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Cada foto, uma história: referências da fotografia popular

No Dia do Fotógrafo (08/01), conheça quem vive dessa arte nas favelas da Maré.

Por Andressa Cabral Botelho e Thaís Cavalcante em 08/01/2021 às 17h

Editado por Edu Carvalho

Quando se pensa em fotografia no Brasil, um dos primeiros nomes que se vem à mente é o de Sebastião Salgado, fotógrafo conhecido nacional e internacionalmente pelo trabalho de décadas, com seu estilo em preto e branco, capturando imagens de indígenas, ribeirinhos e trabalhadores do campo. Entretanto, se tratando de fotografia popular, são outros nomes que surgem em mente: Valda Nogueira, AF Rodrigues, Rodrigues Moura, Léo Lima, entre muitos outros, que têm origem nas favelas e periferias e tem um olhar apurado para enxergar as belezas que normalmente outros fotógrafos não veem. Ou, mais que isso, retratar aquele espaço e aquelas pessoas que ali moram de forma humanizada, diferente do olhar externo que espetaculariza o que é diferente do seu comum.

Pensando nas pessoas que têm como papel registrar em imagens fragmentos da realidade, foi instituído o dia 08 de janeiro como o dia nacional da fotografia ou dia do fotógrafo. Para celebrar essa data, crias do Conjunto de Favelas da Maré falam como é documentar uma realidade tão única e suas experiências com ela.

Ratão Diniz, fotógrafo documental e cria da Nova Holanda, hoje vive no Nordeste e é uma das grandes referências da favela para todo o país. Com o livro “Em Foto” publicado, ele garante que a fotografia não é a ação em si, mas a consequência de relações que ele constrói com as pessoas. “São diversas possibilidades. Escolhi a documental conectada à humanista para contar minhas narrativas e vivenciar diversas experiências. A fotografia, pra mim, representa uma ferramenta e linguagens poderosas para eu discutir o meu lugar, o meu espaço e o lugar dos meus”, conta.

Reitera o seu poder “Tanto para o uso do bem quanto para o uso do mal. Eu fiz a escolha de poder contar a minha versão das histórias e vivenciar experiências. Citando o mestre Ripper, eu uso de uma forma do bem-querer, porque ela dialoga com quem eu fotografo diretamente”. Ele se refere a João Roberto Ripper, fundador do Programa Imagens do Povo junto ao Observatório de Favelas em 2004.

Quem também firmou a vida na fotografia é Paulo Barros, morador da Baixa do Sapateiro e hoje estudante de Pedagogia. Ele atua com fotografia desde 2009, quando participou da Escola de Fotógrafos Populares, na Maré – e lá, além de muitas amizades dentro do meio, aprendeu o ofício da fotografia, que é onde atua. Para Paulo, a fotografia foi fundamental para ele se reconhecer como mareense e uma forma de lutar por políticas públicas: “A fotografia pode servir tanto para fazer registros como ferramenta de denúncia. Ela faz eu me integrar à favela e a tentar fazer algo diferente e melhor para esse espaço”.

Em 2016 ele foi aprovado no vestibular para cursar Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e aliou o estudo ao trabalho, pensando em projetos pedagógicos a partir do ensino e uso da fotografia. “Se a gente quer mostrar uma concepção de mundo diferenciada para as nossas crianças, a gente precisa, na base, ensinar a fazer uma boa leitura da imagem. Se você tem um bom entendimento de que sensação uma imagem pode gerar para você, você consegue entender o mundo, já que a gente consome imagem o tempo inteiro nas mídias sociais”, destacou.

Mas a favela da Maré é apenas o início dos seus cliques de Paulo. Ao longo dos seus 12 anos de fotografia, ele já teve a oportunidade de viajar em turnê com a Banda Confronto, assim como trabalhou fazendo a cobertura do trabalho das bandas Ágona e Canto Cego no Rock In Rio, que se apresentaram no Espaço Favela em 2019. Em paralelo à cena musical, ele já desenvolveu trabalhos com jornalismo, no projeto de comunicação Viva Favela, e com educação, como oficinas de fotografia com os frequentadores do CAPSad Miriam Makeba.

Paulo Barros

A nova geração da fotografia da Maré

Patrick Mendes, fotógrafo documental e morador do Morro do Timbau, uma das favelas da Maré, escolheu a profissão depois de participar da Escola de Cinema Olhares da Maré (ECOM), Imagens do Povo e não parou mais. Com referências como Naldinho Lourenço, Bira Carvalho e o próprio Ratão, registra a realidade e as publica na internet, praticando o seu olhar no dia a dia. “Ainda que a minha família tivesse receio no início, com o tempo vi que dava para viver de fotografia e ainda ajudar meus pais”, comenta. 

Nem sempre foi assim. Ele, que precisava sair nas ruas para fazer seus registros, ficou em casa por meses, devido ao surgimento da pandemia. Chegou a vender uma câmera e lente fotográfica para complementar a renda em casa. “Estava me sentindo muito impotente, então somei com a Frente de Mobilização da Maré e pude documentar durante sete meses sem parar. De manhã e tarde eu distribuía cestas básicas, fotografava e à noite editava as fotos”. 

Para ele, fotografia é mais. “Eu uso a Maré como um quadro em que eu posso pintar. Eu acho muito lindo a arquitetura da favela, a tendinha, os pescadores da vila… eu uso como a minha base e a galera vai se identificar”. Completa, ainda, que é fundamental trocar uma ideia antes da foto e criar uma intimidade com o morador. Assim como fazer impressão da imagem e entregar em mãos, para que a arte volte para quem esteve nela.

Assim como Patrick, inúmeros mareenses compõem essa nova geração de profissionais registrando seu cotidiano, os eventos locais, lideranças comunitárias, a vida e tudo o que atravessa: a dor, alegria, luta e sensações traduzidas em imagens. A formação e oportunidade dessa atuação dentro da favela só é possível porque existe o acesso à ela. Assim como a ECOM e o Imagens do Povo, existiu a Escola Popular de Comunicação Crítica (ESPOCC), a promoção à fotografia analógica Pinhole com o projeto Mão na Lata, assim como temos um acervo de fotos do território no Museu da Maré, fotos no Museu de Imagem Itinerante da Maré (MIIM) e na Galeria 535, localizada no Observatório de Favelas.

Foto: Patrick Mendes

Registros que ficam para a história

Um nome que marcou diversas gerações da fotografia popular certamente é Manoel Rodrigues Moura, popularmente conhecido como Seu Rodrigues, dono de sorriso franco e voz cativante. Nascido em Minas Gerais, chegou ao Rio de Janeiro em 1979 e foi morar na casa de um amigo no Complexo do Alemão. Antes de trabalhar com fotografia, trabalhou com construção civil e foi justamente durante uma obra que ele ouviu no rádio sobre o curso de fotografia que o faria ingressar em sua nova profissão. Começou fotografando festas e batizados até que, em 2001, surgiu a oportunidade de trabalhar no Viva Favela, projeto de comunicação comunitária da ONG Viva Rio. Neste momento, Seu Rodrigues começou a atuar com jornalismo e não parou mais.

Desde então, Seu Rodrigues se tornou referência em fotografia, mas principalmente, os olhos do Alemão, registrando diversos acontecimentos, como a ocupação da polícia militar no Complexo do Alemão em 2010. Curiosamente ele, que fazia registros de imagens, começou a perder a visão ainda na primeira metade dos anos 2000 devido a diabetes, mas isso não o impediu de dar continuidade ao seu trabalho. “A câmera é minha amiga e acaba vendo aquilo que hoje eu não consigo ver, mas ainda sei os comandos e temos essa parceria. Para fotografar, são necessários 4 elementos: o cérebro para pensar, o coração para sentir, os olhos para ver e as mãos para manusear o instrumento de trabalho, eu perdi um, mas continuo com os outros três e por isso ainda faço minhas fotos”, contou em entrevista para o Voz das Comunidades em março de 2020.

Deborah Athila foi uma das pessoas que pôde trabalhar com o fotógrafo durante a sua passagem como repórter pelo Viva Favela, entre 2014 e 2017, e para além da relação profissional, tornaram-se amigos. O primeiro contato veio a partir de uma pauta que fizeram juntos, que se transformou em uma matéria audiovisual. Depois disso, eles criaram um projeto paralelo ao Viva Favela. “Por quase um ano frequentei a casa dele às terças-feiras. De 30 mil fotos de seu acervo, conseguimos selecionar umas 90. Metade fotos do cotidiano e entretenimento pelas ruas da favela, outra metade fotos de família, dentro das casas, com personagens ricos em histórias – como a família mineira sua amiga que ‘povoou’ o Morro dos mineiros, a parteira da favelas fez tantos partos por lá, etc”, lembrou a jornalista. 

A sensibilidade do olhar no Alemão

Ao longo da carreira, participou de exposições como “Por Dentro da Favela”, em 2003; “Rio de Olhos Abertos” e “Eco Favela”, em 2005; e “Moro na Favela”, em 2006. Seu trabalho também foi reconhecido por jornais como O Globo, O Dia e Extra, que já utilizaram as suas fotos em matérias. E assim como muitos fotógrafos da Maré, Seu Rodrigues também passou pela Escola de Fotógrafos Populares da Maré, em 2006.

 Em abril de 2020 veio a notícia da morte repentina de Seu Rodrigues, em meio à pandemia, o que chocou a todos e todas que tiveram a felicidade de conviver e aprender com ele. “Na hora fiquei triste e arrasada, ainda mais porque não pude ir ao seu enterro por causa da covid-19. Mas sempre que lembro dele, abro um sorriso e me sinto grata pelos momentos que tivemos, e por tudo que aprendi com ele”, lembra Deborah. Mesmo com a dor da partida, fica o legado de anos de trabalho dedicados à fotografia e de amizade que tinha por todas as pessoas com quem conviveu.

Conheça alguns fotógrafos da Maré:

AF Rodrigues

Bira Carvalho

Douglas Lopes

Francisco Valdean

Kananda Ferreira

Kamila Camillo

Matheus Affonso

Naldinho Lourenço

Paulo Barros

Patrick Mendes

Ratão Diniz

Rosilene Miliotti


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