Um bairro chamado Maré

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Apesar do status, ainda é necessário lutar por direitos e prestação de serviços de qualidade

Hélio Euclides

De acordo como o estabelecido pelo Projeto de Lei nº 2119, a Maré é um bairro carioca desde 19 de janeiro de 1994. Com uma população de 139.073 habitantes, segundo o Censo Maré 2013, se fosse uma cidade ficaria em 24º lugar entre as 92 que compõem o Estado do Rio de Janeiro, na frente de municípios como Araruama, por exemplo. Atualmente, o bairro tem mais de 40 escolas, quatro clínicas da família, uma unidade de pronto-atendimento, três centros de saúde, um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil, duas unidades da Fundação Leão XIII, um Centro Comunitário de Defesa da Cidadania, duas unidades do Detran, um posto da Cedae, uma agência da Comlurb, dois postos policiais e uma Região Administrativa. Parece muito, mas não é. Apesar do volume de equipamentos públicos, os serviços não funcionam como deveriam.

Um exemplo é a Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva. Inaugurada há mais de um ano na Nova Holanda, até hoje funciona de forma improvisada, por meio de gerador. Outro fato que mostra descaso é o desentupimento dos esgotos do bairro, serviço a cargo da Cedae Maré, que ainda é feito com o uso de canos de PVC. No Maré de Notícias, Edição 35, de novembro de 2012, a Cedae prometeu a compra de um conjunto de varas de aço para a melhor desobstrução por via manual, que não chegou até hoje. 

Para Helena Edir, moradora da Nova Holanda e diretora da Redes da Maré, o local melhorou após muitas conquistas dos moradores, mas não se pode cruzar os braços. “Lutamos muito para a Maré ter a Comlurb. Hoje, tem coleta diária nas ruas principais, mas também muito lixo espalhado. Penso que, apesar do avanço, ainda falta muito, como ter uma agência bancária”, diz.

A distância dos serviços públicos

Marcílio Dias é a favela mais distante, mas igualmente ao restante da Maré, foi surpreendida pelo Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Este ano, a localidade recebeu 817 carnês, que não vieram acompanhados de melhorias. Já na Praia de Ramos e Roquete Pinto a pauta das conversas é a educação. “Falta creche para bebês. Já recusei diversas vezes trabalho, por não ter com quem deixá-la. O Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Armando de Salles Oliveira só atende crianças a partir dos três anos, e em meio expediente”, questiona Aline Maria, moradora da Praia de Ramos.

No dia 17 de junho, às 18h, o Maré de Notícias visitou a Loteria Alvorada, que fica na Rua Teixeira Ribeiro, e constatou 55 pessoas na fila. “Ficamos passando mal, na fila. Por que em Bonsucesso são cinco loterias e aqui apenas uma”? – reclama Eliane Nascimento, moradora do Parque Maré.

A construção vem do coletivo

A Redes da Maré, com o projeto Maré de Direitos, analisou as demandas sociojurídicas atendidas ao longo de dois anos e percebeu que, mesmo com encaminhamentos, os moradores têm dificuldades. “Realizamos reuniões com a Ouvidoria da Defensoria Pública e relatamos a viabilidade de implantação de um núcleo da Defensoria Pública no território da Maré. Isso deve acontecer no início de novembro, para deixar a Justiça mais próxima do morador, comemora Patrícia Ramalho, assistente social e coordenadora do Maré de Direitos.

Eblin Farage, professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares, diz que para reverter o quadro de dificuldades é necessária mobilização. “Não adianta ficar esperando o poder público fazer por si, se não for cobrado e pressionado a fazer. Tudo é uma conquista e, por isso, deve ser coletiva. Meu sonho é que a Maré seja um território com direitos e acesso a políticas públicas de qualidade, educação, saúde, cultura, emprego, assistência social e lazer”, diz.

Problemas que precisam de soluções

Apesar da insistência por parte do Maré de Notícias, os órgãos públicos deram respostas vagas ao serem questionados sobre os serviços precarizados que disponibilizam para os mareenses. Um desses serviços é o de entrega de cartas e encomendas, feita pelos Correios, que argumentam que as comunidades Nova Maré, Salsa e Merengue, Marcilio Dias, Roquete Pinto e parte do Parque União não atendem às condições para serviço de distribuição domiciliar, por não terem CEP específico para cada rua. Como alternativa de entrega, os Correios estabeleceram parceria com as associações de moradores. Sobre a questão de agências, os Correios disseram apenas que não há previsão de abertura na Maré.

A Gerência de Engenharia e Arquitetura da Secretaria Municipal de Saúde informou que o prédio da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva pertence ao governo do Estado, que discute com representantes do Estado a melhor forma de individualizar o fornecimento de água e luz para a unidade. Gilmar Junior, presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda nega a informação. Ele disse que o prédio foi municipalizado e aguarda aval da Prefeitura para o fornecimento de energia. Uma das reclamações de moradores é a falta de remédios nas farmácias da Prefeitura. A Coordenação de Atenção Primária da Área de Planejamento3.1 declarou que não há falta generalizada de medicamentos nas farmácias das quatro clínicas da família e dos três centros municipais da Maré.

A diretoria de comunicação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que a escolha dos locais onde agências e postos de atendimento serão abertos é feita pelos bancos individualmente, de acordo com a análise de demanda e estratégia comercial de cada instituição.

A Comlurbinformou que atende diariamente os moradores com coleta de lixo e remove o lixo dos contêineres metálicos. A Companhia apela para que os moradores respeitem o horário de coleta e coloquem os resíduos domiciliares dentro dos contêineres. Para solucionar os problemas, a empresa declarou estar em contato com as associações de moradores.

Heitor Pereira, administrador regional da 30ª Região Administrativa, entende que falta diálogo. “Marcílio Dias tem um problema sério, de responsabilidade de gestão. A competência é da RA da Penha, que não faz. Eu quero ajudar, mas não consigo, por causa desse impasse. Sobre o lixo, estamos dando um apoio à Comlurb, que tem poucos funcionários e maquinários. Já o saneamento, há necessidade de troca de manilhas, que em alguns casos já tem 30 anos. Na parte de atendimento, estamos negociando a instalação dos postos avançados do Ministério do Trabalho (para emissão da Carteira do Trabalho) e da Light”, revela. 

A Secretaria Municipal de Educação, Cedae e Superintendência da AP 3.1 não responderam aos nossos questionamentos. 

Serviços disponíveis na Maré:

Banco Digital Maré

Funciona das 9h às 16h

Rua Sargento Silva Nunes, 1.012 – Nova Holanda

Rua Gerson Ferreira, 29 – Ramos

Rua Quatorze, 222 – Vila do João

Associação de Moradores do Rubens Vaz

Atendimento jurídico nas terças, das 14h às 17h; nas quartas, das 9h às 12h; e nas quintas, das 14h às 17h.

Rua João Araújo, 117

Maré de Direitos

Atendimento gratuito com assistente social e advogado às sextas-feiras, das 9h às 13h.

Rua Sargento Silva Nunes, 1.012 – Nova Holanda

Casa das Mulheres da Maré

Atendimento gratuito, como parte do projeto Maré de Direitos Mulher, aos sábados, das 9h às 13h, com advogada, assistente social e psicóloga.

Rua da Paz, 42 – Parque União

Detran Maré

Habilitação e identificação civil, de segunda a sexta, das 8h às 17h.

Rua Principal, s/nº – Baixa do Sapateiro.

Rua Teixeira Ribeiro, 629, Lojas 04 e 05 – Parque Maré

30ª Região Administrativa

Atendimento de RioCard, agendamento de título de eleitor, identidade e carteira de trabalho, acesso à internet para vaga nas escolas e intermediação de serviços com órgãos municipais.

Rua Principal, s/nº – Baixa do Sapateiro

Centro de Referência de Mulheres da Maré – Carminha Rosa

Atendimento e acompanhamento psicológico, social e jurídico às mulheres em situação de violência de gênero.

Rua 17 – Vila do João

O povo fala:

“Precisamos de projetos de esportes, um cuidado com o lixo e escolas de ginásio e Ensino Médio. Não podemos esquecer de que um local grande como esse não tem carteiro”. Marcos Paulo, morador de Marcílio Dias

“Necessitamos de tudo, mas principalmente de escola, creche, asfalto e o fim dos alagamentos”. Roseane dos Santos, moradora de Marcílio Dias

“O papel da associação é correr atrás de melhorias. Mas hoje, esbarramos em órgãos municipais e estaduais deficitários, sem suporte e ausência de material humano”.  Valtemir Messias, Índio, presidente da Associação de Moradores da Vila do João

 “Hoje, os grandes problemas da Maré são esgoto e lixo. Também acho que é preciso retornar o posto da Light”.  Alexandre da Rocha, presidente da Associação da Nova Maré

Você sabia?

*O bairro Maré foi criado pelo Projeto de Lei nº 2119, 19 de janeiro de 1994.

*Segundo o Censo Maré, o bairro tem uma população de 139.073 habitantes.

*Se a Maré fosse uma cidade, ocuparia o 24º lugar maior, entre os 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro.

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