Roda de conversas que abordou o tema, chamada ‘Trocas de Experiências: Masculinidades e Violência Sexual’, foi realizada durante festival em museu no Rio
Por Brenda Magalhães* e Luiz Menezes*, em 06/10/2022 às 17h55
De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e o Fórum de Segurança Pública, só entre 2009 e 2018 foram registradas 31.826 notificações de violações sexuais contra meninos e homens no Brasil. O maior crescimento foi nos casos de estupro: 3.600%. Esse foi um dos temas abordados no Ecoar! – Festival de Ativismo Contra a Violência Sexual, no dia 24 de setembro, no Museu de Arte do Rio (MAR). A roda de conversas que abordou o tema, “Trocas de Experiências: Masculinidades e Violência Sexual”, contou com a participação dos pesquisadores Denis Ferreira, Henrique Restier, Rosemary Peres Miyahara, e George Severs, além da mediação do psicólogo e também pesquisador Marcos Nascimento.
É nesse contexto de violência sexual contra meninos e homens no Brasil, que Denis Ferreira (37) falou no debate sobre a construção da iniciativa “Memórias Masculinas“, a primeira no Brasil voltada a oferecer um espaço de escuta para esse grupo. Para ele, “há uma urgente necessidade em se levantar informações sobre violências sexuais contra meninos e homens, pois estas têm sido sistematicamente negligenciadas”.
A psicóloga Rosemary Miyahara (62) chamou a atenção para a infância. Disse que a criança violada se torna um adulto que pode não reconhecer o abuso ou mesmo resistir a ajuda. Para ela, a violência sexual está diretamente ligada à dominação masculina. “Todos se reúnem para negar que aquilo acontece”.
Rosemary relatou que apesar de vivenciar diariamente a questão da violência sexual com os seus pacientes, ainda se surpreende com o impacto dos relatos. Reforçou que sua motivação é olhar para isso na tentativa de entender o tema e colocar um fim no problema.
Henrique Restier (44) foi buscar no processo de colonização da América e o domínio político, cultural e religioso dos europeus sobre os povos indígenas e africanos as razões pela masculinidade tóxica presente até os dias atuais. “Quando o colonizador penetra o território, ele também penetra o corpo dos que estão nele”, disse o sociólogo. E acrescentou: “O colonialismo tem intrinsecamente a violência sexual”.
Restier fez alusão à pintura “Redenção de Cam”, de 1895, sete anos após a abolição da escravatura. O quadro mostra, da esquerda para direita, uma senhora negra, descalça sobre um chão de terra, que ergue as mãos e os olhos aos céus ao lado de uma mulher, provavelmente sua filha, de tom de pele mais claro, que segura seu bebê, branco, no colo. E um homem branco à sua direita. Segundo Restier, as três personagens representam as três gerações necessárias para fortalecer o embranquecimento da população brasileira. Para o pesquisador, o quadro retrata o processo de mestiçagem como uma herança colonial que também reflete as masculinidades tóxicas no país desde aquela época: “A mulher negra era a responsável por gerar os filhos do homem branco no processo de embranquecimento da população”.
Não é só aqui
O pesquisador britânico, George Severs (28), mostrou que esse cenário de violência e preconceito não se resume ao Brasil. George relatou que antes de 1994, as leis britânicas não consideravam as violências sexuais contra meninos e homens. E que a questão persiste em relação às mulheres trans: “As leis britânicas são transfóbicas. Quando mulheres trans sofriam estupro ou qualquer outro tipo de violência sexual, não eram acolhidas pelas leis vigentes por não serem vistas como mulheres”, afirmou.
Um outro ponto abordado no debate sobre a realidade brasileira foi o desafio de fazer o mapeamento racial da violência sexual. De acordo com Denis Ferreira, apesar de homens negros serem os mais distanciados de atendimento psicológico por problemas econômicos e sociais, infelizmente as pesquisas realizadas até agora não tiveram nenhuma pergunta direcionada a entender especificamente as questões raciais nessas relações tóxicas. “Essa foi uma grande falha”, lamentou..
Para denunciar abusos e violência sexual, procure os seguintes órgãos: Conselho Tutelar, polícias Civil e Militar e o Ministério Público. Outra opção é o Disque 100, o canal de atendimento do Disque Direitos Humanos.
*Comunicadores da primeira turma do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias