No mês da luta contra a IST’s, desconstrua preconceitos. Desinformação mata.
Desde 1988, o 1º de dezembro é celebrado como o Dia Mundial de Luta Contra a Aids. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) foram as responsáveis pelo decreto internacional. A fita vermelha foi o símbolo escolhido para demonstrar apoio à importância da data. No Brasil, a Lei Nº 13.504 de 2017, que institui a campanha nacional de prevenção ao HIV/AIDS e outras infecções sexualmente transmissíveis, só reforçou sua relevância em território nacional.
Desde então, durante o ‘Dezembro Vermelho’ (como também é conhecido) são promovidas campanhas para a conscientização sobre os direitos das pessoas que vivem com Aids, HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis, além da divulgação sobre a importância da prevenção e do tratamento.
Em 2022, o Ministério da Saúde divulgou que mais de um milhão de brasileiros viviam com HIV. Dessa estimativa, 900 mil pessoas foram diagnosticadas. Só naquele ano foram registrados 43.403 novos casos de HIV. Outro alerta foi que a maior concentração de casos de Aids está entre a população jovem (de 25 a 39 anos), sendo 52% do gênero masculino e 48% do feminino.
“Existe tratamento, existe vida”
Um dia, Vitor Ramos, influenciador digital e paulista de Mogi Guaçu, estava entre as milhares de pessoas que viviam com HIV, mas ainda não sabia disso. Por conta do diagnóstico tardio, ele perdeu a visão do olho direito, parte da audição e tem sequelas no movimento da perna esquerda até hoje. Atualmente segue sua vida como qualquer outra pessoa, continua seu tratamento e está indetectável (não transmite o vírus sexualmente).
“Vejo que ainda existe uma barreira muito grande para saber como disseminar o assunto. O HIV nunca deixou de ser um tabu, assim como falar sobre sexo. Quando colocamos uma carga “negativa” em cima de um tema, as pessoas naturalmente se afastarão dele. Quando falo “sexo” me refiro a saúde sexual, que é um ponto fundamental para que a informação sobre testagem, tratamento e prevenção seja amplamente usado. Quando vemos a temática HIV (que não seja ponto focal) sendo um adendo em alguma história em cinema ou novelas, quase sempre é sobre alguém que padeceu devido a AIDS, sendo que existe tratamento, existe vida. Mas por colocarem a saúde sexual em uma prateleira inalcançável, quando se fala sobre HIV é de uma forma muito rasa”, explica.
Em pleno século XXI, conversar sobre sexualidade não deveria ser um tabu. A falta de acesso à informação e o silenciamento acerca de temas relacionados à prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e ao tratamento mata pessoas e, consequentemente, suas famílias, todos os dias. Nessa matéria respondemos as principais dúvidas sobre Aids e HIV:
Aids e HIV são a mesma coisa?
Não. A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é a doença causada pela infecção do ‘Vírus da Imunodeficiência Humana’ (HIV é a sigla em inglês). O HIV é um retrovírus, classificado como uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST). O Ministério da Saúde afirma que nem todos os diagnósticos evoluem para a Aids, somente casos em que não há tratamento antirretroviral (medicamentos prescritos para tratar infecções por retrovírus, que é o caso do vírus do HIV).
Posso pegar Aids ficando próximo de uma pessoa com a doença?
Uma das grandes justificativas para esse medo vem da ideia de que qualquer contato interpessoal é capaz de transmiti-lo, até mesmo através do beijo e do abraço. Entretanto, essa é uma informação totalmente equivocada. Saliva, lágrima, suor e outros fluidos corporais não são capazes de transportar o vírus. Somente por meio de sexo (também oral) sem preservativo, compartilhamento de agulhas e transfusão de sangue é que a transmissão acontece. Em casos de mães que não fazem acompanhamento médico a infecção também pode ocorrer através do aleitamento materno e da placenta.
Como me prevenir?
- A partir do uso de preservativos e lubrificantes (distribuídos gratuitamente pelo SUS) para sexo anal, vaginal e oral;
- Tratamento medicamentoso: PrEp e PEP;
- Não compartilhar agulhas e seringas;
- Não compartilhar objetos que entraram em contato com sêmen, fluidos vaginais e leite materno.
O que é PrEP e PEP?
São as siglas para Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e Profilaxia Pós-Exposição (PEP), medicamentos que são capazes de prevenir a infecção por HIV (outras IST’s não estão inclusas). A diferença entre os dois está no próprio nome, a PrEP é direcionada para o momento antes do contato com o vírus e a PEP indicada para, de preferência, até 2h após a exposição. As duas medicações não substituem o uso de preservativos e também são oferecidas gratuitamente pelo SUS. Qualquer pessoa pode solicitar.
Quais são os sintomas do HIV?
A senhora do doce que mora ao lado, o parceiro de academia, a colega de escola da filha. Todas essas pessoas podem viver com HIV. Mas o estigma direcionado à comunidade LGBTIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, intersexuais, assexuais e mais), que por anos foi considerada a única atingida pelo vírus, ainda persiste. Independentemente da sua orientação sexual, seu gênero e se tem uma vida sexual ativa ou não, faça o teste regularmente em caso de sexo sem preservativo (ou até mesmo se aconteceu o rompimento da proteção durante o ato).
Nos primeiros estágios de infecção os sintomas costumam ser genéricos, como dor de cabeça, febre, dor de garganta e dores musculares, que podem até lembrar uma virose. Isso acontece porque o HIV compromete nosso sistema imunológico, então ficamos expostos a todos os vírus e bactérias e outros micróbios possíveis. O surgimento de manchas na pele e ínguas (caroços/ nódulos sob a pele) também são outros sinais relatados que até podem despertar mais atenção, mas não o suficiente para diminuir as subnotificações de casos de HIV.
No início, os sintomas que Vitor sentia eram garganta inflamada e mal-estar, amplamente associados a uma gripe, e foi isso que ele imaginou que seria. Em 2017, dois anos após o surgimento das primeiras manifestações do vírus, ele enfrentou episódios de diarréia persistente que o levaram a perder 20kg. Foi aí que ele e sua família decidiram ir atrás de um diagnóstico adequado.
A busca não foi fácil, peregrinaram por vários hospitais e, mesmo assim, Vitor recebeu erroneamente o diagnóstico para Doença de Crohn (doença inflamatória que afeta o trato gastrointestinal. Entre os sintomas estão: diarreia, febre e perda de peso) que é medicada com imunossupressores, praticamente letais para pessoas com HIV por conta do potencial do medicamento enfraquecer o sistema imunológico, já tão fragilizado pelo vírus.
Com o tratamento para Doença de Crohn, a saúde de Vitor só piorou. Os quadros de diarreia continuaram e ele perdeu a mobilidade das pernas e dos braços. Somente em 2018, um ano depois, recebeu o diagnóstico para HIV. Após isso, foram inúmeras sessões de fisioterapia, consultas com oftalmologistas, internações médicas e uma longa batalha para recuperar a saúde do seu sistema imunológico.
Como saber se tenho HIV?
É possível realizar o teste para HIV e outras IST’s em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e em Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). O teste é sigiloso, mas se você se sentir constrangido em ir na Clínica da Família da sua área, vá em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da sua escolha e não esqueça de levar um documento com foto. Não é necessário encaminhamento médico para solicitar o exame.
Há dois tipos de testes para infecções sexualmente transmissíveis oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ambos são gratuitos. O primeiro é o teste rápido, realizado nos Centros de Testagem e Aconselhamento do SUS com resultado em 30 minutos e o segundo é o autoteste, em que o paciente recebe o material e orientação de como fazer em casa (resultado em cerca de 10 minutos). Também é possível recorrer a uma terceira opção: contratar um exame laboratorial.
Quando decidir fazer o teste?
Quanto mais rápido você descobrir, mais rápido pode iniciar o tratamento e ter qualidade de vida. O ideal é que, logo após vivenciar alguma das situações nas quais é possível haver contaminação, o teste seja realizado. Em caso de resultado negativo, o indicado é refazer o teste após 30 dias ou mais. Essa estratégia é importante porque pode ser um ‘falso negativo’. Nosso organismo pode atravessar um período chamado de ‘janela diagnóstica’, que é o tempo entre o contato com o vírus até a possibilidade de detecção pelo exame (feito a partir de coleta de sangue ou saliva).
Fui diagnosticado com HIV. Vou morrer em pouco tempo?
O diagnóstico de HIV não é uma sentença de morte. Com os avanços tecnológicos e científicos das últimas décadas, uma pessoa pode viver bem e saudável.
Também é possível alcançar o que os médicos chamam de ‘carga viral indetectável’, que é quando a pessoa tem um ‘nível’ tão baixo do vírus que não transmite através de relações sexuais (os dados quanto a outras formas de contaminação ainda são imprecisos). Mas isso não significa cura. O uso dos medicamentos de forma regular ainda é obrigatório. Eles ajudam a evitar o enfraquecimento do sistema imunológico, tão vulnerável em pessoas que vivem com HIV. Além de diagnóstico e acompanhamento, o SUS também disponibiliza os medicamentos antirretrovirais (ARV) gratuitamente.
Com o apoio da família e da medicina, Vitor conquistou novamente sua autonomia e prazer pela vida. Hoje luta pelos direitos das pessoas que vivem com HIV e Aids e pela visibilidade da causa e de suas trajetórias em um país preconceituoso e homofóbico como o Brasil.
“Quando você tem uma infecção que atinge qualquer faixa da sociedade e qualquer gênero (que não fique restrito somente a um grupo social), você tem que tomar providências com afinco, afinal, atinge ‘todos’. Mas quando você tem uma infecção que atinge um grupo minoritário e excluído da sociedade, a importância com que isso é tratado diminui drasticamente. Vemos a diferença na criação e formação das pessoas. Com minhas irmãs cisgêneras (que se identificam com o gênero do nascimento) e héteros, a preocupação era engravidar. Quando contei sobre minha orientação sexual para minha mãe, a primeira coisa foi: cuidado pra não se infectar. São muitas nuances que afetam para que o HIV seja sempre nosso (homens gays). E isso é bem triste, porque vemos um aumento absurdo de mulheres sendo diagnosticadas tardiamente, afinal, o ‘HIV não é um assunto delas’”, conclui.