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Descolonizar o pensamento: lições de Nego Bispo e o futuro da Maré

“A terra dá, a terra quer”, de Nego Bispo, é um convite a repensarmos o modo em que vivemos e nos reproduzimos socialmente | Foto: Patrick Marinho

Após primeira etapa com obra de Nego Bispo, clube de leitura da Casa Preta da Maré, inicia no dia 11 o próximo ciclo com “Pele Negra, Máscaras Brancas”, de Frantz Fanon

A terra, as matas, os rios. Tudo isso foi usurpado, dominado e destruído no incansável processo de colonização capitalista. “A terra dá, a terra quer”, de Nego Bispo, é um convite a repensarmos o modo em que vivemos e nos reproduzimos socialmente. Fomos acostumados, e também condicionados, a acreditar que só existe uma maneira de Ser e Estar no mundo, na mesma medida em que outros modos de viver são criminalizados.

O mundo branco, eurocêntrico, genocida por natureza — e muito conhecido enquanto burguesia — nos vende essa história: a de que seremos felizes, satisfeitos e saudáveis se vivermos segundo sua cosmovisão, e roubam completamente toda possibilidade de desenvolvimento de outras identidades coletivas e comunitárias. Nesse sentido, a obra de Nego Bispo se apresenta de forma revolucionária, ao levantar um contraponto à lógica de dominação, exclusão e de epistemicídio, que é fabricada pela política neoliberal. Só o fato de instigar seu leitor a refletir sobre uma alternativa contra-hegemônica de experimentação da realidade, para além das opressões cotidianas, Antonio Nego Bispo realiza um puro ato de rebeldia.

O Clube de Leitura da Casa Preta da Maré, leu o livro “A terra dar, a terra quer”, de Antonio Nego Bispo. Todos os participantes receberam um kit com exemplar do livro onde a metodologia foi de realizar uma leitura coletiva, em voz alta, alternada e com pausas para debaterem os temas abordados, que eram provocados ao longo do capítulo lido no dia. 

Esse processo, potencializou o debate e aos poucos foi despertando nos participantes a reconhecerem em suas vivências as experiências de coletividade quilombola — as que o Nego Bispo apresenta em contradição ao capital como centralidade das relações humanas, e da mutação da nossa vida em mercadoria. A proposta do clube de leitura da Casa Preta foi mais além: junto à leitura, pensamos o presente, o futuro e o passado do conjunto de favelas da Maré e sobre como as realidades mudam sem ao menos nos darmos conta das influências, dos direcionamentos e do porquê de certas práticas se transformarem com o passar da história.

As reflexões, histórias e ensinamentos do livro tocam e evocam uma memória da favela muito específica, e nos fez repensar nossa própria forma de estar em coletivo aqui dentro da Maré. 

Não é de hoje que observamos uma tentativa de fragmentar ainda mais o território e de abraçarmos uma história individualista e meritocrática de sucesso artificial nos territórios, mas Nego Bispo, nesse livro, nos oferece a arma para combatermos essa lógica traiçoeira. Nossa saída será o coletivo e nossas bombas podem ser a terra, ao reconhecermos todo o poder que temos um no outro, veremos a revolução acontecer no tempo certo.

As abordagens filosóficas do autor são descritas de forma a inquietar o leitor para uma reflexão fluída, orgânica e crítica. E, a partir dessa narrativa persuasiva, Bispo nos chama atenção para cuidarmos da terra e valorizarmos os ensinamentos aprendidos no Quilombo,  convocando-nos a nos posicionarmos de forma crítica contra o colonialismo. Ele nos sugere que devemos colocar sob questionamento algumas palavras-chaves que vão de encontro a esse sistema capitalista, despertando, assim, a práxis reflexiva e a possibilidade de repensar determinados conceitos que contribuíram para esse processo de colonização também do pensamento. Bispo também aborda o fator ancestralidade, quando pondera a relevância de re-definirmos o conceito de tempo, tratando-o de uma forma não-linear, no que diz respeito à continuidade generacional de seus antepassados. 

Contudo, ainda há sobreviventes; isolados ou cooptados, próximos ou distantes. O que está em jogo é o resgate e a defesa do pouco que restou e o empreendimento só será possível quando contra-colonizamos nossos modos de vida; diluirmos a dominação e tivermos pertencimento total sob o que foi arrebatado de nós: a Terra e a dignidade de ser plural, e biodiverso. O autor nos ensina bem sobre isso. Início. Meio. Início.
Com objetivo de continuar aprofundar obras literárias de escritores negros brasileiros e estrangeiros, o Clube de Leitura da Casa Preta da Maré inicia no próximo dia 11 de outubro um novo ciclo com a leitura do livro “Pele Negra, Máscaras Brancas” de Frantz Fanon. As reuniões acontecem presencialmente, agora serão todas as sextas-feiras, no mesmo horário, das 14h às 16h, e assim como foi com a obra do Nego Bispo, todos os participantes receberão um exemplar desse importante livro para acompanhar a leitura e contribuir nas reflexões. 

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