Briga entre Prefeitura e Organização Social causa demissões nos Centros Municipais de Saúde e Clínicas da Família.
Hélio Euclides
No dia 17 de janeiro, a Prefeitura do Rio de Janeiro assinou um termo de rescisão de contrato de gestão, anunciando o rompimento com a organização social (OS) Viva Rio. A OS administrava 78 unidades de saúde na capital – sete no território da Maré -, e está sendo substituída pela Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro – RioSaúde. Com isso, os profissionais de saúde entraram em aviso prévio. Na favela, as unidades de saúde administradas em parceria com a Prefeitura são quatro Clínicas da Família e três Centro Municipais de Saúde (CMS), entre eles o localizado em Marcílio Dias.
No mês passado, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que a rescisão do contrato com a Viva Rio foi “uma decisão estratégica de gestão” e que a troca foi “uma escolha por serviços com mais qualidade e eficiência para o cidadão que busca atendimento”. A Prefeitura afirmou que a mudança vai garantir uma economia de R$ 200 milhões e que a RioSaúde abriu processo seletivo para contratar ou recontratar os profissionais que quiserem continuar trabalhando nas unidades. Profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) disseram que houve uma promessa de recontratação da equipe de farmacêuticos, técnicos de enfermagem, odonto e administrativos, mas voltaram atrás. “Isso foi uma crueldade e desrespeito dessa gestão”, comentou um dos funcionários demitidos que não quis se identificar. Equipe de limpeza e segurança também foram dispensados. Outras empresas terceirizadas farão o serviço.
As lideranças da favela estão preocupadas. “Mandaram as pessoas embora, mexeram com todo mundo. Tem profissional com 20 anos dedicados à saúde da Maré! Serão 2.500 profissionais desempregados. Isso é um jogo político dessa administração municipal”, comenta Vilmar Gomes, conhecido como Magá, presidente da Associação de Moradores do Rubens Vaz. Gilmar Junior, presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda concorda com o colega. “Estão tirando o Viva Rio só por ser parceiro da Rede Globo. São profissionais que fazem bom atendimento, que escutam tiro e continuam o trabalho. Será que os novos vão se adaptar? Já temos que aturar o gasto de quase 100 mil reais por mês com óleo diesel para o gerador da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva e agora mais essa”, reclama.
Moradores também estão sensibilizados. “Esses profissionais não podem sair, pois mesmo quando estavam com salário atrasado, nunca deixaram de atender. Mas é preciso investimento na saúde, pois médico é difícil. Desde setembro tento marcar uma consulta para minha mãe, que é hipertensa”, conta Valter Brito, morador da Nova Holanda. Familiares dos profissionais estão angustiados. “Minha filha começou como agente de saúde e hoje é técnica de enfermagem. Ela está no projeto há 19 anos, desde quando era administrada pela Maré Limpa. Ela ama o território e o pessoal daqui. O que estão fazendo com minha filha é uma injustiça. Será que essas pessoas novas vão trabalhar na favela?”, questiona Elza Ferreira, mãe de Bruna de Lima.
Mesmo quem ficou reclama da redução de salário. No site da RioSaúde há os novos valores. Para enfermeiro, a empresa pública irá pagar o valor bruto de R$ 4.448,23, só que profissionais dizem que antes recebiam R$ 4.900,00. A diminuição é ainda maior, pois vão o valor líquido, após os descontos, fica em R$ 3.900,00. Em nota, a Organização Viva Rio classificou a medida da prefeitura de fim do contrato como “intempestiva”. Hoje a Viva Rio administra na Maré apenas a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), em parceria com o Governo do Estado. O Fórum das Associações de Moradores da Maré em conjunto com a Redes da Maré estuda quais medidas vai tomar para defender os profissionais não readmitidos.
Quais os passos da empresa municipal?
Segundo assessoria, a partir do dia 11 de fevereiro a RioSaúde começou a admissão direta dos funcionários da OS Viva Rio que optarem por continuar trabalhando nas unidades de Atenção Primária da Área de Planejamento (AP) 3.1, que engloba a Maré. No site da RioSaúde há um edital de convocação para admissão direta de 1.164 funcionários, como médicos de diversas especialidades, enfermeiros, agentes comunitários de saúde, musicoterapeuta, educador físico, entre outras categorias. As contratações acontecem até o dia 20 de fevereiro, no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla (HMRG), em Acari, das 8h às 15h.
Para as vagas não preenchidas e inexistentes no banco dos últimos concursos da RioSaúde, será realizado processo seletivo simplificado por tempo determinado. As inscrições são feitas no próprio site da RioSaúde. Conforme determina a legislação, a empresa pública convocará os aprovados no seu concurso público para as vagas das demais categorias profissionais, como assistente administrativo, assistente social, cirurgião dentista, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, técnico de enfermagem, técnico de saúde bucal, psicólogo, técnico farmácia e nutricionista.
Um passado bem recente
Até chegar a essas sete unidades de saúde primária, uma UPA e um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi), os moradores antigos lutaram junto aos órgãos governamentais para uma saúde pública na Maré. Na década de 1980, uma empresa privada realizava atendimento gratuito em duas unidades na Maré, uma na Nova Holanda, onde hoje é a associação de moradores, e outra no Morro do Timbau, no local onde se encontra o Espaço de Desenvolvimento Infantil Pescador Isidoro Duarte – “Doro”.
Com o fim do serviço privado, o Conselho de Saúde da AP 3.1 e moradores reivindicaram a implantação de unidades primárias de atendimento, pois só existia o Centro Municipal de Saúde Américo Veloso na Praia de Ramos e um posto gerido pela UFRJ na Vila do João. Após diversas discussões, foram implantados seis postos de saúde, onde existiam consultórios dentários dentro dos CIEPs. Essa foi a primeira vez na Maré ocorria a terceirização da saúde. Na época, a competência para administrar a saúde ficou a cargo da ONG Maré Limpa, que tinha sua sede onde hoje se encontra o Setor de Comunicação da Redes da Maré. Em Marcílio Dias, os primeiros atendimentos vieram por meio dos Médicos Sem Fronteiras, que atendiam em um galpão.
Fique de olhoNa Edição 108 do jornal Maré de notícias fizemos uma matéria que abordava a crise da saúde do Rio de Janeiro, incluindo funcionários com salários atrasados, falta de equipamentos, remédios e funcionários em algumas unidades. Neste momento, a relação entre a Prefeitura e a OS Viva Rio já tinha sido mencionada.