Fotógrafo e cronista das ruas da Maré é homenageado com data instituída em seu nome para reconhecer luta cotidiana dos comunicadores comunitários
Por Hélio Euclides, em 26/08/2022 às 7h30
Foi aprovado no início de agosto a lei que institui o Dia Estadual Bira Carvalho, em homenagem à comunicação periférica e favelada. A Lei 6158/2022, de autoria da deputada Renata Souza, inclui o dia 22 de agosto, no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro. A homenagem ao fotógrafo da Maré, que morreu em novembro do ano passado, é o reconhecimento a todos que incansavelmente lutam por uma comunicação comprometida em apresentar outras perspectivas das favelas e periferias, para além da violência.
Flavinha Cândido, moradora da Maré, professora de Língua Portuguesa e assessora parlamentar da deputada Renata Souza, explica que a ideia da lei surge a partir dos ataques que a imprensa, comunitária ou comercial, vem sofrendo em tempos de agravamento da disseminação de notícias falsas, as infames fake news. Ela destaca que a lei que fala da comunicação comunitária atinge os comunicadores de favelas e periferias, tendo uma grande importância. “Em tempo de pandemia, a presença deles foi necessária para que as informações chegassem nas casas da população que mais precisava. Acredito que a parcela da sociedade que é beneficiada por essa forma de comunicação recebe com muita gratidão essa lei”, diz.
A assessora lembra que a deputada Renata Souza é uma comunicadora que começou no jornal O Cidadão, na Maré, muito antes de ingressar na faculdade e por isso toda a sua equipe desejava uma lei que contemplasse e valorizasse essas lideranças por tudo que representam. “Uma especificidade que começa com a Marielle Franco é fazer leis a partir de quem é atingido cotidianamente. Falar com os comunicadores periféricos e favelados foi fundamental para saber da importância do dia, porque traz para o calendário a visibilidade”, conta.
Flavinha completa que a lei é muito importante. “Não só uma homenagem ao querido amigo, mas a valorização do que é a comunicação periférica e favelada”, expõe. Apesar da data ainda ser pouco conhecida, a professora defende que a partir dos próximos anos poderá ter mais visibilidade, valorizando a profissão de comunicador comunitário. “São eles que levam informação com a verdade para quem está ali dentro da favela e periferia, algo que com a proximidade das redes sociais estamos perdendo muito, por meio das fake news”, diz.
Michele Silva, jornalista e coordenadora do jornal Fala Roça, da Rocinha, comemora a instituição da data. “Muito bacana ter esse dia para poder exaltar tantos comunicadores e comunicadoras que fazem um trabalho tão importante em seus territórios. A gente tem tanto trabalho e tão pouca estrutura que esquece de celebrar o quão grande é nosso papel na sociedade”, conta. “Pode ser um passo para nos ajudar em um dos principais gargalos que é a sustentabilidade e captação de recursos. Reconhecer nosso dia pode ser prosseguido de outras medidas para beneficiar nossa profissão”, finaliza.
Confira justificativa da lei que foi aprovada no dia 12 de agosto
A inclusão desta data no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro tem o objetivo de homenagear os comunicadores e comunicadoras populares que fazem de sua prática uma forma de dar visibilidade a assuntos pertinentes às suas comunidades.
Não menos importante, a data escolhida, 22 de agosto, é uma singela homenagem ao fotógrafo mareense Ubirajara Carvalho, também conhecido como “Bira Carvalho”, que faleceu no dia 29 de novembro de 2021. A vivência de Bira Carvalho, ressalta-se, foi forjada no subúrbio do Rio e na favela¹
Bira era cadeirante e aos 29 anos fez seu primeiro curso de fotografia em uma instituição no Morro do Timbau. Em 2004, fez parte da primeira turma da escola de fotógrafos populares, tendo atuado em seguida como coordenador do projeto Imagens do Povo, fruto de uma parceria do Observatório de Favelas com a Unicef, tendo sido coordenador do projeto de 2017 a 2020.
Em 2007, o fotógrafo e outros 27 profissionais formados na primeira turma da Escola de Fotógrafos Populares (EFP), na Maré, foram escolhidos na categoria Revista O Globo para a quinta edição do Prêmio Faz Diferença. Na noite da premiação, Bira Carvalho, fez questão de homenagear os colegas e moradores das favelas do Rio:
“As pessoas que merecem esse prêmio não estão aqui. São as que ficaram lá onde moro, no interior do Brasil ou em algum lugar no Rio, as que contribuem para o crescimento do nosso país. Eles fazem diferença. Eu só tenho o prazer de registrá-los”.
Em 2019, teve sua história contada no curta “Descolonize o olhar” produzido por coletivos de jovens comunicadores do Complexo do Alemão. Seu trabalho possuía um olhar peculiar, que mostrava a beleza e complexidade que a favela inspira e sua lente captou em toda sua maestria as especificidades e beleza da vida favelada.
Bira Carvalho, viveu seus últimos dias na favela da Nova Holanda, na Maré, e quem andava pelas ruas da favela costumava ver o artista em sua cadeira de rodas em esquina papeando e registrando com sua câmera momentos peculiares dos moradores. Assim, era figura conhecida nas tardes cotidianas da favela.
Em sua rotina diária, capturou trabalhadores na labuta, crianças se divertindo, ou até mesmo emaranhados de fios misturados com linhas de pipa em poste. Onde seu olhar fitava, via beleza. Como “cronista” da fotografia compartilhou suas experiências e inspirou tantos outros fotógrafos nas favelas do mundo afora.
Portanto, este projeto de lei legitima-se com o propósito de comemorar esta contribuição imensurável trazida por Ubirajara Carvalho no dia do seu aniversário, 22 de agosto, reverenciando assim sua trajetória considerável atuação na defesa da comunicação popular. Assim como Bira, muitos outros comunicadores que exaltam a beleza e o lado humano nas favelas, com sua percepção e delicadeza precisam ser homenageados e terem seus trabalhos reconhecidos no âmbito estadual.