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Festival de Outono de Paris homenageia a Maré

Exposição e espetáculo de dança mostram ao mundo 20 anos de parceria entre a Redes da Maré e a coreógrafa Lia Rodrigues

Parceiras há quase duas décadas, a Redes da Maré e a coreógrafa Lia Rodrigues celebraram a colaboração mútua levando um pouco das 16 favelas da Maré para Paris. A companhia de dança, que funciona no Centro de Artes da Maré, estreou seu novo espetáculo Encantado em dois dos principais palcos de dança da capital francesa (o Théâtre National de Chaillot e o centro cultural Centquatre-Paris) com a aclamação de público e crítica.  

Ao mesmo tempo, a exposição Viva Maré – Lia Rodrigues e Redes da Maré apresentou as 16 favelas que compõem os territórios e as ações da Redes da Maré, também no Centquatre-Paris, por meio de uma experiência multissensorial. A mostra também dá destaque aos projetos emblemáticos dos cinco eixos de trabalhos da entidade, incluindo a campanha A Maré diz NÃO ao Coronavírus. “Foi uma experiência singular para o público francês poder entender como a Redes reagiu imediatamente à crise sanitária com ações, ao mesmo tempo em que acontecia a criação de Encantado. Contextualizar isso tudo foi muito importante, porque abriu novos entendimentos sobre o trabalho da Redes e também sobre a obra da Lia Rodrigues”, diz Eliana Sousa Silva, fundadora e diretora da entidade.

A programação foi o ponto alto e final da homenagem prestada pelo tradicional Festival Outono de Paris ao trabalho da coreógrafa brasileira, que, por sua vez, decidiu que a festa deveria incluir amigos e parceiros, com destaque especial para a Redes da Maré. “A Maré é parte importante do meu trabalho, tendo me transformado como pessoa, como artista e como cidadã. Ali encontrei pessoas e projetos que me fazem ter vontade de existir. Tudo que a Redes da Maré faz tem excelência e mostra a potência da favela. Por isso, a importância de divulgar seus projetos e ações para muito além do Rio de Janeiro”, diz Lia Rodrigues. 

Outra parte importante da exposição Viva Maré foi o diálogo com o público francês por meio de oficinas de arte — azulejos, som e móbiles — especialmente ministradas por artistas mareenses. Tendo como tema-disparador a pergunta O que me faz ter vontade de existir?, as oficinas de arte propuseram um encontro artístico e territorial entre os moradores da Maré e o público do Centquatre. 

Numa outra sala, com curadoria de Geisa Lino, foi possível vivenciar um baile da Nova Holanda (foi oferecida uma aula de hip-hop em vídeo com o professor Renato Cruz, da Escola Livre de Dança na Maré) através de uma playlist repleta do melhor funk, especialmente criada pelo DJ Renan Valle, e das imagens captadas pelo fotógrafo Douglas Lopes. Antes de entrar na sala, o visitante, através de texto de apresentação escrito por Pâmela Carvalho, era introduzido na magia dos bailes do território. A exposição Viva Maré teve curadoria da jornalista e pesquisadora Adriana Pavlova e da arquiteta e artista Laura Taves, que também assina projeto de exposição junto com o artista plástico João Rivera. Já o projeto sonoro teve concepção de Rodrigo Maré e Rafael Rocha. 

Encantado é a sétima obra concebida pela companhia de Lia Rodrigues na favela da Maré. O sonho agora é que tanto o espetáculo como a mostra Viva Maré cheguem ao Centro de Artes da Maré este ano.

MN: Que ideia de encantamento disparou a nova obra? 

Lia Rodrigues: Sempre começo uma criação com livros; as leituras me movem. Um deles foi o Torto arado, de Itamar Vieira Júnior, que fala de um “encantado”, e depois, outros livros, como Une ecologie décoloniale [Uma ecologia descolonial] de Malcom Ferdinand, e Vivre avec le trouble [Convivendo com a desordem], de Donna Haraway.  Pensamos em criar seres humanos e não humanos e colocá-los em relação. Colecionamos imagens e fomos trabalhando com elas. Uma é a de um morador de rua embrulhado num cobertor; dela surgiu a ideia de trabalharmos com cobertores e de como eles poderiam ajudar a criar esse território. Começamos com apenas um cobertor e hoje, são 140 em cena.

MN: Dos 11 bailarinos na formação atual da companhia, cinco são moradores da Maré. O que a presença deles trouxe para a dança?

Lia Rodrigues: Cada artista com quem trabalho impacta minha maneira de ver o mundo e de coreografar. Cada um traz um universo de ideias, pensamentos, modos de se mover, de ver o mundo, de estar na vida. É muito enriquecedor e, ao mesmo tempo, complexo estarmos juntos e encontrarmos um caminho comum.

Podcast Ronda Maré de Notícias #27 – 01 a 07/01/2022

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Confira dos destaques do conjunto de favelas da Maré na primeira semana de 2022.

Rio divulga o calendário de vacinação contra a covid-19 para crianças de 5 a 11 anos

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Decisão foi publicada nesta quinta-feira (06) pela Secretaria Municipal de Saúde

Por Redação, em 07/01/2022 às 09h40.

Publicado pela Secretaria Municipal de Saúde nesta quinta-feira (6/1), o calendário de vacinação contra a Covid-19 para crianças enfim foi disponibilizado. A partir de 17 de janeiro até 9 de fevereiro serão imunizados crianças de 5 a 11 anos. Com a medida, mais um grupo passa a fazer parte do esquema vacinal da população.

O imunizante a ser usado será o fabricado pela Pfizer, única autorizada até o momento para essa faixa etária. Veja aqui as datas:

Covid e Gripe avançam perigosamente no Rio de Janeiro

Eventos programados pela cidade são adiados; postos de saúde enfrentam filas para testagem

Por Jorge Melo, em 07/01/2022 às 09h30.

As notícias no início de 2022 não foram animadoras. A cidade vive um aumento significativo de casos de Covid. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no dia 25 dezembro foram registrados 269 infectados e 1.238, em primeiro de janeiro. Um aumento preocupante. Em função desses números, foi cancelado o carnaval de rua. A decisão da prefeitura do Rio de Janeiro contou com o apoio dos representantes dos 450 blocos registrados na cidade. Salvador, Recife e Olinda tomaram a mesma decisão. Será mantido, porém, o desfile das escolas de Samba, no Sambódromo. Segundo o prefeito, Eduardo Paes, lá é possível controlar a entrada de público, sambistas e pessoal de apoio, exigindo o atestado de vacina.

A história se repete

No início da semana foi registrado um novo recorde, com 2,4 milhões de novos casos de Covid-19 em 24 horas. O recorde foi impulsionado pelos Estados Unidos, que pela primeira vez, desde o início da pandemia, registraram mais de um milhão de infectados em apenas um dia. Segundo o Leonardo Bastos, estatístico e pesquisador-associado do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tanto quando nos EUA, a situação também é preocupante na Europa, “Observamos muitos casos e óbitos na Itália e Espanha no início de 2020, e um tempo depois o vírus chegou ao Brasil e se espalhou. Esse aumento de casos na Europa infelizmente vai acontecer aqui; talvez já estejamos no início desse crescimento. A diferença é que não monitoramos bem o número de casos leves e o Ministério da Saúde sofreu um ataque hacker e parou de compartilhar os dados de casos graves.”

A situação no Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro a porcentagem de testes positivos de Covi-19 aumentou na semana passada, de 13% para 41%, nas redes pública e privada. Esse indicador aponta para um aumento no número de infectados no curto e médio prazos. Os postos de saúde do Rio de Janeiro registram também um aumento no número de pessoas que procuram testes e vacina contra a Covid-19. Entre três e cinco de janeiro, 7.140 testes para Covid-19 foram realizados em unidades básicas de saúde. Desse total, 3.350 deram positivo. Leonardo Bastos avalia que “no Rio de Janeiro, apesar dos cuidados, houve aglomerações nas praias, festas e eventos particulares e eventos com público. O que esperar? O próprio prefeito disse que um pico de Ômicron é inevitável.”

Influenza

A Covid-19/Ômicron é apenas um dos problemas que colocaram as autoridades sanitárias em prontidão. Desde novembro a cidade enfrenta uma epidemia da gripe Influenza (N3H2). Segundo Leonardo Bastos, “por já existir uma vacina voltada para grupos de maior risco, há uma falsa impressão de que a gripe é uma doença leve. Ela pode ser, uma pessoa pode se infectar e ter sintomas bem leves. Mas o principal ponto aqui é que essa pessoa deve se isolar ou, pelo menos, usar bem a máscara para não transmitir para outros, pois o vírus pode acabar chegando em alguém em quem a doença possa se agravar.” Ainda segundo Leonardo Bastos, “Se não fosse pela Covid estaríamos falando bastante dessa epidemia, “Para Influenza, possivelmente estamos próximos ou até já passamos do pico aqui no Rio. Mas com a falta de testes é difícil separar o que é influenza e o que é Covid-19”.

Mesmo assim, a campanha de vacinação contra a gripe no Rio de Janeiro foi encerrada no dia três de janeiro. A última remessa, de 400 mil doses do imunizante, enviada pelo Instituto Butatan, de São Paulo, chegou no dia 10 de dezembro. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) anunciou que a campanha será retomada em abril com uma nova versão da vacina.

Na primeira semana de janeiro a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro registrou um caso de dupla infecção, Covid + Influenza, batizado como “fluorona”. No entanto, segundo Leonardo Bastos, as chances de ocorrer dupla infecção, ou seja, uma infecção por dois vírus distintos, são pequenas. A questão a se levar em conta, segundo ele, é, o fato de dois vírus circularem ao mesmo tempo numa região, “Epidemias com dois ou mais vírus não são novidade, por exemplo, já tivemos casos na cidade de Dengue, Zika e Chikungunya em um mesmo período, uma pessoa ter duas ou mais infecções mas é bem mais difícil.”

A campanha de vacinação contra a gripe de 2022 segue o calendário do Ministério da Saúde e está previsto para abril.

Agências bancárias ainda distantes da Maré

Loterias são a solução para transações financeiras na favela

Por Hélio Euclides

Em Bonsucesso existem duas agências bancárias do Bradesco, três do Santander, duas da Caixa Econômica Federal (CEF) e cinco do Itaú, sem contar a localizada na Avenida Brasil. Contudo, na Maré os únicos bancos que existem são os das praças. Para ajudar os moradores, há alguns caixas eletrônicos do Banco 24 Horas;  em setembro, foi inaugurada a segunda agência lotérica.

Segundo dados da pesquisa Economia das Favelas — Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras, realizada pelos institutos Data Favela e Locomotiva para a Comunidade Door, moradores de favelas movimentam R$ 119,8 bilhões por ano, mais que 20 estados do país. Mesmo com tal volume de dinheiro, as agências bancárias não estão presentes nas favelas; se estão, encerram as atividades. Foi o que ocorreu em 2017 na Rocinha, quando as agências da CEF e do Itaú fecharam as portas. No Complexo do Alemão, os moradores ficaram sem o ponto de atendimento do Bradesco, onde funcionavam os caixas eletrônicos.

Na Maré, apenas o Banco 24 Horas disponibiliza máquinas em seis pontos do comércio local. São dois na Praia de Ramos, um na Vila dos Pinheiros, um no Morro do Timbau e dois na Avenida Brasil, na proximidade da Nova Holanda. Até o mês de setembro, apenas a Loteria Alvorada, localizada na Rua Teixeira Ribeiro, aceitava o pagamento de contas, o que causava longas filas. A Sorte da Vila é a segunda lotérica da Maré, localizada na Vila do João. “Ter uma agência lotérica perto de casa é show de bola. É algo que já deveria ter acontecido há muito tempo. A loteria vem suprir a falta de um banco, disponibilizando alguns serviços bancários”, diz Edicarlos Cesar, morador da Vila do João.

O local da loteria fica onde se encontrava um posto policial desativado. Valtemir Messias, conhecido como Índio, presidente da Associação de Moradores da Vila do João, explica que foi realizado um comodato com o governo do Estado. “A pessoa não precisa ir até Bonsucesso para resolver questões financeiras. Estamos lutando desde 2017 para conseguir essa facilidade, em especial para o idoso, que não vai precisar se locomover para fora da sua comunidade. Em breve, teremos também a entrada do Banco 24 horas na Vila do João. São melhorias que revertem em empregos e opções de serviços”, diz. 

Como moradores muitas vezes não têm para onde correr, é comum que filas enormes se formem nas casas lotéricas do conjunto de favelas – Foto: Matheus Affonso

Idosos x tecnologia

O problema é que poucos idosos se aventuram a usar os caixas eletrônicos. Claudete da Silva Barbosa, moradora da Nova Holanda, diz que sua mãe, de 73 anos, é um deles, resistente ao equipamento. “É uma dificuldade para o idoso lidar com a tecnologia como a dos caixas eletrônicos. Minha mãe não tem leitura, o que é uma barreira. O que facilitaria é se ela tivesse conhecimento de números. Eu e minha irmã é que resolvemos essas questões financeiras, como pensão e pagamento de contas. Hoje é muito bom a facilidade dos aplicativos de banco”, diz. 

O relato dela retrata o analfabetismo digital — quando uma pessoa não sabe como funcionam smartphones, computadores e internet. “Minha mãe tinha um celular, mas de três anos para cá percebemos o distanciamento do aparelho. Agora ela só usa o telefone fixo. A tecnologia ajuda muito, mas alguns idosos não sabem lidar. No caixa eletrônico eles pedem ajuda, mas tem pessoas mal-intencionadas, o que traz preocupação”, conta Claudete. Ela pede que os bancos olhem com mais atenção para os idosos: “Na maior parte das vezes eles têm dificuldades em lidar com os computadores. É preciso mais profissionais para esse segmento de clientes. Que eles atendam bem e com paciência. Todos nós vamos ser idosos um dia.”

O artigo O Indivíduo Idoso e o Caixa Eletrônico, dos pesquisadores Milena Viana, Lívia Flávia e André Leonardo, da Universidade Federal do Maranhão, mostrou que os processos bancários incorporaram novas tecnologias, como os caixas eletrônicos, que se traduziram em mais agilidade e rapidez nos processos, mas deixando de fora os usuários idosos. O estudo mostra que 75% dos clientes gostariam que fossem criados caixas eletrônicos especiais para a clientela mais velha, já que a maioria se sente nervosa ao acessar o autoatendimento, pedindo a ajuda de funcionários da agência. 

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4132/20, que obriga as agências bancárias de todo o Brasil a disponibilizar caixas eletrônicos com sistema de identificação de clientes que não seja somente a biometria. O objetivo é facilitar a vida principalmente de correntistas idosos, já que a perda das impressões digitais é uma das consequências do envelhecimento.

No conjunto de favelas da Maré, apenas o Banco 24 Horas disponibiliza máquinas em seis pontos do comércio local – Foto: Matheus Affonso

Bancos avaliam sucesso nas transações virtuais

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que a decisão de abrir ou fechar um posto de atendimento é tomada por cada banco, com base na respectiva estratégia de negócio. De acordo com a última edição da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária, o número de agências em operação no Brasil tem se mantido estável ao longo dos últimos anos. Na comparação entre 2019 e 2020, último dado disponível do levantamento, o número de postos de atendimento variou de 38,2 mil para 38,1 mil.

A Febraban alegou que os bancos estão adequando suas estruturas à nova realidade do mercado, na qual a utilização dos canais digitais de atendimento vem ganhando espaço em detrimento dos canais físicos e presenciais. Em 2020, das 103,5 bilhões de transações dentro do setor bancário, 67% foram realizadas por meio do celular ou da internet, demonstrando o elevado grau de digitalização dos usuários (as agências bancárias foram responsáveis por apenas 3% das transações em 2020)..

Segundo a entidade, praticamente todas as operações bancárias hoje (como pagamento de contas e transferência de valores) podem ser feitas de forma eletrônica.

 O subcoordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Thiago Basilio, disse que são dois os maiores problemas em relação aos bancos: fraudes bancárias e tratamento ao indivíduo. No primeiro caso são vítimas que, na maioria das vezes, foram enganadas por pessoas que se dizem funcionários dos bancos em frente a caixas eletrônicos:  “A pandemia dificultou a entrada das pessoas nas agências, mas o idoso se necessário precisa ter esse acesso. Se desejar utilizar o caixa eletrônico precisa ter a certeza que a pessoa que se disponibiliza a ajudá-lo é mesmo funcionário do banco.”.

Sobre a segunda ocorrência, ele explica que o idoso não deve aceitar empréstimos por meio de caixas eletrônicos, aplicativos e telefone. “A Lei 14.181/21 protege o consumidor, com a indicação de que todo empréstimo necessita de pelo menos dois dias de reflexão. O ideal é que o consumidor tenha a chance de avaliar as propostas de outras instituições financeiras. Quando o idoso faz o empréstimo na boca do caixa, não tem a chance de tirar dúvidas e, principalmente, saber a taxa de juros. Os bancos oferecem facilidades mas, ao mesmo tempo, reduziram os cuidados. Todos precisam ter atenção também com propagandas enganosas, como o oferecimento de empréstimos a negativados”, orienta. Basílio aconselha os que se sintam vítimas a procurarem o Serviço de Proteção ao Consumidor/Procon (http://www.procon.rj.gov.br/) ou a Defensoria Pública (https://defensoria.rj.def.br).

São dois caixas 24 horas na Praia de Ramos, um na Vila dos Pinheiros, um no Morro do Timbau e dois na Avenida Brasil – Foto: Matheus Affonso

Será que eu existo?

Invisibilidade social de brasileiros sem nenhum documento foram tema do Exame Nacional do Ensino Médio 2021

Por Edu Carvalho

         Jéssica Farias, de 31 anos, moradora da Nova Holanda, vive sem existir como cidadã por não ter quaisquer documentos — certidão de nascimento, CPF ou identidade. Ela é apenas uma entre três milhões de brasileiros que vivem na mesma situação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “É muito difícil você fazer as coisas sem documento. Faz muita, muita, muita falta”, lamenta ela, que recentemente conseguiu um emprego. Jéssica cria, sozinha, quatro filhos. 

          No ano passado, quando teve covid-19, ela teve medo de não conseguir ajuda médica por conta da sua invisibilidade como cidadã. ‘’Foi complicado, porque eu não podia fazer o teste direto, precisava me cadastrar antes. Meu vizinho foi quem conseguiu, junto à Redes da Maré, me encaixar. Se fosse pra resolver sozinha, não conseguiria’’, conta. O maior esforço de Jéssica é fazer com que os filhos tenham acesso a direitos básicos, e para isso, documentos são essenciais. “É muito importante ser reconhecido”.

          O vizinho a quem Jéssica se refere estava à distância de uma parede: Matheus Affonso, de 24 anos, vê todo o esforço da amiga para conseguir seus documentos. Ele conta que sua vida teria sido diferente se seu pai não insistisse para que ele tirasse todos os seus documentos o mais rapidamente possível. Fazer o último Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que teve como tema da redação a questão da invisibilidade, foi que ampliou sua reflexão a respeito da importância dos registros que dão acesso aos direitos fundamentais no país. 

          ‘’Tive uma família me apoiando para que eu tivesse documentos em dia’’, conta o jovem, que conhece a fundo muitas histórias sobre vidas sem cidadania por conta da falta de documentos, vividas bem no seio da Maré. Mas há grupos para os quais o foco de Matheus se volta com mais profundidade: mulheres, pessoas negras e LGBTQUIA+, cujas trajetórias são constantemente apagadas e que sofreram mais profundamente os efeitos da pandemia. ‘’Na minha vida adulta, encontrar principalmente amigas travestis e transexuais sem documentos nem suporte familiar, e o quanto essa não existência tem relação com o fato de serem mulheres, mulheres negras, trans e faveladas, me impulsiona a garantir a cidadania destas pessoas.”

        Foi justamente a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus que expôs o abismo entre quem tem e quem não tem o mínimo. Quem soube investigar a analisar o assunto foi a jornalista e professora Fernanda da Escóssia, cuja tese de doutorado deu origem ao livro Invisíveis: uma etnografia sobre brasileiros sem documento (Editora FGV, 2021).. Nele, é traçado o perfil de quem vive fora das vistas do Estado. O livro fala da síndrome do balcão, a peregrinação dessas pessoas de guichê em guichê das repartições públicas, durante anos, sem conseguir atendimento.

        ‘’A pandemia explicitou todas as camadas da desigualdade: a pobreza, o racismo, o machismo estrutural, o acesso mais difícil dos mais pobres às políticas de saúde e educação’’, aponta Fernanda, que também é editora da Revista Piauí. Para ela, o Estado deve ser responsável pela garantia de direitos. 

        O Maré de Notícias já havia se debruçado sobre o tema em setembro de 2021, quando o repórter Hélio Euclides entrevistou o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri sobre o percentual de brasileiros que não têm registro de nascimento: são cerca de 2,27 milhões (1,08% da população). “A falta de certidão de nascimento é apenas o caso mais extremo da ausência de um direito que repercute em outros, como o ingresso na escola, no mercado de trabalho e mesmo na assistência social. É preciso criar políticas que facilitem o acesso à documentação.” 

        Para quem não tem certidão de nascimento ou outros documentos, é possível recorrer à Justiça Itinerante, uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Em um ônibus que circula pela cidade do Rio, cidadãos podem enfim dar entrada no pedido de documentos. O atendimento para quem mora na Maré é feito semanalmente, das 9h às 15h. Se você reside em outra região do Rio, visite o site da Justiça Itinerante (http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/projetosespeciais/justicaitinerante) ou ligue para (21) 3133-3468 ou 0800-285-2000 (Ouvidoria do Tribunal de Justiça). 

Como retirar documentos: 

  • Certidão de Nascimento: a primeira via é gratuita em qualquer cartório de registro civil, mediante a apresentação de identidade, CPF ou certidão de nascimento ou casamento dos responsáveis e a Declaração de Nascido Vivo (fornecida pelo hospital quando a criança nasce). Em Bonsucesso, o cartório (11ª Circunscrição de Civil e Notas) fica na Avenida Guilherme Maxwell, 555.
    Para pessoas sem certidão com mais de 30 dias do dia do nascimento, o documento pode ser obtido em qualquer cartório de registro civil de forma gratuita. É necessário levar 2 testemunhas ao cartório de registro civil e requerer o documento. Recomenda-se ir ao cartório mais próximo do local do nascimento e ter pai e mãe ou parentes próximos como testemunha. No entanto, é previsto em lei que qualquer cartório de registro civil pode emitir a Certidão desde que as testemunhas e o solicitante apresentem a verdade sobre a falta do documento. Cartórios ainda podem negar a expedição do documento por inconsistências que encontrar. Nestas situações, é necessário procurar a Defensoria Pública.
  • Cadastro de Pessoas Físicas (CPF): emitido gratuitamente através do site da Receita Federal; é preciso ter título de eleitor para fazer o pedido.  Informações: [email protected]
  • Carteira de identidade: é necessário agendamento através do site do Detran (https://www.detran.rj.gov.br/_monta_aplicacoes.asp?cod=15&tipo=agendamento_dic) ou via teleatendimento através dos telefones 3460-4040 e 3460-4041. Os postos do  Detran da Maré ficam na rua Principal, s/nº, Baixa do Sapateiro, e na rua Teixeira Ribeiro, 629. 
  • Carteira de Trabalho: emitida pelo aplicativo para celular “carteira de trabalho digital”  ou pelo site https://www.gov.br/pt-br/servicos/obter-a-carteira-de-trabalho.
  • Alistamento Militar: todo jovem no ano que completar 18 anos deverá agendar  o alistamento no site https://alistamento.eb.mil.br/ até seis meses depois do seu aniversário.   A Junta de Serviço Militar (JSM) mais próxima fica na  X Região Administrativa – Rua Uranos, 1230, Ramos, e o atendimento acontece das 10h às 16h. 

Isenção: 

Os Centros Comunitários de Defesa da Cidadania (CCDCs) oferecem isenção de taxas para casamento, 2ª via de certidões de nascimento, casamento, óbito e Registro Geral (RG). O CCDC Maré funciona na Rua Principal, s/n°, Baixa do Sapateiro, das 9h às 17h.

Através da Fundação Leão XIII também é possível conseguir  isenção do pagamento para conseguir a documentação civil. Na Nova Holanda, o atendimento ocorre de segunda a sexta, das 9h às 18h, seja presencialmente, na rua Sargento Silva Nunes, nº 1.012, ou pelo telefone 2334-7801. Na Praia de Ramos, a Fundação Leão XII fica na rua Gerson Ferreira, 06,  e o atendimento pode ser feito também pelo telefone 2334-7802.