Preparação e administração do tempo são cruciais para a realização da prova.
por João Gabriel Haddad e Rebekah Tinôco
Nos dias 13 e 20 de novembro, jovens de todo Brasil realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Dos 3,4 milhões de estudantes inscritos no exame, 2,4 milhões compareceram ao primeiro dia de aplicação da prova. O ENEM possui 180 questões com cinco alternativas de resposta cada e uma redação, que deve ter de 7 a 30 linhas. As questões de múltipla-escolha são divididas em quatro áreas do conhecimento: ciências humanas e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; linguagens, códigos e suas tecnologias; e matemática e suas tecnologias.
A prova é a porta de entrada de centenas de milhares de estudantes para o ensino superior. A nota do ENEM pode ser usada para ingresso em diversas faculdades do Brasil através do Sistema de Seleção Unificada (SiSU), do Programa Universidade Para Todos (Prouni) e de outros processos seletivos que usem a prova do ENEM como critério de seleção.
O Maré de Notícias conversou com educadores e estudantes do Complexo de Favelas da Maré para um especial de duas matérias sobre o ENEM. Nesta matéria, será abordada a perspectiva dos estudantes a respeito da prova. A primeira matéria do especial foi ao ar ontem (22/11) no Maré de Notícias, e conta com a perspectiva dos professores sobre a prova. Para ter acesso à primeira parte do especial, clique aqui.
Dificuldades para a realização da prova
Apesar de ser o maior meio de acesso às universidades de todo país, a prova do ENEM ainda possui problemas. Um dos tópicos que mais incomodam os participantes é o tempo de prova atrelado ao número e tamanho das questões. Quando questionada sobre o que alteraria no formato do ENEM, a aluna do CPV da Redes da Maré, Camila Ellen (21) mencionou que mudaria o tempo de prova: “o ENEM não é uma prova muito conteudista, é muito mais sobre resistência e organização. Ter 90 questões e uma redação pra fazer em apenas 5 horas e 30 minutos te deixa pressionado, além de todo cansaço causado pelos textos”.
Julia Silva (20), aluna do mesmo curso, também se mostra incomodada com esses fatores. Ela avalia que a prova não é elaborada para que os participantes consigam finalizá-la e deixa sua sugestão para edições futuras: “eu diminuiria a quantidade de questões e colocaria textos mais diretos e mais curtos para ajudar na compreensão”. Julia pretende cursar Odontologia e espera que o ENEM consiga ajudá-la a ingressar na UFRJ.
Ellen Ferreira (18), aluna do curso pré vestibular CEASM, também leva em consideração que estudantes da comunidade geralmente não têm a oportunidade de preparo para uma prova do nível do ENEM, dificultando a equiparação dos mesmos com outros estudantes: “a galera da comunidade que majoritariamente não consegue ter sequer algum tipo de apoio educacional muitas vezes não consegue fazer uma prova nesse nível. Falta para os nossos, preparação e mais deles potencializando a favela pondo mais educação e nos inserindo nesses espaços que, obviamente, não é feito pros nossos.”
Os números de adesão à prova são exemplos da concretização desses problemas. Desde 2014, o ENEM possui queda progressiva no número de inscritos e participantes. Além disso, mais de 900 mil estudantes não compareceram ao primeiro dia de provas do ENEM 2022, correspondendo a quase 27% dos inscritos; desconsiderando a edição de 2020, ano em que a pandemia de Covid-19 surgiu, a última edição registrou a menor taxa de comparecimento desde 2019.
Taxa de comparecimento ao ENEM por dia da prova e por ano, de 2019 a 2022.
*No ENEM 2020, os exames impresso e digital foram aplicados em dias diferentes; por isso, foi considerada apenas a taxa de comparecimento da aplicação física.
Desafios para os pré-vestibulandos da Maré
Com a perspectiva de acesso à universidade, estudantes contam com obstáculos pelo caminho. Um dos fatores é a defasagem de ensino no sistema de Educação Pública. A estudante Camila Ellen relata que apesar de ter concluído o Ensino Médio em uma escola estadual bem reconhecida, não obteve uma grade curricular que a preparasse para a prova.
Outro fator decisivo foi a chegada da pandemia de Covid-19. Ellen Ferreira conta que a adaptação ao ensino remoto não foi feita facilmente e que esse método afetou a absorção dos conteúdos acadêmicos. Além disso, a aluna Julia Silva ressalta que não teve a quantidade necessária de aulas durante a pandemia, só contando com apostilas disponibilizadas pelo governo que, na sua avaliação, não foram suficientes para seu aprendizado. A falta de professores nas escolas públicas e as constantes operações policiais, realidades no Conjunto de Favelas da Maré, também contribuíram negativamente para a defasagem do ensino.
O psicológico dos estudantes em relação à prova
O preparo para o ENEM e vestibulares em geral é atrelado a uma rotina de estudos e organização para obter bons resultados nas provas. Mas, independentemente da dedicação dos alunos, a pressão de obter aprovação nesses exames está sempre presente. Ellen Ferreira reflete sobre o assunto e menciona que “é enraizado através da sociedade e principalmente dos mais antigos que diploma e faculdade são sinônimos de vitória e triunfo… e quando a gente é jovem essa narrativa ressoa com um peso enorme e gera outras inseguranças”.
A pressão e a exaustão física e psicológica dos participantes durante a realização da prova são alguns dos maiores problemas mencionados pelos estudantes. Devido à sua estruturação, incluindo o número de questões e tempo de prova, os alunos acabam por não ter o rendimento desejado. “O ENEM é uma prova bem cansativa, e em alguns momentos pareciam que eu não conseguiria mais ler nenhuma palavra”, diz Julia Silva.
Além dos fatores relacionados diretamente à prova, a rotina de estudos e o psicológico dos estudantes são afetados por fatores pessoais e externos. Muitos alunos de pré-vestibulares e participantes da prova em geral acabam por não terem a vida acadêmica como única responsabilidade, também incluindo a inserção no mercado de trabalho. Ellen Ferreira menciona que começar a trabalhar provocou mudanças em sua rotina de estudos relacionada ao vestibular e que conciliar seu tempo de trabalho, estudo e descanso não é fácil.
Julia Silva também fala sobre as dificuldades de administrar o tempo em sua rotina: “a minha rotina [de estudos] foi bem conturbada, porque além de estudar para o ENEM e fazer o pré-vestibular comunitário, eu trabalho com os meus pais na pensão que eles têm e também faço um curso técnico. E fiz 6 meses de estágio todos os fins de semana até outubro, então quase não tinha tempo para estudar fora do horário de aula do pré-vestibular, o que dificultou bastante”.
Os pré-vestibulares no ensino e na vida dos alunos
Os cursos pré-vestibulares comunitários ajudam os alunos a estruturar uma rotina de estudos e, com isso, conquistar a vaga no ensino superior. Mas, além do conteúdo, os alunos efetivamente se sentem mais acolhidos e apoiados enquanto pessoas pelo corpo pedagógico das instituições. Camila Ellen conclui: “fazer parte de um projeto comunitário preparatório não serviu apenas para estudar para o ENEM, eu senti que vivi uma experiência”.
Julia Silva reconhece que os momentos de conversa com psicólogos no pré-vestibular colaboraram para o preparo mental para a prova. Ela comenta que se sentia pressionada a entrar na universidade ao se comparar com outros alunos que passaram assim que terminavam o colégio. Julia realizou o último ano do ensino médio em 2020, e teve sua rotina de estudos afetada pela pandemia de Covid-19 naquele ano. Ela avalia que o curso contribuiu para a solução desses problemas: “o pré-vestibular comunitário […] me ajudou a ter foco para estudar e mostrou como e o que estudar”, conclui.