Apesar do status, ainda é necessário lutar por direitos e prestação de serviços de qualidade
Por Hélio Euclides, em 19/01/2021 às 10h30
Editado por Edu Carvalho
Era 19 de janeiro de 1994. Parece que foi ontem a data de aprovação do Projeto de Lei nº 2119, que reconhecia, em termos legais, o Conjunto de Favela da Maré como um bairro carioca.
Das lembranças daquela época, estão na memória o aterro das palafitas, no qual jogava futebol onde hoje é a Nova Maré, na areia. Antes do decreto, a maior parte dos moradores da Maré dizia que morava em Bonsucesso. E depois também. O orgulho de morar neste local não se deu por meio de um decreto. Deu-se a partir da consciência da luta dos moradores para construir, muitas vezes sem a ajuda do poder público, o seu presente e futuro, em meio às adversidades, que não foram poucas. Aliás, as melhorias não vieram com o decreto, elas sempre vieram por meio da luta diária dos moradores. Contudo teve sua relevância, por ser mais um instrumento de luta do território.
Na área da saúde, por exemplo, o Centro Municipal de Saúde Américo Veloso era o primeiro passeio de um nenê. Todas as vacinas eram tomadas lá (era o único posto médico). Tinha um senhor que cantava: “Compra biscoito para o filho não chorar”. Assim, enquanto esperávamos atendimento, comíamos biscoito de polvilho. Ainda tinha a caminhada pela areia da praia. Não foi à toa que, depois do decreto, uma das primeiras lutas implementadas foi na área da saúde: o Conselho Distrital de Saúde, formado por moradores, conseguiu em conjunto com as instituições, a implantação de um posto de saúde em cada CIEP.
A criação da Região Administrativa também foi importante, para ter um local de reclamação e acesso a serviços, pelo menos no início, quando funcionava num prédio moderno. Com o trabalho em comunicação comunitária, sempre lutei pelo reconhecimento da Maré como favela em sua história e bairro em seus direitos, mas não foi e não é fácil.
O grande desafio é assumir a identidade local para brigar por políticas públicas exclusivas para a Maré. Essas ações podem mudar a relação que o morador tem com o local onde mora.. Podemos dizer o trecho da canção Alagados, do Paralamas do Sucesso: “A esperança não vem do mar, nem das antenas de TV”. Ou ainda, lembrar do Bhega: Não importa se você mora no morro, na rua, debaixo da ponte, ou no bairro da Maré. Somos todos cidadãos, irmãos, brasileiros, filhos da Maré”.
Segundo o Censo Maré, pesquisa feita por um grupo ligado à Associação Redes da Maré, mostrou que o conjunto de favelas da localidade cresceu quatro vezes mais do que o resto do estado nos últimos dez anos. Só para ter noção: se fosse uma cidade, ficaria em 24º lugar entre as 92 que compõem o Estado do Rio de Janeiro, na frente de municípios como Araruama, por exemplo.
São mais de 140 mil pessoas as que vivem espalhadas e distribuídas nas 16 comunidades que fazem parte do Conjunto, formando este que é um dos maiores centros populacionais do Brasil.
Atualmente, o bairro tem mais de 46 escolas municipais e quatro estaduais, quatro clínicas da família, uma unidade de pronto-atendimento, três centros de saúde, um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, duas unidades da Fundação Leão XIII, um Centro Comunitário de Defesa da Cidadania, duas unidades do Detran, um posto da Cedae, uma agência da Comlurb, dois postos policiais e uma Região Administrativa. Parece muito, mas não é. Apesar do volume de equipamentos públicos, os serviços não funcionam como deveriam.
Problemas que precisam de soluções
Mesmo após 27 anos como bairro, há regiões que não tem nenhum tipo de assistência pública. Um desses serviços é a entrega de cartas e encomendas, feita pelos Correios. Segundo o órgão, as favelas Nova Maré, Salsa e Merengue, Marcilio Dias, Roquete Pinto e parte do Parque União não atendem às condições para serviço de distribuição domiciliar, por não terem CEP específico para cada rua. Como alternativa de entrega, os Correios estabeleceram parceria com as associações de moradores.
Serviços disponíveis na Maré:
Banco Digital Maré
Funciona das 9h às 16h
Rua Gerson Ferreira, 29 – Ramos
Rua Quatorze, 222 – Vila do João
Atendimento Jurídico
Na Associação de Moradores do Rubens Vaz, nas terças, das 14h às 17h; nas quartas, das 9h às 12h; e nas quintas, das 14h às 17h.
Rua João Araújo, 117
Detran Maré
Habilitação e identificação civil, de segunda a sexta, das 8h às 17h.
Rua Principal, s/nº – Baixa do Sapateiro.
Rua Teixeira Ribeiro, 629, Lojas 04 e 05 – Parque Maré
30ª Região Administrativa
Atendimento de RioCard, agendamento de título de eleitor, identidade e carteira de trabalho, acesso à internet para vaga nas escolas e intermediação de serviços com órgãos municipais.
Rua Principal, s/nº – Baixa do Sapateiro
Centro de Referência de Mulheres da Maré – Carminha Rosa
Atendimento e acompanhamento psicológico, social e jurídico às mulheres em situação de violência de gênero.
Rua 17 – Vila do João
O povo fala:
“Precisamos de projetos de esportes, um cuidado com o lixo e escolas de ginásio e Ensino Médio. Não podemos esquecer de que um local grande como esse não tem carteiro”. Marcos Paulo, morador de Marcílio Dias
“Necessitamos de tudo, mas principalmente de escola, creche, asfalto e o fim dos alagamentos”. Roseane dos Santos, moradora de Marcílio Dias
“O papel da associação é correr atrás de melhorias. Mas hoje, esbarramos em órgãos municipais e estaduais deficitários, sem suporte e ausência de material humano”. Valtemir Messias, Índio, presidente da Associação de Moradores da Vila do João
“Hoje, os grandes problemas da Maré são esgoto e lixo. Também acho que é preciso retornar o posto da Light”. Alexandre da Rocha, presidente da Associação da Nova Maré
Você sabia?
*O bairro Maré foi criado pelo Projeto de Lei nº 2119, 19 de janeiro de 1994.
*Se a Maré fosse uma cidade, ocuparia o 24º lugar maior, entre os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro.