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Pandemia ameaça inclusão nas universidades

Restrições escancaram o que impede a formação superior dos jovens das periferias

Maré de Notícias #131 – dezembro de 2021

Por Jorge Melo*

*Contribuíram para a pesquisa desta reportagem os estudantes Bianca Ottoni, Flavio Herculano e Sthefani Maia, vinculados ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)


Em um país desigual como o Brasil, a pandemia acentuou as diferenças sociais e econômicas de forma dramática, e foi na educação que ela se tornou ainda mais visível. Com o fechamento de escolas e universidades, as aulas remotas aumentaram a já significativa disparidade entre o público e o privado. A imposição do ensino à distância fez o abismo educacional aumentar, com as dificuldades de conexão e a redução da renda das famílias mais pobres. Milhões de jovens com acesso precário à internet e sem equipamentos como computadores, tablets e telefones celulares não conseguiram acompanhar os cursos online; muitos abandonaram a escola. Os que perseveraram no ensino médio sentiram que ficou ainda mais difícil chegar ao ensino superior. 

Enem 2021, um passo atrás 

A edição deste ano do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deixou à mostra o resultado sombrio dessa desigualdade. O número de inscrições foi o menor desde 2007: 3.109.762 alunos, um número 34% menor que o do Enem de 2020 (5.687.397 estudantes inscritos). A participação de estudantes negros e oriundos de escolas públicas também caiu.

Em 2020, 63,2% dos estudantes eram pretos, pardos, amarelos ou indígenas. Este ano, eles são 56,4%. O número de candidatos brancos, no entanto, aumentou. Saltou de 34,7% em 2020 para 41,5% em 2021. A conclusão é de um levantamento do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp). 

Ellen Batista, de 17 anos, é moradora da Nova Holanda, está terminando o 3º ano do Ensino Médio e faz pré-vestibular na Redes da Maré. Ela se dedica exclusivamente aos estudos, sendo o Enem 2021 sua primeira experiência com o exame. Segundo Ellen, a questão financeira não foi a principal dificuldade que enfrentou: ela sofreu ao lidar com o emocional, considerando as mudanças na forma de relacionamento social, o distanciamento social e o confinamento. Além disso, a jovem teve que se adaptar à rotina de estudos que a covid-19 impôs. 

“A pandemia, em si, dificultou o processo de todo mundo. Muitos dos meus amigos estavam desgastados por conta do isolamento. Minha prima se inscreveu, mas não se sentiu com condições psicológicas de fazer as provas. No dia, não compareceu.”

Ellen Batista, moradora da Nova Holanda.

A prima de Ellen faz parte dos 26% de inscritos que faltaram ao Enem. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo exame, a abstenção de 2021 está na média histórica, e é bem menor do que a de 2020, quando 51,5% dos inscritos não compareceram, principalmente por medo da contaminação pelo novo coronavírus. De acordo com o Inep, a taxa de faltosos em 2021 foi maior entre aqueles que optaram pela prova digital: 46,1%, contra 25,5% entre os que se inscreveram para fazer a prova impressa.

Aulas remotas ampliaram diferenças

Gabrielle Vidal, de 22 anos, tentou o Enem pela segunda vez e acredita que trabalhar reduz suas chances

Samantha Quadrat é professora associada de História da América Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF). Com longa experiência em sala de aula, ela já lecionou para turmas do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Segundo ela, são visíveis os danos causados pela pandemia de covid-19 na educação dos alunos mais pobres das universidades públicas. “A evasão de modo geral tem sido grande. As turmas estão vazias, alguns falam que precisam trabalhar para ajudar em casa, muita gente com depressão”, conta.  

A moradora da Nova Holanda Gabrielle Vidal, de 22 anos, tentou o Enem pela segunda vez este ano; a primeira foi em 2019, antes da pandemia. Ela acredita que trabalhar para ajudar a pagar as contas em casa reduziu suas chances nas duas oportunidades: “Estudar e trabalhar é muito difícil. Não é todo mundo que consegue.” Gabrielle enfrentou outro problema, muito comum entre alunos de baixa renda: a casa dela não conta com internet. Foi preciso recorrer aos amigos — um processo, segundo ela, desgastante. Quando foi preciso, ela usou o celular para estudar mas, depois de certo tempo, sentia dor de cabeça e irritação nos olhos. 

Adaptação difícil

Há dois anos, Bárbara Lima é professora voluntária de espanhol no projeto Educafro, que tem como objetivo preparar jovens e adultos de baixa renda (em especial negros) para ingressar no Ensino Superior. Ela reforça o depoimento de Samantha: houve uma grande evasão por conta das dificuldades de aprendizado via plataformas digitais ou, em muitos casos, por falta de acesso à internet. Em 2020, o projeto tinha cerca de 80 alunos inscritos e uma fila de espera. Este ano, o número de vagas preenchidas não chegou à metade dos anos anteriores. Espanhol e inglês são as línguas estrangeiras da prova de idiomas do Enem. A turma de Bárbara, que contava com oito estudantes no início do ano, terminou com apenas duas alunas. Como professora, adaptar-se ao novo modelo foi difícil. “A comunicação com os alunos foi afetada. Reconhecer as dificuldades com a transição para o virtual acabou sendo um grande desafio”, conta. 

Número de inscrições para o Enem 2021 foi o menor desde 2007: 3.109.762 alunos, 34% menor que o de 2020 – Foto: Douglas Lopes

Evasão pode aumentar

Milenny Telles é estudante de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estagiária do Descomplica, uma plataforma virtual voltada para a aprendizagem e que acabou sendo apoio para quem pretendia prestar o Enem. Ela lembra que “muitos alunos não tinham uma boa conexão ou computador; às vezes, as aulas online atrasavam por instabilidade na conexão e isso deixava os alunos muito frustrados. Infelizmente, em ano de vestibular qualquer mudança os desalinha, principalmente quando são tão drásticas”, pondera. 

Samantha Quadrat acredita que o distanciamento social e as aulas remotas dificultaram a busca por soluções porque desarticularam as organizações e entidades de professores e alunos.

 “Espero que a gente volte ao presencial porque no remoto é muito difícil pensar saídas coletivas e ações de solidariedade, fazer pressão no governo. Mas meu medo é que tenhamos uma evasão histórica nessa volta à sala de aula. As passagens da região metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, estão muito caras. Tem muita gente desempregada, muitos alunos são de municípios vizinhos. Antes da pandemia, muitos já faltavam porque não tinham dinheiro para o transporte.”

Samantha Quadrat, professora associada de História da América Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Ferramentas de acesso

O Enem surgiu em 1998 com o objetivo de avaliar os estudantes no último ciclo da formação básica. Ao longo dos anos, a prova passou por algumas alterações e, atualmente, é a principal ferramenta para o ingresso de estudantes no ensino superior tanto público quanto privado, mediante programas do Governo Federal como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Financiamento Estudantil (Fies).

Há também consenso entre especialistas e pesquisadores da educação de que a lei 12.711, conhecida como a Lei das Cotas, representou um grande avanço na luta contra a desigualdade, possibilitando uma mudança no perfil dos estudantes das universidades brasileiras através da inclusão de estudantes de escolas públicas e de negros e indígenas nas salas de aula de educação superior. Por isso, a preocupação com os números do Enem 2021 é o que tira o sono de educadores como Samantha.

 A professora, com sua experiência em todos os níveis de ensino, afirma que “o exame nacional permite que o aluno se prepare para aquela prova sem as diferenças de vestibulares do passado, onde cada universidade fazia o seu. É uma data nacional, um estilo de prova, uma única inscrição. Isso foi uma conquista. Mas ainda há muito a ser feito”, afirma. 

(*)Contribuíram para a pesquisa desta reportagem os estudantes Bianca Ottoni, Flavio Herculano e Sthefani Maia, vinculados ao projeto de extensão Laboratório Conexão UFRJ, parceria entre o Maré de Notícias e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Programa de Estágio da Vivo abre 750 vagas e 50% delas são exclusivas para estudantes negros

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As oportunidades são para 17 cidades do país e as inscrições vão até o dia 03 de janeiro

A Vivo está com inscrições abertas para o Programa de Estágio 2022, o maior já realizado pela companhia. Ao todo, são 750 vagas em 17 cidades: Belém (PA), Belo Horizonte (BH), Brasília (DF), Campinas (SP), Caxias (RS), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Londrina (PR), Osasco (SP), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), São Paulo (SP), Uberlândia (MG), Vitória (ES). E, reforçando seu compromisso com a diversidade, 50% das oportunidades são exclusivas para pessoas negras.

Os interessados precisam estar cursando o penúltimo ou último ano de formação, com graduação entre dezembro de 2022 e dezembro de 2023. Características como curiosidade, atitude digital, abertura e fazer acontecer com responsabilidade são essenciais. Para ser ainda mais inclusivo, não será exigido inglês. Também não há limite de idade, nem restrição de curso ou universidade.

Todos os inscritos participarão de uma trilha de desenvolvimento profissional e pessoal. Serão ofertados 20 cursos de temas variados, como habilidades do futuro, matriz de prioridades, Learning Agility, Pitch Pessoal (apresentação direta e curta), entre outros. Os conteúdos serão trabalhados em diferentes formatos, como texto, vídeo, podcast e lives.

Sobre o Programa  

O processo seletivo será 100% digital e contará com teste de fit cultural, vídeo desafio, painéis com dinâmicas e entrevistas individuais. A bolsa auxílio é compatível com o mercado e os selecionados contarão com o VIBE, o programa de benefícios flexíveis da companhia, que possui uma extensa lista de vantagens adaptáveis às necessidades de cada estagiário, como vale refeição e transporte; plano de saúde e odontológico; seguro de vida e Gym Pass para academias. Além disso, a empresa oferece outros diferenciais como programa de idiomas; day off de aniversário; smartphone com plano de voz e dados ilimitados; oferta exclusiva com descontos em linha fixa, banda larga, TV e apps gratuitos; e todos os estagiários também poderão trabalhar remotamente duas vezes por semana.

Os estagiários de São Paulo poderão aproveitar ainda o espaço de bem-estar na sede da Vivo, no edifício Eco Berrini, quase 600 m² dedicados integralmente à saúde, com equipe multidisciplinar de acupunturistas, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, sala para meditação, yoga, incluindo a clínica Albert Einstein. Os atendimentos estarão disponíveis também de forma online, para quem ficar alocado fora da capital paulista, exceto o de acupuntura.

O Programa de Estágio da Vivo terá a duração de 12 a 24 meses, a depender do semestre cursado na faculdade, e os selecionados serão admitidos entre fevereiro e abril de 2022. As inscrições vão até o dia 03 de janeiro e os interessados devem acessar o link https://99jobs.cc/Estágio2022Vivo

Podcast Ronda Maré de Notícias #25 – 03 a 08/12/2021

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No Ar! Fique por dentro do que acontece no maior conjunto de favelas do Rio! 

Acesse o Spotify e ouça os destaques da semana de 03 a 08/12/2021

Polícia Civil do Rio conclui que tiro que matou Kathlen Romeu partiu de um PM

Mesmo após 6 meses da morte da jovem que estava grávida, a investigação ainda não conseguiu determinar quem fez o disparo

Por Matheus Andrade – Voz das Comunidades, em 14/12/2021 às 10h07

Após mais de 6 meses da sua morte, as investigações policiais enfim concluíram que o tiro que matou Kathlen Romeu foi disparado por um Policial Militar. O resultado vem depois de denúncias feitas Ministério Público contra cinco policiais que alteraram a cena do crime.

A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) concluiu, na segunda-feira (13), que um PM foi o autor do tiro que tirou a vida da jovem, de 24 anos, em junho de 2021, no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio. A informação está contida no laudo da reprodução simulada do caso.

Relembre o caso

Kathlen Romeu, mulher negra, trabalhava como decoradora de interiores e também atuava no ramo da moda. Ela foi atingida por um disparo de arma de fogo enquanto pretendia visitar um parente na Vila Cabuçu, na comunidade de Lins de Vasconcelos, no dia 8 de junho deste ano. A jovem estava grávida de 4 meses.

Na época, segundo relato de moradores, o tiroteio aconteceu de forma inesperada e, em poucos instantes, os barulhos de tiros tomaram conta do bairro. A jovem havia se mudado da localidade no fim de abril, por medo da violência na localidade. A PMERJ negou que estivesse realizando uma operação na comunidade e alegou que agentes foram atacados. Entretanto, a família da jovem contestou essa versão, dizendo que não havia confronto na região e que os disparos partiram da polícia.

Protestos e reivindicações de justiça na comunidade de Lins de Vasconcelos, após a morte de Kathlen Romeu.
Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

Manipulação da cena

O Ministério Público do Rio chegou a denunciar, ao todo, cinco policiais por terem alterado a cena do crime. Foram eles: o capitão da PM Jeanderson Corrêa Sodré, o 3° sargento Rafael Chaves de Oliveira e os cabos da PM Rodrigo Correia de Frias, Cláudio da Silva Scanfela e Marcos da Silva Salviano. Nesta mesma denúncia, é apontado que os cabos Rodrigo Correia de Frias e Marcos da Silva Salviano que efetuaram os disparos. Um desses disparos atingiu Kathlen Romeu, matando-a no local.

Cláudio da Silva Scanfela, Marcos da Silva Salviano, Rafael Chaves de Oliveira e Rodrigo Correia de Frias foram denunciados por duas fraudes processuais e por dois crimes de falso testemunho. O policial militar Jeanderson Corrêa Sodré foi denunciado por fraude processual na forma omissiva (omissão de ação por parte do agente).

Policiais durante reconstituição simulada da morte de Kathlen Romeu no Lins
Foto : Fábio Costa/ Agência O Dia

Ainda de de acordo como documento, os policiais militares retiraram o material que estava no local antes da chegada da perícia e ainda acrescentaram 12 cartuchos calibre 9 milímetros deflagrados ( e um carregador de fuzil 556, com 10 munições inteiras. Mais tarde, este mesmo material foi apresentado pelos policiais na 26ª Delegacia de Polícia.

A investigação da Polícia Civil, até o momento, ainda não conseguiu determinar quem fez o disparo. Com isso, o inquérito deve ser encerrado até o início de 2022.

Modelo Fanny mostra todo o charme da mulher plus size na passarela

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Fanny Souza, moradora da Vila dos Pinheiros mostra que o importante é amar a si próprio e seu corpo

Por Hélio Euclides, em 14/12/2021 às 10h. Editado por Edu Carvalho

O mercado de vestuário para tamanhos acima do 46 teve crescimento de 8% em 2018, segundo dados da Associação Brasileira de Plus Size. Stefany Souza, de 23 anos, moradora da Vila dos Pinheiros, percebeu o bom do setor da economia e resolveu se dedicar às passarelas dos concursos de beleza, tornando-se uma modelo plus size. Ela mostra que uma mulher fora dos padrões pode se empoderar e se amar, revelando que há uma extensa diversidade de corpos e possibilidades.

Nas passarelas, ela é conhecida como Fanny Souza. Na vida real, é uma mulher considerada “fora dos padrões” pelo peso, a mareense não se deixou levar pelos comentários e resolveu buscar seu lugar no mundo plus size. “Achava as modelos lindas, porém sempre me escondia um pouco. Comecei a gravar vídeos dançando no aplicativo Tik Tok e fui ganhando alguns seguidores e elogios”, diz. Foi assim que entrou para o mundo dos concursos.

O primeiro concurso foi o Miss Garota Plus Size, no qual ficou em terceiro lugar, ganhando um ensaio fotográfico profissional. A partir do ensaio, se renovou e foi com tudo para as passarelas. Participou do projeto @musaevolucaoplussizerj e depois do evento @bazarfloracruz, na quadra da Império Serrano, recebendo o título de primeiro lugar. “Confesso que sempre dá um frio na barriga, respiro fundo e desfilo como a menina mulher que sou, divertida, brincalhona, sorridente e cheia de caras e bocas. Talvez seja esse carisma que transborda na passarela e encanta os jurados”, comenta.

A modelo que supera o padrão

Os dados da Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, mostraram que a proporção de obesos na população acima de 20 anos mais que dobrou no país entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%. Nesse período, a obesidade feminina subiu de 14,5% para 30,2%, enquanto a obesidade masculina passou de 9,6% para 22,8%. A amostragem da pesquisa envolveu 108 mil domicílios no Brasil. O Índice de Massa Corporal (IMC) é utilizado para saber se uma pessoa se encontra no peso ideal. O cálculo é feito dividindo o peso pela altura ao quadrado. Com o resultado final acima de 25,0 a pessoa se encontra acima do peso.

“Jamais irei romantizar a obesidade. É uma doença sim e temos que nos cuidar. Mas essa barreira que colocam de que uma pode e outra não, pelo tom da pele ou pelo seu biótipo, é desnecessária. Confesso que eu amo comer! Porém sempre tomo um detox, faço aulas on-line de zumba. Minha família tem doenças crônicas e infelizmente eu adquiri pressão alta após meu parto, então tenho receio de adquirir diabetes”, destaca a modelo de 1,83 de altura, com numeração 58 de vestuário, mas que não revela o peso.

Além de modelo, Fanny é massoterapeuta e agora vai se aventurar pelo mundo do samba. Recentemente ela foi eleita a Miss Plus do Bloco Relaxa Que Dói Menos, da Maré. “Acho que essa é a oportunidade na comunidade das mulheres fora do padrão serem representadas e se inspirarem em mim”, expõe. A modelo reclama que no território é difícil encontrar lojas com tamanho extragrande, só indo até uma numeração padrão, deixando as mulheres com numeração acima de 56 sem um look da moda.

Se encontrar fora da numeração que a sociedade define como padrão é uma barreira que precisa ser superada todos os dias. “É um pouco difícil ser uma mulher gorda e estar nesse processo de uma carreira que, para algumas pessoas, só as magras estão aptas a seguir. Por isso, tento não me deixar entristecer com algumas palavras maldosas”, conta. Ela revela que até dentro dos concursos há dificuldades, como concorrer com mulheres do biótipo magro, na numeração 44, algo que a deixa um pouco desconfortável. “Causa um pequeno desconforto, porém, sempre com minha autoestima elevada e amando a experiência, eu me surpreendo comigo mesma a cada desfile”, explica.

Foto: Arquivo pessoal

Para fortalecer sua caminhada, sua mãe sempre a incentiva e vai em todos os desfiles. “Minha maior inspiração é minha mãe, mulher guerreira e de pulso firme. Além de mãe e filha, somos melhores amigas. Ela é minha pitbull”, lembra. Fanny também tem apoio do pai do seu filho, que está sempre presente e ajuda na divulgação das redes sociais. No mundo das famosa, a modelo plus size da Maré se espelha na bailarina Thais Carla, na cantora Jojo Todynho e na influenciadora digital Flora Cruz.

Para 2022, Fanny pretende fazer parcerias, realizar ensaios fotográficos e levar o nome da Maré para outros lugares. Ela fez um workshop de passarela e pretende fazer também um de poses para os ensaios. Para as mulheres da Maré, ela manda um recado. “Estamos nos empoderando e mostrando a diversidade de corpos para que o processo de aceitação seja contínuo. Sejam livres, leves e soltas. Tirem os padrões de beleza do seu corpo e seja sua própria inspiração”, conclui. Para quem deseja conhecer mais Fanny Souza, é só seguir no Instagram: @Fanny_plussize.

Floresta e favela são palavras rivais?

Mareenses lutam contra as mudanças climáticas que também afetam o conjunto de favelas

Por data_labe. Reportagem: Vinicius LopesMaré de Notícias #131 – dezembro de 2021

Na contramão da fala do ministro, percebe-se que as florestas (espaços verdes, no geral) estão presentes majoritariamente nas partes mais nobres das cidades. Basta ver que os bairros mais arborizados do Rio de Janeiro são o Alto da Boa Vista e São Conrado. A Maré, o maior conjunto de favelas da capital fluminense, é um exemplo de como a lógica do ministro não se aplica à realidade: uma das faces da pobreza está justamente ligada à falta de espaços verdes. 

Mudanças Climáticas afetam a Maré?

O debate sobre questões climáticas frequentemente se dá em lugares distantes das favelas e periferias, como a Maré; por isso, passa a falsa impressão de que o assunto pouco afeta a vida dos mareenses. Mas na verdade as pessoas que moram nas favelas e periferias são as primeiras a sofrer os danos causados pelas mudanças climáticas. 

O data_labe instalou medidores de temperatura na sede do laboratório, que fica na Baixa do Sapateiro. Os dispositivos indicam que, enquanto a média de temperatura no Rio de Janeiro durante o inverno (entre junho e setembro) foi de 25°C, na Maré a temperatura chegou a 30°C — é o fenômeno conhecido como “’ilhas de calor”: áreas da cidade onde a temperatura média é mais alta por conta da atividade humana e das condições estruturais. Caso a temperatura global continue aumentando devido às mudanças climáticas, a Maré vai ficar mais quente ainda. 

Um dos principais problemas que o calor intenso provoca está relacionado à saúde. É o que explica a arquiteta e urbanista Carolina Galeazzi que aborda o impacto das mudanças climáticas na Maré em sua tese de doutorado a partir de medidores de temperatura e umidade. 

“O calor em si pode não ser a causa imediata de doenças, mas ele é responsável pela piora delas. Esse é um problema ainda maior para os idosos: por serem mais vulneráveis, seu quadro clínico pode piorar e eles morrerem”,

Carolina Galeazzi , pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Camila Felippe, do Coletivo Resistência Lésbica da Maré, e Brenda Pinto, do Muda Maré, estão entre o grupo de jovens que se articulam por uma Maré mais verde – Foto: Patrick Marinho

Na COP26, todos os países se comprometeram a mudar suas políticas para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima das temperaturas da era pré-industrial (ou seja, aquelas registradas no ano de 1880). Para isso, o ministro Joaquim Leite garantiu que o Brasil vai reduzir pela metade, até 2030, a emissão de gases de efeito estufa, um dos principais responsáveis pelo aumento da temperatura global. Esse compromisso é firmado em um momento decisivo para o Brasil, que tem níveis alarmantes de desmatamento e está entre os dez países que mais emitem gases de efeito estufa. 

Em meio à emergência climática, a urbanista afirma que é importante que sejam tomadas ações para nossa adaptação às condições adversas que começam a surgir:

“Com o aumento da temperatura global, ocorre também a amplificação das ondas de calor; consequentemente, as ilhas de calor na Maré pioram. Daí a necessidade do monitoramento das temperaturas, e também da modificação da forma urbana da Maré: mais espaços verdes, melhor mobilidade e menos poluição são essenciais.”

Carolina Galeazzi , pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Poeira que mata

A poluição também é um dos fatores que afasta da Maré o conforto ambiental e climático. Brenda Pinto, estudante de biologia na UFRJ e representante do coletivo Muda Maré, percebe esses efeitos: “O Complexo da Maré é rodeado pelas três principais vias expressas da cidade, e a gente percebe como o Parque Ecológico da Maré, por ser um dos poucos lugares verdes, é também um dos raros pontos a trazer ar fresco.”

 A sensação de Brenda não é apenas uma impressão particular. A concentração de uma poeira prejudicial ao corpo humano na Maré é cinco vezes maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É o que apontam dados preliminares da tese de doutorado do cientista de dados Paulo Mota, membro do data_labe. 

“Um dos poluentes do ar é o chamado material particulado de 2,5 nanogramas (MP2.5). É uma poeira extremamente fina que atravessa as paredes e passa pelos filtros do nosso sistema respiratório; em excesso, é depositada em nosso organismo. Existem estudos desde a década de 1990 que comprovam que pessoas expostas a mais de 25 nanogramas por metro cúbico desse material têm mais chances de desenvolver doenças respiratórias e cardíacas, como infarto agudo. Isso implica também o aumento da mortalidade entre a população. Na Maré, identificamos uma concentração acima de 50 nanogramas por metro cúbico, quando o recomendado são 10”, explica. 

A maior fonte de MP2.5 é a queima de matéria orgânica e de combustíveis fósseis (como a gasolina e o óleo diesel), como as que ocorrem nos motores dos carros, ônibus e caminhões. Como a Maré está localizada entre vias extremamente movimentadas, eram esperados altos índices de MP2.5. O que preocupa é que, com a redução de chuvas no inverno deste ano e com o ar mais seco, esse material ficou suspenso durante um longo período, o que, no curto prazo, causa alergias e alguns incômodos respiratórios, principalmente para quem mora em lugares com menos infraestrutura. 

Deixando a Maré verde

Dias antes de a COP26 começar, jovens moradores de diferentes partes da Maré se reuniram para pensar em como lidar com os efeitos das mudanças climáticas no território. O evento foi organizado pelo Cocôzap, um braço do data_labe no monitoramento e geração cidadã de dados; pela Maré Verde, uma iniciativa da Redes da Maré; e pelo Muda Maré, um projeto de extensão da UFRJ. O encontro aconteceu no Parque Ecológico do Pinheiro, um dos poucos lugares verdes existentes no Complexo da Maré. 

Na ocasião Camila Felippe, integrante do coletivo Resistência Lésbica na Maré, falou sobre sua motivação para lutar por espaços mais verdes nas favelas: “A favela também interage com o meio ambiente. Revitalizar espaços como o Parque Ecológico da Maré, que é um dos únicos espaços verdes que temos no território, é uma questão social, de afetos e de pensar em um futuro melhor.” 

Entre as estratégias pensadas pelos participantes para melhorar a situação ambiental das favelas estão a revitalização de espaços verdes, o plantio de árvores e a criação de hortas comunitárias.

“Se a gente consegue encontrar um lugar para descartar entulho, esse mesmo lugar poderia ser usado para plantar, criando espaços mais verdes. É função também do Estado fazer isso. E os benefícios seriam inestimáveis.”

Camila Felippe, integrante do coletivo Resistência Lésbica na Maré.
Elaborada de forma conjunta, Carta de Saneamento da Maré contextualiza e propõe políticas socioambientais para a região – Foto: Patrick Marinho

Edição: Fred Di Giacomo
Dados: Polinho Motta
Arte: Juliana Messias