Mais uma vez, a população do Rio de Janeiro está em choque e lamenta a morte de mais uma das muitas crianças e adolescentes que tiveram suas vidas interrompidas em decorrência de uma ação da polícia militar. A vítima da vez foi a menina Ágatha Félix, de apenas 8 anos de idade, moradora da Fazendinha, uma das favelas que integra o Morro do Alemão. Ela foi atingida por um disparo de arma de fogo que, de acordo com testemunhas, fora efetuado por agentes da segurança pública.
Precisamos entender que essa morte é uma consequência direta da política de segurança adotada pela atual gestão do governo do Estado do Rio de Janeiro. Uma política que condena quem mora nas favelas e periferias a conviver com o medo de ser alvejado por tiros de fuzil a qualquer momento. Quando isso acontece – só este ano foram 16 crianças baleadas –, o governador tem se limitado a dizer que lamenta o ocorrido, reafirmando que continuará a atuar de forma a enfrentar a criminalidade usando de mais violência, num descaso claro às populações que residem nas favelas e ao modo como essas pessoas são atingidas .
Encontramo-nos numa situação que foge à racionalidade, que nos endurece.Estamos vivendo, cotidianamente, situações que nos deixam sem chão. A indignação cresce, e não sabemos como será mais canalizada. Como agir diante do fato de que a violência como pressuposto e ação foi escolhida como método do governo do Estado para enfrentar a criminalidade, o que permite que em determinadas regiões da cidade a polícia tenha permissão para matar? O que a população que não mora nas favelas no Rio de Janeiro sabe sobre a vida nesses espaços? Será que entendem que as favelas são regiões da cidade cujos direitos o Estado, historicamente, deixou de reconhecer, deixando seus moradores e moradoras à deriva e sem a garantia do mesmo tratamento que é dado a outras partes da cidade?
Ora, quantas crianças mais deverão morrer para que essa política de segurança seja revista? Os moradores e moradoras das favelas e das periferias estão cansados de enterrar seus entes queridos. Como a família de Ágatha, muitas outras famílias estão destroçadas e não sabem como fazer para voltar a viver nesta cidade que as condena diariamente ao sofrimento e à dor.
Somente na semana que passou – entre 16 e 20 de setembro –, foram cinco pessoas assassinadas no mesmo conjunto de favelas, o Alemão, onde Ágatha Félix tomou um tiro e veio a morrer. Essas mortes não conseguiram a mesma visibilidade, como a morte da menina Ágatha, e isso diz muito sobre como a sociedade carioca, de algum modo, sustenta com passividade, anuência, a forma tirana da gestão que temos no governo do Estado, além de ainda a legitimar. E isso é muito grave e assustador.
É preciso que todos nós condenemos com veemência a morte de mais uma de nossas crianças! Não podemos aceitar a afirmação do Estado de que as mortes que se acumulam sejam apenas um “efeito colateral” da suposta guerra contra o crime. Isso é um desrespeito com as famílias e com a população do Rio de Janeiro e do Brasil.
Não podemos aceitar e não podemos nos calar diante de mais uma tragédia provocada pela irresponsabilidade das autoridades do Estado. É preciso parar de matar nossas crianças e adolescentes! É preciso garantir o futuro e o direito à vida de nossas próximas gerações!
É urgente que a sociedade se mobilize em defesa da vida e que isso signifique a condenação da atual política de segurança do Estado. Uma política equivocada, violenta e que não trará a paz que a sociedade carioca quer e necessita.
A Redes da Maré se solidariza com a família de Ágatha e com todas as famílias que perderam seus entes queridos. Colocamo-nos a favor da vida e da garantia dos direitos dos moradores e moradoras das favelas e das periferias.
Quantas outras meninas Ágathas precisarão morrer para reconhecermos a bábarie em que mergulhamos – agora ainda mais fundo. “Dorme, minha pequena/ não vale a pena despertar”. Seguimos aqui, por você, pelos que estão conosco, pelos que hão de vir.
“O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente”
Sim.
Tecedoras e tecedores da Redes da Maré