Operações policiais por causa da demolição de prédios no Parque União afetam a rotina de moradores de todas as favelas da Maré
“Encarecidamente [peço] como mãe, deixem as escolas voltarem para as crianças terem o que comer […] Querem fazer o trabalho de vocês, beleza. Mas não interrompam as escolas não.” Já dizia o sociólogo e ativista Betinho, “quem tem fome, tem pressa”.
É nesse contexto que trazemos o relato de Janete, moradora da Nova Holanda, na Maré. Apesar das operações que acontecem no território, Janete faz um apelo para as escolas voltarem a funcionar porque é onde seus filhos e netos têm ao menos uma refeição do dia garantida. O apelo da moradora, mostra que os impactos da operação, que segue neste sábado (31), no seu 13º dia consecutivo, vai além da falta de assistência às famílias atingidas ou ao debate sobre direito à moradia, mas também é sobre a fome.
Embora Janete não esteja entre as pessoas atingidas pelas demolições realizadas pela Secretaria de Ordem Pública (SEOP), ela e sua família vivem o impacto dos serviços que são interrompidos nesse período. A fome é o que faz com que Janete coloque a segurança de sua família em segundo plano ao pedir o retorno das escolas mesmo durante as operações.
Segundo o estudo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua a Insegurança Alimentar (IA) se classifica em três níveis: leve, moderada e grave. Sendo este último marcado por residências em que as crianças, quando presentes, passam por privação severa no consumo de alimentos. A IA leve ocorre quando há preocupação com o acesso futuro aos alimentos e a qualidade da alimentação já está comprometida. Já a IA moderada é identificada quando, no período de referência, os adultos da família passam a enfrentar restrições na quantidade de alimentos disponíveis. Ainda de acordo com a pesquisa, a fome esteve presente em 3,2 milhões de residências brasileiras no ano passado.
Dois extremos
“Nossos filhos não tem peito de aço pra ir pra escola com essa operação”, esse é o relato de outra moradora evidenciando os dois extremos de vivências no território. Alguns se preocupam — justamente — com a segurança. Outros, além dessa preocupação, enfrentam a insegurança alimentar. E há aqueles que, além de temerem pela segurança e pela alimentação, também sofrem com o déficit habitacional, agravado pelas demolições promovidas pela SEOP.
Enquanto o Conjunto de Favelas da Maré vive seu 13º dia consecutivo de operação no território, neste sábado (31), as escolas públicas e privadas, os serviços de saúde e o cotidiano dos moradores seguem afetados durante os chamados dias úteis e dias letivos nos casos dos estudantes. Desde o início das operações, as escolas Ciep 326 César Pernetta e o Colégio Estadual Professor João Borges de Moraes que juntas atendem 1.424 alunos seguem fechadas, além das escolas municipais e as Clínicas da Família (CF) que seguem ao longo de toda a semana com funcionamento parcial ou total afetado.
Tânia Maria da Silva, 56 anos, paciente da CF Jeremias Moraes da Silva, na Nova Holanda, relata sua dificuldade de manter o acompanhamento médico.
“Já marquei três vezes consulta para tratamento de hipertensão e não consegui em função das operações policiais esse ano. Quando voltar ao atendimento vou remarcar e deve ser lá para outubro. Essas operações atrapalham a nossa vida, os prejudicados são os moradores”.
Operação deste sábado (13)
Segundo relatos, há um número expressivo de agentes das especializadas da Polícia Civil como Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA), Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), Batalhão de Operações Especiais (BOPE), entre outros circulando pelas ruas da Maré. Além disso, vídeos mostram policiais forçando a porta de estabelecimentos comerciais.
Pedimos informações para a polícia sobre a operação de hoje, inclusive questionando sobre essas ações em estabelecimentos comerciais. Também questionamos a SEOP sobre o andamento das demolições e a Secretaria Municipal de Saúde sobre o funcionamento das clínicas da família. No entanto, até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta.
O Maré de Direitos, projeto do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça, da Redes da Maré, acolhe situações de violações de direitos no WhatsApp (21) 99924-6462 e também nos equipamentos da organização.