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Fenômeno natural conhecido como ‘La Niña’ faz mudanças climáticas serem percebidas na Maré

Fenômeno climático ocasiona chuvas e medo de alagamentos na cidade do Rio

Por Hélio Euclides e Gracilene Firmino, em 24/01/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho

“Chuva e sol, casamento de espanhol. Sol e chuva, casamento de viúva”. Estes são provérbios populares muito usados pela criançada. Quando fenômenos meteorológicos ocorrem chamam atenção e trazem alterações no dia a dia das pessoas. E o Rio de Janeiro está vivendo um momento bem inusitado. Desde outubro, quando o Sistema Alerta Rio registrou 26 dias, sem a presença do sol, em pleno verão, alguns ainda não se despediram de um aliado do inverno, o casaco, chove mais do que o previsto para a época. E o sol não veio com a força que é esperada nesta estação. Nos meses de novembro, dezembro e nos primeiros dias de janeiro, os cariocas não abandonaram o amigo guarda-chuva. Essas mudanças climáticas ainda causam numa cidade despreparada, pontos de alagamentos, inundações e deslizamentos de terra.

Marlene Leal, meteorologista do Sexto Distrito de Meteorologia do Rio de Janeiro explica a climatologia das últimas semanas da cidade. “O verão no Rio de janeiro estava com temperatura mínima de 21 a 23 graus, máxima de 32 a 34 graus e o índice pluviométrico de 170 a 225 mm, sendo o maior valor para o Alto da Boa Vista, onde mais chove”, detalha. O fenômeno La Niña traz mudanças no clima. “Ocorre o resfriamento das águas no Pacifico Equatorial, oeste da costa do Peru, o que traz pouca chuva no Sul do Brasil e muita chuva no Nordeste, e é exatamente o que está acontecendo”, conta.

“Nas outras regiões do país tudo acontece de forma mais irregular, depende da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), corredor de umidade que vem da Amazônia em direção ao Atlântico Sul e atinge o litoral da região Sudeste ou Nordeste. As frentes frias que se deslocam juntam-se a esse canal e por isso as chuvas são mais fortes. Elas, as frentes frias, acabam permanecendo estacionárias e aí as chuvas persistem por um período maior, o que aconteceu no sul da Bahia e agora no litoral do Rio, Espírito Santo e São Paulo. As chuvas no Centro-Oeste e Minas Gerais são muito mais fortes porque estão exatamente no ZCAS”, lembra.

A especialista adverte que não se pode esquecer de que a estação já traz de forma comum as chuvas de verão. “Vejo as pessoas querendo sol e calor, lembrando que ao aquecer ocorrem as chuvas mais fortes, com certeza. A falta de chuva e a onda de calor no Sul se devem exatamente pelo fato do fenômeno La Niña que propicia chuvas no litoral da região Sudeste e Nordeste. Os meses de maior chuva são janeiro, fevereiro e março. Vamos agradecer a Deus por não estarem tão fortes aqui no estado”, conclui.

Chuvas e lixo: a combinação nada perfeita

Todos os anos é comum acontecerem as temidas inundações e alagamentos de pontos da cidade. Na Maré, ainda é possível encontrar ruas que sofrem com as chuvas, muitas vezes ocasionadas pela obstrução das galerias pluviais, os bueiros retangulares conhecidos como bocas de lobo. Alessandra da Silva, moradora da Bento Ribeiro Dantas, reclama do alagamento em outra favela da Maré, no entorno da Rua Luís Ferreira, Baixa do Sapateiro. “Todo ano é a mesma coisa. Sofremos ao sair da Paróquia Nossa Senhora dos Navegantes”, diz.

Na Vila dos Pinheiros ocorreu uma reforma da Prefeitura na Via A/1, que acabou com a água acumulada. “Ainda enche, mas escoa rápido. Isso não ocorre na Via B/3 e C/11, que ainda sofrem com as chuvas”, comenta Angela Oliveira, proprietária de um salão de beleza. Para evitar os alagamentos em decorrência do lixo, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) pede a colaboração da população evitando o descarte irregular de lixo, que acaba entupindo as caixas de ralo e bueiros da cidade. A Comlurb recomenda que, em dias de chuva intensa, os moradores aguardem a redução da intensidade para dispor seus sacos de lixo nas ruas, evitando que sejam levados pela força das águas.

A companhia lembra que mantém uma gerência dentro da Maré que atende exclusivamente as 16 favelas. A coleta é realizada de segunda a sábado, em dois turnos, com uma equipe composta por 76 garis, que trabalham com apoio de sete caminhões compactadores e dois veículos mais estreitos que têm mais facilidade para acessar becos e vielas, além de quatro mini tratores. No domingo, o trabalho é em regime de plantão, e os garis realizam a limpeza dos locais com grande concentração de pessoas. A Comlurb reitera o apelo para que os resíduos dos moradores da Maré sejam dispostos de forma ordenada, respeitando as orientações da gerência local, para evitar que fiquem expostos por muito tempo em via pública.

A previsão do tempo para o Rio de Janeiro nos próximos dias é de sol forte e calor intenso, com pancadas de chuva no fim do dia, desta quarta-feira (19) até sábado (22). De domingo (23) até o dia 2 de fevereiro o tempo se mantém firme e sem previsão de chuvas.

Artigo: cidade integrada repete fórmula fracassada das UPPs

Por Rede de Observatórios da Segurança, em 23/01/2022 às 7h.

A ocupação iniciada no último dia 19 na favela do Jacarezinho, que há oito meses serviu de cenário para um banho de sangue promovido pelo estado, repete fórmula fracassada de ocupação militar e não tem um programa social desenhado. Não há articulação setorial e muito menos diálogos com os moradores.

Cláudio Castro tenta usar a memória dos tempos dourados das UPPs, que na época garantiu a reeleição de Sérgio Cabral, para gerar capital político em ano de eleição. O uso da segurança pública para fins eleitorais é uma receita conhecida para o fracasso e para a violação de direitos da população de favelas. O governador quer ainda instalar câmeras de reconhecimento facial nas comunidades que comprovadamente não impactam nos índices de esclarecimentos de crimes, causam equívocos, aumentam o racismo policial e ainda promovem gastos altíssimos de recursos públicos. Os gastos em prevenção da violência tem que ser feitos em programas de alta qualidade de educação, assistência social, cultura, meio ambiente, urbanismo e saúde, sempre em diálogo com as prioridades dos moradores.

Enquanto o governador Cláudio Castro promete uma grande transformação nas favelas cariocas com o lançamento do projeto carro chefe da sua campanha de reeleição, moradores do Jacarezinho denunciam a invasão de casas por parte de agentes de segurança. Há ainda a paralisação dos postos de vacinação e testagem da covid no meio da nova onda da doença com a variante omicron.

O Rio de Janeiro é um lugar que tem um acervo de erros muito grande em segurança pública e nós precisamos reconhece-los e não repeti-los. A Rede de Observatórios da Segurança exige saber do governo do Estado do Rio de Janeiro quais são as diferenças do programa Cidade Integrada em relação às UPPs. No Rio, quando se trata de favelas e polícia parece que a história apenas se repete. Pelas notícias preocupantes divulgadas no dia de hoje, o projeto Cidade Integrada mais se parece com uma jogada eleitoral do que com um programa responsável de segurança.

O Rio de Janeiro no mapa da Intolerância religiosa

Data é comemorada nesta sexta, 21/01

Por Jorge Melo e Giovana Gimenes, em 21/01/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho.

Nesta sexta-feira, 21, é celebrado o Dia do Combate à Intolerância Religiosa, instituído pela Lei Federal nº 11.635, de 2007. Em 2020, o estado do Rio de Janeiro registrou 1.355 crimes que podem estar relacionados com intolerância religiosa, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Uma média de mais de três casos por dia. Os dados de 2021 ainda não foram fechados. A caracterização do crime se dá pela ridicularização pública, impedimento ou perturbação de cerimônias religiosas. No Brasil, a discriminação ou preconceito contra religiões é crime. Mesmo assim, os atos de intolerância são recorrentes.

O 21 de janeiro é uma referência à ialorixá Mãe Gilda, candomblecista que teve sua casa e terreiro depredados após ser acusada de charlatanismo. Ela e o marido sofreram agressões físicas e verbais. Após o ocorrido ela teve um infarto fulminante e morreu, no dia 21 de janeiro de 2000.

Intolerância e medo

Para Carlos Alberto Ivanir dos Santos, babalawô, doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e militante da luta contra a Intolerância Religiosa, “O Estado brasileiro tal como demonstra a História, não tem os seus olhos voltados para ações concretas, medidas efetivas em prol do diálogo interreligioso, da equidade, da tolerância. Nossos templos são cotidianamente destruídos, queimados. E tais crimes são tratados com descaso ou não chegam a ser noticiados ou notificados.”

Os pesquisadores do ISP acreditam que o número de casos de intolerância religiosa no Rio de Janeiro é ainda maior porque há uma considerável subnotificação; muitas agressões acontecem em áreas dominadas por facções criminosas que se dizem evangélicas e onde a população teme denunciar e sofrer retaliações.

Foto: Henrique Esteves/Divulgação.

O Estado é laico?

De acordo com o Datafolha, a população brasileira é composta por cristãos – 50% católicos, 31% evangélicos e 3% espíritas, 10% sem religião e 2% de religiões afro-brasileiras, Umbanda, Candomblé e outras. Ateus e “outros” representam os 4% restantes. A Constituição em vigor, de 1988, assegura o livre exercício de todos os cultos religiosos. Desde 1890, logo depois da Proclamação da República, houve uma separação oficial entre Estado e Igreja, o Estado laico, ou seja, aquele que não tem nenhuma religião oficial, foi confirmado pela Constituição de 1988.

Ivanir dos Santos observa que os ataques e discursos de ódio contra as religiões afro-brasileiras fazem parte da perseguição ao legado africano no Brasil, ou seja, muitas vezes a intolerância religiosa está ligada ao racismo, “Nos cultos afro-brasileiros você pode encontrar uma interface entre a intolerância religiosa com a questão do racismo”.

Segundo o professor, pastor e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Ariovaldo Ramos, “embora o Brasil seja um Estado laico e a maior parcela da população lute por sua defesa, existem, em paralelo, grupos entre os pentecostais e neopentecostais buscando hegemonia religiosa, fortalecendo a intolerância religiosa contra outras religiões e seus fiéis.”

No Rio de Janeiro, os casos de intolerância religiosa podem ser denunciados pelo telefone 190. Desde 2018, a cidade conta com a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI). A unidade funciona na rua no Lavradio, 155, Centro. Mas denúncias de intolerância religiosa podem ser apresentadas em qualquer delegacia. Os registros também podem ser feitos pela Delegacia Online da Secretaria de Estado de Polícia Civil. A DECRADI tem também páginas no Facebook e Instagram.

Diálogo religioso

A mãe de santo Conceição Lissa lidera a Kwê Cejá Gbé, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro. A casa, orientada ao Candomblé, Nação Djeje Mahin, foi fundada em 2001 e tem cerca de 50 integrantes. A partir de 2008 sofreu com a violência. Foram oito atentados, inclusive um incêndio que destruiu completamente o terreiro, em 2014.

A reconstrução foi possível graças às doações da Igreja Luterana de Ipanema, e o empenho da pastora Lusmarina Campos Garcia, na época presidente do Conselho de Igrejas Cristãs do Estado, que doou 12 mil reais para as obras. Um exemplo de respeito, compreensão e solidariedade. Conceição afirma que todas as vezes que a casa sofreu atentados ela fez os reparos necessários e continuou, “Eu digo que resistam não se calem, não se acovardem porque não estamos fazendo nada de errado em professar a nossa fé, a nossa Cultura, louvar nossos ancestrais. Lembrem-se que esses nossos ancestrais sofreram muito mais do que nós para nos deixar ensinamentos, deixar essas manifestações que hoje louvamos. Em respeito a eles precisamos continuar.”

Segundo Conceição os ataques cessaram, a partir de 2014, depois que o terreiro foi incendiado “Ás vezes penso que o criminoso morreu ou está preso.” Conceição lembra ainda que fez diversos boletins de ocorrência, o local foi periciado todas as vezes em que foi atacado mas ninguém foi preso ou responsabilizado pelos crimes.

Lembrar é resistir

Em breve, o município do Rio de Janeiro contará com um conselho municipal para defender a liberdade religiosa e combater os crimes de intolerância. A Lei nº 7.049/2021 foi sancionada pelo prefeito Eduardo Paes (PSD) e publicada no Diário Oficial do Município em 28 de setembro de 2021. O Conselho é formado por representantes do poder público e da sociedade civil sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS).

A comissão foi criada para propor políticas públicas, diretrizes, normas, instrumentos e prioridades para promoção e proteção da liberdade religiosa e combate à intolerância na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo Ivanir dos Santos medidas como essa trazem alguma esperança embora o cenário a curto prazo não seja dos mais favoráveis, “mas eu acredito que é possível, de forma concreta, promover a tolerância, o respeito, a equidade e o diálogo interreligioso no Brasil. A mãe de santo Conceição lembra que, “Nossas tradições são nossa forma de resistência. Nossas casas de Axé são Quilombos. Lembrar é resistir.”

(*) Giovana Gimenes é estudante universitária vinculadas ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Alagamentos na Maré: Nova Holanda ou Nova Veneza?

Viver as consequências das fortes chuvas no Rio é um problema que acompanha os moradores da Maré ao longo dos anos

Por **Bianca Ottoni e Sthefani Maia, em 20/01/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho.

Se uma máquina de teletransporte existisse, alguém poderia jurar que chegou a Veneza, cidade italiana, ao pisar na Nova Holanda, depois de uma chuva forte. Sim, as semelhanças entre as duas regiões existem: ambas foram aterradas e são alagadiças.

Com tantos alagamentos, a impressão que se tem é de que a Nova Holanda está abaixo do nível do mar. Mas, na verdade, não está. O relatório Áreas da cidade passíveis de alagamento pela elevação do nível do mar, lançado pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2008, mostra o contrário. A pesquisadora, arquiteta e urbanista Carolina Galeazzi explica: “‘Mínimas’ áreas se encontram abaixo de 1,5 metro, que são passíveis de alagamento, mas não estão abaixo do nível do mar. Uma dessas áreas está na Nova Holanda. No entanto, a maioria da Maré está acima de 1,5 metro com relação ao nível do mar””

Assim como muitas áreas da Maré, a Nova Holanda foi construída sobre um aterro. “Temos inúmeros registros de antigos moradores e suas casas de palafitas que ainda hoje são uma das principais características históricas do conjunto de favelas da Maré”, conta Lorena Froz, moradora da Nova Holanda e mobilizadora territorial do Eixo Desenvolvimento Territorial, da Redes da Maré. No entanto, hoje, esse fato se transformou em um alerta para os moradores. Como a água dominava a área ocupada pela Maré, existe a possibilidade de, um dia, ela reivindicá-la de volta por conta da falta de escoamento correto durante os temporais tão comuns no Rio. “O fato de ser um aterro pode se relacionar com as enchentes. A Maré se encontra em uma zona costeira de baixa elevação para onde alguns rios, hoje aterrados ou canalizados, corriam”, explica a urbanista.

Ação humana

A interferência humana resultou, em muitos casos, em prejuízos ao meio ambiente  – incluindo alagamentos e inundações. Os efeitos do aquecimento global (aumento da temperatura média na atmosfera e nos oceanos) contribuíram para a ocorrência de chuvas mais fortes e aumentaram as chances de alagamento em pontos críticos do espaço urbano. A poluição é outro fator a se considerar, já que o descarte indevido de lixo pode entupir bueiros, impedindo o escoamento da água da chuva acumulada nas ruas. Outro ponto importante é o desmatamento, pois a vegetação reduz a velocidade com que a água atinge o solo e traz firmeza à terra através do enraizamento, impedindo que ocorram deslizamentos.

A área onde hoje se ergue a Nova Holanda já era alagada naturalmente; agora, com a ocupação, a água da chuva quase não tem por onde ser escoada. “A Nova Holanda é coberta por asfalto, o que deixa o solo completamente impermeável; os rios, que já viraram valões, também não dão mais conta”, diz Lorena Froz.

Essa impermeabilização, junto com a verticalização, as poucas áreas verdes, entre outros aspectos, são as principais causas do fenômeno conhecido como ilhas de calor. Mas, na verdade, elas agravam um problema maior: as variações climáticas. “A Maré, como parte da cidade, tem formações de ilhas de calor. Mas o aumento da intensidade das chuvas no Rio de Janeiro pode estar relacionado às mudanças climáticas, como o aquecimento global”, aponta Carolina. Quanto aos principais problemas relacionados aos alagamentos, Lorena destaca “a pouca quantidade de bueiros nas ruas e a falta de manutenção dos existentes”.


Alagamentos frequentes 

O aumento da população da Maré e o grande número de construções sobrecarregaram o sistema de coleta de esgoto e de chuva, o que pode ter comprometido as tubulações e prejudicado sua estrutura física, diminuindo sua capacidade de dar vazão ao excesso de água. É o que conclui Carolina Galeazzi: “As possíveis obstruções na rede de escoamento da chuva, como ligações da tubulação de esgoto na rede de águas pluviais, lixo acumulado nas bocas coletoras (normalmente, despejado em local não apropriado e arrastado para os bueiros durante os temporais) e seu consequente entupimento são alguns fatores que podem causar os alagamentos em dias de chuva.”

Os períodos de chuva forte na Maré preocupam a população (principalmente pelo histórico de alagamentos no território) principalmente pela falta de implementação de políticas públicas na área, como saneamento básico. Segundo o presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda, Gilmar Junior, as ruas mais afetadas são Bittencourt Sampaio, Sargento Silva Nunes, Principal, Teixeira Ribeiro, Tancredo Neves e Esperança.

Quando se fala nos riscos que os alagamentos representam, é necessário ter consciência de que eles vão além da perda de bens materiais. Isso porque a água parada atrai mosquitos, ratos e baratas, aumentando as chances de transmissão de doenças. Mas, afinal, é possível alertar os moradores antes dos alagamentos? Carolina garante que sim; segundo ela, é preciso “acompanhar as previsões meteorológicas e observar qual é a quantidade de chuva que cai em determinado espaço de tempo”. Tal monitoramento pode antecipar os prejuízos e ajuda a diminuir o risco de infecções dos moradores. Ou seja, “com um bom planejamento de saneamento e esgotamento sanitário, pelo menos metade desses problemas poderia estar resolvido”, conclui Lorena.


Realidade dos moradores

Ideias para solucionar os problemas não faltam. Segundo Lorena Froz, “um sistema de esgotamento sanitário para todos os moradores, programas de revitalização dos espaços do território e monitoramento dos valões de todas as favelas da Maré, um programa de coleta de lixo que converse com a realidade dos moradores, manutenção periódica das caixas de ralo e desobstrução de aquedutos da região – os caminhos são vários e conhecidos”. 

Enquanto isso não ocorre, Carolina sugere que a população se una tanto para exigir do poder público um projeto que amplie as redes coletoras de esgoto e de drenagem na Maré como para conscientizar os moradores a não fazer ligações clandestinas na rede pluvial nem jogar lixo na rua. “É possível, também, aumentar as áreas permeáveis, por onde a chuva possa escoar, ampliando áreas de jardins e hortas ou construindo jardins de chuva, por exemplo, que estocam parte da água antes de ela escoar. Também é possível coletar a água da chuva dos telhados e usá-la para molhar as plantas e a própria rua em dias de calor”, recomenda.

Existe a possibilidade de que, algum dia, essa água alagada não escoe? ”Essa situação deixou de ser uma possibilidade e já é uma realidade iminente”, diz Lorena. E Carolina completa: isso já acontece em alguns lugares, mas pode piorar se o aquecimento global avançar a ponto de aumentar a intensidade das chuvas e o nível da água do mar. O cenário pode ser agravado, também, “se as pessoas não se conscientizarem que precisam cuidar do seu lugar, sem esperar pela ampliação da coleta de esgoto e da drenagem”, reforça a arquiteta.

Como a máquina de teletransporte ainda não existe, quem pisa na Nova Holanda está, de fato, em terras mareenses. Carolina desvenda a grande diferença entre a comunidade da Maré e a cidade de Veneza: “Pode-se dizer que os alagamentos em Veneza são por que a cidade ‘afundou’ alguns centímetros devido à exploração dos poços artesianos como ocorre na cidade do México”. Por fim, um alerta: “em Veneza, o nível do mar aumentou, fazendo com que, em épocas de maré alta, a cidade alague: o que ainda não é a causa dos alagamentos na Maré, mas que pode vir a ser, se o aquecimento continuar”.

(*) Bianca Ottoni e Sthefani Maia são estudantes universitárias vinculadas ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, uma parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Com ‘Cidade Integrada’, Polícia ocupa Jacarezinho e Muzema

Projeto reedita plano das Unidades de Polícias Pacificadoras, as UPP’s, após 14 anos na cidade do Rio

Por Edu Carvalho, em 19/01/2022 às 12h50. Editado por Dani Moura

Na manhã desta quarta-feira (19), as polícias militares e civis começaram um processo de ocupação das favelas do Jacarezinho, na Zona Norte, e Muzema, na Zona Oeste do Rio. A ação faz parte da implementação do projeto ‘Cidade Integrada’, instituído pelo Governo do Rio de Janeiro, sem consultar a sociedade civil. Segundo informações do Voz das Comunidades, cerca de 1.200 policiais, 400 civis e 800 militares fazem parte do processo.

”Damos início a um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio. Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança”, publicou o governador do Rio, Claúdio Castro, nas redes sociais. Castro disse ainda que todos os detalhes do programa serão anunciados no próximo sábado, 22, apenas três dias depois do ínicio do projeto.

O prefeito da cidade do Rio, Eduardo Paes, saudou a ação no Twitter. Mas disse desconhecer que houve reuniões prévias que discutissem o plano. ”Não é verdade que tenha havido qualquer programação ou reuniões prévias com equipes da prefeitura a esse respeito. Aliás, diga-se de passagem, único ente da federação sempre presente com o seu serviços em qualquer canto dessa cidade”.

Nas redes sociais, moradores lamentaram a incursão das polícias sem comunicação oficial. Desde a noite de ontem, terça-feira (18), havia apreensão nas duas favelas. ”Será que esqueceram que há dez anos a UPP “ocupava” o Jacarezinho e resultado disso? A militarização da vida cotidiana, a invasão de casas, o abuso em revistas toda hora, a entrada em casas e uma montanha de recursos que foram gastos de forma equivocada”, questionou o pesquisador da Redes de Observatórios da Segurança Pedro Paulo. Além de pesquisador, Pedro é morador do Jacarezinho.

https://twitter.com/_pedro_paulo__/status/1483770458495406086?s=20
https://twitter.com/biancatpe/status/1483781241195405315?s=20
Bianca Peçanha, Coordenadora Executiva e de Comunicação do NICA Jacarezinho, em sua conta do Twitter.

Segundo o G1, um dos eixos do ‘Cidade Integrada’ será a implementação de câmeras para reconhecimento facial no Jacarezinho. Para Pablo Nunes, pesquisador da Redes de Observatório de Segurança, a ação como um todo causa espanto. ”Estamos surpresos com essa notícia de que serão instaladas câmeras. Perguntamos no ano passado se o Governo iria continuar investindo em reconhecimento facial no moldes do governo Wilson Witzel, e foi dito que não tinham planos. Isso nos chama muita atenção”.

Pablo salienta que não só o Estado, mas o país está fazendo grandes investimentos na área de reconhecimento facial, quando países mundo afora seguem colocando em questão o uso, além de banir o processo. ”Nos surpreende o Rio voltar a essa aventura, uma vez que o projeto de 2019 (quando colocado em prática na orla de Copacabana) não foi excrutinado, não trouxeram dados de impacto que pudessem dizer, com clareza, os avanços da utilização para segurança pública”.

Para o pesquisador, não ficam claras as propostas de uso no contexto da favela. ”No quê as câmeras vão ajudar Jacarezinho e um plano de cidade integrada? Isso não ficou claro, assim como todo o projeto do governo, que tem nome bonito, impacto, mas que não tem substância que o sustente”, questiona.

Em 2021, o Jacarezinho foi cenário da maior chacina registrada no Rio de Janeiro. No episódio, 28 pessoas morreram. E a comunidade da Muzema é uma região sabidamente dominada pela milícia.

Saiba mais:

https://www.vozdascomunidades.com.br/comunidades/upp-em-10-anos-fracasso-ou-progresso/

‘Para adiar o fim do mundo’: é urgente cuidar de recursos como a Baía de Guanabara

O dia 18 de janeiro marca a luta pela recuperação e preservação da baía oceânica intimamente relacionada à ocupação da Maré 

Por Tamyres Matos, em 18/01/2022 às 16h28

Há exatos 22 anos, o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível pela Baía de Guanabara causava uma tragédia ambiental marcante para a história do Rio. Dia 18 de janeiro se tornou o Dia Estadual da Baía de Guanabara. De lá para cá, a baía tem resistido bravamente a desastres ambientais e ao envenenamento diário com o lançamento de esgoto sem tratamento e, ainda assim, é considerada uma das mais bonitas do mundo.

“O vazamento de 2000 repercute até hoje sobre a qualidade ambiental da baía, a vida marinha e, em especial, à vida dos pescadores. Houve um decréscimo de 90% da produção pesqueira com esse vazamento e ampliou-se o desmantelamento cultural e o empobrecimento destas comunidades. Vejo com muita preocupação, por exemplo, a privatização da Cedae, pois a mercantilização da água e do saneamento tende a aumentar o racismo ambiental, a desigualdade hídrica… ou seja, a baía vive mais uma vez essa data sem um plano concreto para sua recuperação”, lamenta Sergio Ricardo de Lima, ecologista fundador do Movimento Baía Viva.

Para o oceanógrafo Breno Henrique de Souza, de 28 anos, morador do Conjunto Bento Ribeiro Dantas, a história da Maré é um pedaço da história da Baía e esse é um dos elementos que reforça a necessidade da busca pela sua recuperação e preservação. “Sem a Baía de Guanabara não conheceríamos a identidade deste território da forma como vemos hoje. A história da Maré é a história dos pescadores que aqui viviam e ainda vivem, é a história dos primeiros moradores, como a Dona Orozina, que ocupou o Morro do Timbau. É a história de luta pelo acesso à água potável, escola, trabalho e dignidade”, diz. 

Carioca ou não, praticamente todo mundo já ouviu alguma coisa sobre as promessas de despoluição da Baía. Desde os anos 1990, o tema virou basicamente uma cláusula pétrea de campanhas eleitorais. Em 1995 – antes mesmo da data instituída por lei que abordamos nesta matéria -, tivemos o lançamento do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que nunca foi concluído. 

“Um dos exemplos de intervenções inacabadas é aquela grande obra do tronco coletor de esgoto ligando Manguinhos e Canal do Cunha. Ele transportaria os resíduos das residências da zona norte, de cerca de 2 milhões de pessoas, para ser tratado na estação de tratamento de esgoto no Caju, a Estação Alegria. E estamos falando de uma obra que foi iniciada em 1995, ou seja, há 27 anos. Essa obra previa, por exemplo, o saneamento básico do conjunto de favelas da Maré”, explica Sergio Ricardo.

O início de tudo: a Maré começou sua história às margens da Baía de Guanabara | Foto: Arquivo Nacional

As promessas não cumpridas no que diz respeito ao saneamento afetam a realidade da Maré todos os dias. O combate à pandemia de covid-19 é um dos fatores relacionados a isso. “O cenário é caótico e lento. Muito antes da covid ser um problema aqui dentro já convivíamos com dengue, febre tifóide, diarreias, verminoses, leptospirose, e tantas outras… mesmo assim, não há avanços nas políticas sanitárias para melhorar a infraestrutura do lugar e reverter essa situação. Estamos em 2022 e não temos rede coletora suficiente para que o esgoto chegue às estações de tratamento. E para onde vão nossos dejetos? Para as águas da baía, sem nenhum tipo de tratamento, promovendo o descontrole ambiental, degradação das águas, perda da biodiversidade e piorando a saúde dos moradores que entram em contato com essa água”, critica Breno Henrique.

Mas então, onde estão os avanços?

É consenso entre os especialistas – há muito tempo – que o saneamento da Baía de Guanabara requer planejamento de longo prazo. De acordo com texto publicado no site da Casa Fluminense, são necessários no mínimo 20 anos de ações ininterruptas, em diferentes frentes de trabalho, que podem amenizar os efeitos da degradação ambiental desse ecossistema. 

Sergio Ricardo explica que, infelizmente, são poucos os avanços práticos na situação de um dos recursos ambientais mais importantes do Rio de Janeiro. “Ainda hoje, a baía recebe cerca de 18 mil litros de esgoto por segundo. A estação de tratamento de esgoto Alegria foi projetada com a capacidade para tratar 5 mil litros de esgoto por segundo, ou seja, se essa estação tivesse sido concluída há 10, 15 anos e estivesse funcionando com sua carga operacional plena, cerca de um terço de todo o esgoto que é lançado diariamente da Baía de Guanabara já poderia estar sendo tratado”, afirma.

Fabio Hochleitner, doutorando em Engenharia Civil com tese sobre a criação de gêmeos digitais – simulação virtual – para a Baía de Guanabara, acredita que o que pode ser considerado avanço está relacionado ao maior envolvimento da sociedade civil e acadêmica no entendimento dos problemas que afetam a baía. “O acidente de 2000 foi um marco no Brasil não somente pela questão ambiental, mas também pelo início das discussões mais intensas sobre causas e consequências das atividades potencialmente poluidoras. Essa discussão teve relação direta na modernização e rigidez da legislação sobre o assunto, bem como melhorias de procedimentos de mitigação de impactos ambientais, socioeconômicos e de saúde em empresas e instituições”, aponta o pesquisador da Coppe/UFRJ.

Sobre o seu trabalho, Fabio explica que os gêmeos digitais estão se tornando presentes em outros segmentos, como as áreas científicas e de pesquisa aplicada, incluindo as ciências do mar, do ar e as socioambientais, com a proposta de fortalecer a interação entre os meios reais e digitais. Desta forma, é mais simples – econômica e estrategicamente – estudar quais as melhores soluções para cuidar da baía e de outros recursos. “Com o desenvolvimento do conceito, é possível imaginar uma réplica digital de importantes fenômenos e processos naturais e sociais, tentando antecipar seu comportamento e permitindo ações preventivas, subsidiando os tomadores de decisão com cenários,simulações e projeções”, diz.

Universidade do Mar

O ecologista à frente do Baía Viva compartilha que uma das novidades dos últimos anos é a Universidade do Mar da Baía de Guanabara. De acordo com Sergio, trata-se de uma proposta que surgiu do movimento em parceria com a Morena, associação de moradores de Paquetá, e o departamento de oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O projeto conta com o apoio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

“Cerca de 70 instituições estão apoiando essa proposta. A ideia é criar um campus avançado da Uerj na Ilha do Brocoió, em frente a Paquetá, e ele será voltada à pesquisa, ensino, projetos de extensão, mas também para apoiar tecnicamente ao próprio Governo do Estado, prefeituras e empresas que tenham interesse em soluções sustentáveis para a Baía de Guanabara. Estamos falando de um ambiente que é considerado um dos mais degradados do planeta, com problemas graves como a poluição industrial, com metais pesados e óleo do parque industrial… são nove mil indústrias no entorno da baía.”

Sergio Ricardo de Lima, ecologista fundador do Movimento Baía Viva.

Ainda para Sergio Ricardo, estudar a Baía é buscar soluções para diversos dilemas socioeconômicos do Rio. Pois quando se fala do recurso é possível discutir: balneabilidade das praias, indústria do turismo, pesca artesanal, navegabilidade e vida marinha. “Na questão da navegabilidade, por exemplo, existem planos de ampliação de estações das barcas para Magé e São Gonçalo. Temos um material no nosso site e estamos em campanha junto com a reitoria da UFRJ pra ter, finalmente, as barcas entre a Praça XV e a Ilha do Fundão. Esse é um dos grandes potenciais da Bahia: estratégias para melhoria da mobilidade urbana do Rio de Janeiro”, argumenta.

Proposta da Universidade do Mar é criar campus avançado da Uerj na Ilha do Brocoió, em frente a Paquetá | Foto: Divulgação

O mareense Breno Henrique, que produziu um documentário sobre a situação da baía em 2020, vê no presente e no futuro a urgência da luta pela valorização ambiental no Rio. “A Baía de Guanabara refresca a Maré, através da brisa marinha que sopra diariamente, principalmente nas comunidades que fazem limite com o corpo d’água. Ainda tem gente aqui na Maré que pratica a pesca e, embora essa não seja a única fonte de renda dessas pessoas, é um importante resgate da história que formou esse território. A baía é um ambiente de lazer, visto que em dias de calor há quem se arrisque pulando em algum canal mais próximo à baía para se refrescar. A Baía de Guanabara e a Maré são mãe e filha, com histórias cruzadas para sempre”, conclui.

Renovação de promessas

Em agosto de 2021, a concessionária Águas do Rio, pertencente ao grupo Aegea, assinou contrato com o governo estadual para cuidar do saneamento público de 26 cidades, do centro, zona norte e sul da capital, por 35 anos. Dentre o que ficou acordado, está a recuperação ambiental da Baía de Guanabara.

Segundo a empresa, o objetivo é interromper completamente o despejo de esgoto in natura nos 143 rios e córregos, além das galerias pluviais, que deságuam na baía. O presidente da Águas do Rio, Alexandre Bianchini, afirmou em entrevista ao site da revista Exame que foram designados 2,7 bilhões de reais apenas para esta missão.

“Vamos fazer a nossa parte, estancando o despejo de esgoto in natura na Baía de Guanabara. Mas queremos trazer toda a sociedade para este movimento de resgate da baía, pois é fundamental o cuidado com o manejo do lixo urbano e o controle do uso do solo, ações de responsabilidade das prefeituras, por exemplo”, afirmou ao site.