Como os comerciantes da Maré estão enfrentando a crise perto do Natal
Jorge Melo
Crise. Palavra temida que acompanhou os comerciantes cariocas nos dois últimos natais. E também naquelas datas em que o comércio vende mais, como o Carnaval, o Dia das Mães, o São João, o Dia dos Pais e o Dia das Crianças. Apesar de uma expectativa de melhora, a maioria dos comerciantes ainda está com um pé atrás em relação ao movimento de compras do Natal.
A expectativa é um aumento das vendas 3% maior que no ano passado, segundo pesquisa realizada pela Fecomércio-RJ – Federação do Comércio do Rio de Janeiro e a Ipsos, empresa de pesquisa e inteligência de mercado. Três por cento não é muito, mas se confirmados permitirão tocar o barco e recuperar o otimismo. A pesquisa envolveu 2 mil estabelecimentos comerciais de oito regiões do Estado do Rio de Janeiro.
Seguindo essa tendência de pé no chão, dez mil empregados temporários devem ser contratados para trabalhar nas festas de fim de ano e no verão, de acordo com pesquisa do Centro de Estudos do Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro, que ouviu 500 empresas. Mas esse número é 16% menor que o do ano passado. Com certeza, será um Natal mais modesto e econômico, com menos presentes ou presentes mais baratos.
Além da crise econômica, que é nacional, durante todo o ano de 2016 o Rio de Janeiro enfrentou a crise do Governo do Estado. Mais de 175 mil funcionários públicos estaduais e aposentados ficaram sem salário e pensões ou recebendo em parcelas. Até outubro, o 13º salário de 2016 ainda não havia sido pago. Esse quadro afetou ainda mais o desempenho do comércio e, seguramente, terá reflexos nas compras de Natal. No Rio de Janeiro, os funcionários públicos representam uma importante parcela do público consumidor.
O Natal na Maré
Na Maré, ainda não existe pesquisa sobre o desempenho do comércio, mas o que se percebe conversando com os comerciantes é que ninguém
espera recordes de vendas, muito pelo contrário, o movimento não deve ser muito diferente do que foi no Natal do ano passado, portanto, nada de promoções ou grandes investimentos em estoque. Um exemplo é Luzanira Pereira de Farias, proprietária de uma tradicional loja de roupas femininas e acessórios na Maré, a Lu Fashion. Com 20 anos de comércio, já passou por altos e baixos e aprendeu a driblar as dificuldades: “esse ano deve ser igual ao ano passado, que não foi bom”, diz a comerciante.
Luzanira esperou até o fim de novembro para encomendar o estoque para o Natal, pois queria ter uma ideia melhor do movimento. Não fez grandes investimentos. O movimento durante o ano foi o termômetro, “diminuiu o número de clientes e as que permaneceram, compraram menos”. A maior parte das vendas foi feita no crediário, cerca de 60%. Os cartões de crédito corresponderam a 30% das vendas. E transações à vista, apenas 10%. “Eu sou conhecida, vendo produtos de qualidade e tenho freguesas fiéis. E mulher sempre compra uma coisinha, uma blusa, uma biju”. Para Luzanira, o Natal de 2017 não será daqueles natais para se lembrar daqui há alguns anos.
A força do comércio na geração de empregos
Um movimento menor no comércio tem influência em todo o conjunto de favelas da Maré. É no comércio que está a maioria dos empregos gerados na região. O primeiro Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré, finalizado em 2013, revelou a existência de mais de 3.500 empreendimentos que geraram 9.371 empregos, 76,4 % dessas vagas eram ocupadas por moradores da Maré. Na pesquisa foram entrevistados 3.182 empreendedores.
O comércio responde por 66% dos negócios na Maré e, consequentemente, pela maioria dos empregos, algo em torno de seis mil vagas. Uma característica interessante levantada pelo Censo é que 40,2% dos estabelecimentos vendem “fiado”, ou seja, garantido apenas na relação de confiança entre cliente e comerciante. Coisa difícil de ver longe das favelas.
O aperto em época de crise
Comerciante há dez anos e dona de uma loja de utilidades domésticas, brinquedos e papelaria, o Bazar Cobina. Sheila Santos Araújo da Silva registrou uma redução de 50% no movimento, “tinha duas lojas na Maré, uma de utilidades domésticas e outra de papelaria e brinquedos; em 2015, por causa da crise, tive de fechar um ponto, demiti funcionários e juntei os negócios numa loja só, para economizar”. Este é o terceiro ano de vacas magras para Sheila: “o que posso dizer é que 2017 foi péssimo”. Por isso, Sheila não vai arriscar nada de especial para o Natal, “teremos o que temos normalmente e só”, conclui Sheila.
Pensando no futuro
Mas apesar do quadro de incertezas, há notícias boas. Quando o Censo foi realizado, em 2013, constatou-se que apenas 24% dos empreendimentos no Complexo da Maré estavam formalizados, ou seja, pagavam impostos que permitiam aos proprietários os benefícios da regularização: aposentadoria, auxílio-doença, salário maternidade, possibilidade de fornecer para os governos e obter financiamento.
Em pesquisa realizada o ano passado, com 1.400 empreendedores do Parque União, Vila do João, Nova Holanda e Vila dos Pinheiros, que concentram cerca de 60% dos empreendimentos do Complexo da Maré, constatou-se que 43% deles estavam formalizados. Este é um indicador que mostra maior estabilidade dos empreendimentos. Segundo a mesma pesquisa, os negócios com mais tempo, entre cinco e dez anos, apresentam maior índice de formalização.
Uma outra pesquisa realizada pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, EBAPE, nas maiores comunidades da cidade do Rio de Janeiro, inclusive na Maré, identificou que o acesso à orientação, consultoria, cursos, oficinas e workshops tem efeito positivos no comportamento dos microempreendedores individuais, MEIs, dessas comunidades.
Os atendimentos oferecidos pelo Sebrae ajudam a planejar as diversas fases do negócio e mostram a importância de estar em dia com as obrigações. O estudo tomou como base o período entre março de 2012 e novembro de 2015, quando foram feitos 20.191 atendimentos. A pesquisa indica que o atendimento, em especial as sessões de orientação, reduziu a taxa de inadimplência da contribuição mensal do MEI, 15% em média no período das orientações e estes efeitos foram duradouros e se mantiveram mesmo após o atendimento.
Nos últimos anos, o Sebrae/RJ vem produzindo informações sobre o perfil de empreendimentos e de micros e pequenas empresas situadas nas comunidades e atendendo os empreendedores dessas localidades. O foco principal são os empreendedores ou aqueles que podem se tornar microempreendedores individuais (MEI) e microempresas (ME), ou seja, jovens de 15 a 24 anos com potencial de empreendedorismo e lideranças institucionais e empresariais. Nos locais de atuação são realizados plantões de atendimento, com orientações sobre formalização, alvará; nota fiscal; oficinas e cursos sobre gestão que ajudem nas questões do dia a dia. Na Maré, o atendimento é feito na sede do Redes da Maré, na Rua Sargento Silva Nunes, 1012, Nova Holanda, às terças-feiras, das 9h às 15h.