Clayton Guimarães desenvolveu método para formar profissionais dentro e fora do país
Por Tamyres Matos, em 18/06/2022 ás 07h.
Personalidade determinada, objetividade no discurso e brilho nos olhos de quem ainda quer muito mais. O barbeiro Clayton Guimarães iniciou sua trajetória na laje da mãe, na Rua Guanabara, no Parque União, com apenas 14 anos e se tornou símbolo do empreendedorismo que nasce das soluções criativas a partir da luta pela sobrevivência. No fim do mês de maio, o mareense viajou para Dubai, nos Emirados Árabes, para receber o prêmio Tesouras de Ouro 2022 (Golden Scissors Award).
Com diversas premiações nacionais, o empreendedor – que completa 40 anos amanhã (19) – vive o auge da carreira devido ao reconhecimento internacional. “Dá para dizer que essa é a maior conquista da minha vida, realmente não imaginava. Comecei a cortar cabelo em cima de uma laje dentro da favela e olha onde eu cheguei”, comenta, com um sorriso no rosto.
Ilma da Silva Guimarães, de 70 anos, relembra a caminhada do filho com aquele clássico orgulho de mãe no tom de voz. Com três filhos, ela mora na Maré há 60 anos, reforça que nada veio fácil, mas não consegue conter os elogios ao filho do meio. “Clayton sempre teve um jeito diferente dos irmãos. Ele era muito calado, muito quieto, mas sempre demonstrou ser muito talentoso em qualquer coisa que se envolvesse. Ele sempre quis trabalhar e ganhar um dinheirinho para ajudar em casa”, diz.
Seguindo a tradição de representar a força das famílias chefiadas por mulheres, Ilma criou seus filhos em meio a muitas dificuldades. “Foi um desafio muito grande, uma guerra muito grande criar meus filhos dentro dessa comunidade. Eles tinham tudo pra dar errado, mas deram muito certo. Éramos considerados a família mais problemática da rua. Família da briga, da confusão, não tínhamos estrutura, não tínhamos dinheiro, a gente não tinha nada. Mas tivemos um Deus maravilhoso que nos deu essa essa vitória”, celebra.
De barbeiro adolescente a professor
Sucesso é uma palavra que Clayton conhece desde muito cedo. O interesse do mareense pelas técnicas para cortar cabelo foi motivado pela própria vaidade. Na infância, a responsável pelos cortes era dona Ilma que, segundo ela mesma: “deixava caminhos de rato na cabeça dele, que era zoado pelos colegas e ficava indignado”. O barbeiro da Maré conta que, sem internet à época, buscava referências nas novelas, no visual dos jogadores de futebol e nas revistas de celebridades.
“Eram tempos muito diferentes, então o que eu fazia era olhar os cortes das grandes personalidades e tentar reproduzir. Como era difícil ter alguém investindo tanta energia nesse tipo de trabalho, rapidamente comecei a ganhar clientela e pude começar a investir em melhorias para o espaço. Aos 18 anos, eu já era considerado uma das maiores referências de corte de cabelo da Maré. Recebia clientes de Ramos, Olaria, Bonsucesso. Muitos atravessavam a Avenida Brasil para cortar o cabelo comigo”, conta.
Mas o menino sempre pensou grande. Junto com os cortes, ele começou a empreender através da venda de roupas, perfumes, bonés. Juntou a sede por inovação com a vontade de comer. Sua mãe se ilumina ao abordar o início do sucesso dele. “Lembro que quando chegava Natal e Ano Novo se formava uma fila de meninos para cortar o cabelo com ele. Muita gente que vinha de longe, inclusive. E ele foi se aprimorando. Sem ter um salão, sem ter nada, ele foi crescendo”, recorda.
Mas Clayton se apresenta como um inquieto autodidata que está sempre pronto para se reinventar. Mesmo vivendo um sucesso crescente na sua área de atuação, resolveu que iria mudar de rumo em 2012: decidiu fazer faculdade de pedagogia. O empreendedor acredita que esse contato com os conhecimentos dentro do ambiente acadêmico serviu, não para a mudança de carreira que pensou num primeiro momento, mas para expandir seus horizontes de uma maneira definitiva.
“Até aquele momento, eu havia passado toda a minha vida dentro da comunidade, para mim àquela altura a comunidade era o mundo. Na faculdade, vi inúmeras possibilidades. Nasceu ali a ideia de empreender com o formato de barbearia mais inovador, buscando um movimento diferente no mercado. Afinal de contas, eu queria mudar de vida, queria vencer na favela. E em 2015 abri minha primeira unidade da Cool Barber Shop, na Rua Ari Leão, no Parque União”, afirma.
Quando concluiu sua formação no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj) em 2016, ele vivia o maior crescimento do seu negócio. Seu estilo envolvia toda uma equipe bem treinada para o atendimento e vestida num estilo retrô dentro de uma loja preparada para atender aos anseios dos clientes no que diz respeito à indústria de beleza masculina.
“Por muito tempo eu relutei para entender o que exatamente tinha me levado a fazer pedagogia, como meu destino tinha me levado a isso. Mas eu tive um estalo sobre como eu iria aplicar a pedagogia dentro da barbearia e comecei a ser procurado para realizar cursos, mentorias e workshops. Aí entendi tudo, quando passei a viver esse momento onde tanta gente queria que eu compartilhasse o que estava dando certo”, aponta.
Desde então, Clayton se tornou parceiro do Facebook e passou a palestrar sobre sua história de empreendedor da favela, vendeu seu método para o Brasil inteiro e viajou por diversos estados para apresentar seu trabalho. Segundo ele, passou a ser conhecido como o “pedagogo do corte”. Chegou a abrir mais duas unidades da Cool Barber Shop: na Vila Pinheiro, ainda em 2016, e na Tijuca, em 2017.
“Esse foi o momento em que precisei recuar e vi que ainda tinha muito a aprender. Eu levei meu negócio para o ‘asfalto’ e as coisas estavam fluindo bem, mas cresci demais e percebi que faltava conhecimento em gestão. Tive que recuar, fechar a unidade da Tijuca, voltar pra comunidade e focar no aprendizado de gestão”, diz.
Em 2018, ele abriu uma nova loja em Bonsucesso, mas, em 2020, as restrições impostas pela pandemia paralisaram o crescimento dos espaços físicos e fizeram com que ele se voltasse à educação. Passou a oferecer cursos presenciais e online para formar profissionais de dentro e de fora do país – sendo estes últimos brasileiros residentes no exterior -.
De dentro para fora, de fora para dentro
Um empreendedor periférico tem muito a aprender, mas também tem muito a ensinar. As lições que ficam do empreendedorismo vinculado inicialmente à necessidade são uma das mostras da potência da coletividade periférica. “Quero que o meu legado seja a transformação de vidas. Por ter me tornado uma referência, tive a oportunidade de mudar a vida de muitas pessoas. Por exemplo, teve muita gente sem rumo que consegui ajudar a afastar das drogas ao inserir na área da beleza. Esse senso de comunidade muito forte na Maré, essa questão do relacionamento, ajuda que a gente cresça e leve os outros junto”, analisa.
Mas Clayton faz questão de lembrar que também é primordial expandir os horizontes. “Existe um mundo gigantesco fora da comunidade. Para conquistar a projeção que tenho hoje, precisei me arriscar. Realmente cresci quando passei a não me contentar com as fronteiras da comunidade. A favela pode ser o ambiente perfeito para começar, mas acredito que é essencial mostrar que temos nosso valor também para o ‘asfalto’. Minha maior alegria é ser inspiração para o favelado”, comemora.
Casado e pai de duas filhas, Clayton conseguiu comprar um apartamento no Cachambi, mas ainda tem a convivência e os relacionamentos dentro da Maré. Além dos negócios, ele frequenta uma igreja no bairro e sua mãe ainda vive no Parque União. “Meu maior objetivo sempre foi oferecer para as minhas filhas uma qualidade de vida que não tive. Meu pai vivia desempregado, minha mãe se ‘virava nos 30’ com faxinas e trabalhos de manicure. Ela se desdobrava para conseguir renda e sua garra me inspirou a vencer os desafios. Corri muito atrás de uma forma digna para conseguir renda para ajudar minha família”, reforça.
Um empreendedor de favela é, acima de tudo, um trabalhador. A história de Clayton reflete potência, inteligência e dignidade. Com 26 anos de carreira, ainda é possível marcar um corte em um dos salões do barbeiro na Maré com preços acessíveis – que, claro, foram valorizados ao longo do tempo -. Da Maré a Dubai, Clayton afirma ter um desejo que conduz sua trajetória: “Levar a minha essência e carregar os meus para a vitória”.