patologicamente dependente da televisão, as escolas de samba apostaram, no século 21, muito mais no tamanho e na riqueza do que na arte despojada do Carnaval. O autointitulado maior espetáculo a céu aberto do planeta (convém checar se na China ou na Índia, com seus bilhões de humanos, não há quermesses mais amplas) viciou-se em dinheiro num caminho sem volta. Vive toureando dívidas, produzindo calotes e seviciando trabalhadores. Frágil, sucumbiu à covid-19.
O adiamento de 60 dias tem potencial para viabilizar o desfile de 2021 e salvar o avião dos sambistas, que encarava pesadas turbulências em pleno voo. A mudança de data – sacrilégio a olho nu – espana o constrangimento de patrocinadores e da TV Globo, temerosos de associar seus nomes e marcas a um desfile que poderia acontecer em meio a centenas de mortos pela covid-19. Com o avanço da Ômicron, ninguém consegue garantir que o cenário melhorará até 27 de fevereiro, o Domingo de Carnaval. Assim, abril virou a solução possível.
Não será, obviamente, a mesma coisa. Muita gente sairá prejudicada pela mudança – a começar pelos espectadores que compraram os inflacionados ingressos vendidos pela Liga Independente das Escolas de Samba e (no caso dos moradores de outros lugares) reservaram hotéis e passagens, mas não poderão estar na Sapucaí na sexta 22 e no sábado 23 de abril. Prejuízo que começa pela frustração e chegará ao bolso.
Pior ainda estão trabalhadores das escolas e prestadores de serviços que se beneficiam da folia, diante da nova ameaça a seus ganhos. Estudos contabilizam em 20 mil os cariocas que trabalham em torno da festa. Inexiste garantia de que o rendimento será o mesmo.
Com um pouco de perspectiva histórica e olhar mais panorâmico, enxerga-se facilmente que os problemas vão muito além do coronavírus. Em 1982, na então Rua Marquês de Sapucaí embrulhada em arquibancadas tubulares, pré-Passarela, o Império Serrano terminou campeão com o enredo “Bumbum, paticumbum prugurundum”, com samba (de Beto Sem Braço e Aluizio Machado) que ofereceu versos proféticos: “Superescolas de samba S.A., super-alegorias/ Escondendo gente bamba, que covardia”. A grandiloquência virou armadilha para o Carnaval.
Um desfile do Grupo Especial que tiver alguma ambição na disputa não sairá por menos de R$ 10 milhões. As receitas fixas – direitos de transmissão, venda de ingressos e subvenção (quando o prefeito simpatiza com o furdunço) – não chegam a tanto. E ainda tem os compromissos a serem honrados, do salário de trabalhadores e artistas ao funcionamento de quadra e barracão, no resto do ano. A conta não fecha.
O profissionalismo pedestre das escolas vive aos tropeços, pelos solavancos da economia e os ventos da política. A pandemia evidenciou a urgência de outro modelo, com mais holofotes nos sambistas e menos pirotecnia à Las Vegas. O encanto está lá, desde sempre. Prescinde do circo importado de manifestações alienígenas.
Por fim, sonho de copo meio cheio: em abril, a covid-19 estará mais amena e o desfile marcará o renascimento. E o mundo poderá cantar os versos do samba da campeã Viradouro numa apoteótica celebração:
Carnaval, te amo
Na vida és tudo pra mim
(*) Aydano foi convidado pelo Maré de Notícias para escrever este artigo. Jornalista, pesquisador de carnaval, é autor dos livros “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. Atualmente é comentarista do SportTV e amigo da Maré.
Duas pessoas foram mortas em operação policial na maré
É a segunda ação policial do ano na Maré; a primeira aconteceu ontem, domingo (30/01), em Marcílio Dias. Além mortes, outras duas pessoas ficaram feridas na operação de hoje que acabou por volta das 17h.
Por Daniele Moura em 31/01/22 às 10h55. Atualizado às 18h27.
Desde às 6h da amanhã, agentes da Polícia Rodoviária Federal e do Comando de Operações Especiais (COE) estão nas favelas Parque União, Parque Maré, Nova Holanda e Rubens Vaz, na Maré. Os policiais estão circulando a pé e também com auxílio de veículos blindados. Por volta das 13h, a operação avançou para o Morro do Timbau, Nova Maré e Baixa do Sapateiro.
Antes das 7h da manhã, um helicóptero sobrevoou o Parque União, Rubens Vaz, e Nova Holanda, com rasantes causando pânico à população.
A Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva ficou fechada durante todo o dia. As demais unidades de saúde da região suspenderam as atividades externas de visita domiciliar, mas mantiveram o atendimento. As escolas também fecharam, assim como o centro de testagem da Maré, onde há testes de covid-19 gratuitos à população, na Rua Teixeira Ribeiro.
Moradores relataram pelas redes sociais invasões de domicílios e arrombamento de veículos no Parque União.
Em uma das situações de invasão de domicílio, policiais, sem autorização judicial, invadiram, uma casa onde estava um adolescente de 17 anos que tomava conta de seus irmãos de 13, 9 e 3 anos, sem a presença de um adulto. A equipe do Maré de Direitos, projeto Redes da Maré do Eixo de Segurança Pública e Acesso à Justiça, está atendendo a família e também recebendo denúncias e violações de direitos pelo WhatsApp: (21) 99924-6462.
Mortes durante a operação
Duas pessoas foram mortas e outras duas ficaram feridas na operação. Um dos assassinatos na aconteceu no Morro do Timbau e não teve perícia. O corpo foi retirado pela própria polícia e a família da vítima não foi informada do destino do corpo.
A outra vítima fatal foi atingida na Praça do 18, Baixa do Sapateiro, e também não houve perícia. Os agentes de segurança pública não prestaram socorro e os próprios moradores tiveram que se mobilizar para retirar o corpo. Além das mortes, um outro jovem foi atingido por arma de fogo no rosto e outro no braço.
Uma moto foi “atropelada” na favela Rubens Vaz por um dos veículos da Polícia Rodoviária Federal.
Segundo a assessoria da polícia, a justificativa da operação policial foi o cumprimento de três mandados de prisão, referente a homicídio e roubo de carga. No entanto, nenhuma pessoa foi presa na ação. A assessoria divulgou ainda, que carros, motos e drogas foram apreendidas.
Também não houve registro da presença de ambulâncias, apesar da Ação Civil Pública da Maré determinar, entre outras coisas, a presença da mesma.
A ADPF das Favelas proíbe operações policiais em tempos pandêmicos. Para acontecer a ação é necessário que seja de caráter excepcional e que o Ministério Público Estadual seja comunicado previamente. O MP informou que foi notificado da ação.
A operação se encerrou por volta das 17hrs.