Por Adriana Pavlova, em 18/03/2022 às 07h. Editado por Edu Carvalho
Fim de tarde alaranjado na Praça Mauá, Centro do Rio. Uma grande teia feita de barbante, unindo as mãos de 11 mulheres. Ao fundo a Baía de Guanabara e o Museu do Amanhã. Sorrisos, choros, confidências. Crianças felizes correndo em volta. Um dia para guardar na memória dessas mulheres unidas pela mesma dor: a de terem perdido alguém muito querido para o vírus da covid-19.
Foi assim, num clima contagiante de irmandade e empatia, que terminou o passeio de participantes da Frente Saúde – Apoio ao Luto, do Projeto Impacto de Vida, da Redes da Maré, ao Museu do Amanhã, no inicio do mês de março. A visita foi a terceira atividade externa desde os grupos de acolhimento psicossocial foram criados, em setembro do ano passado, reunindo mulheres moradoras de diferentes favelas da Maré, cujos familiares foram vítimas do coronavírus.
A felicidade estava estampada nos rostos de quem, por algumas horas, deu uma pausa no cotidiano, para descobrir outras paisagens. Não só delas, como das crianças que aproveitaram a rara oportunidade de acompanhar suas mães num programa fora da Maré. O pequeno Bernardo da Silva, de 7 anos, não escondia sua excitação com tantas novidades sobre o universo. Se ele chegou a se assustar diante do poderoso telão da sala abre-alas da exposição principal, que tenta resumir 14 milhões de anos com imagens intensas, logo depois já estava totalmente à vontade, correndo entre fotografias da Terra ou imerso em diferentes culturas dos cinco continentes.
“Eu gostei mesmo é da máquina do tempo, porque parecia que a gente estava dentro de um barco”, disse ele, referindo-se justamente ao espaço dedicado ao Cosmos.
Sua mãe, a confeiteira Débora Moreira dos Santos da Silva, também não escondeu a surpresa com o tipo de acervo do Museu do Amanhã, totalmente digital. Até então, Débora só havia visitado o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no tempos de escola.
“Eu nem imaginava que era possível ter um museu unindo história e tecnologia como esse”, disse ela, que levou um lindo e delicioso bolo para o piquenique de confraternização realizado logo após a visita guiada.
Outra que se surpreendeu com o que encontrou no Museu do Amanhã, sobretudo com a possibilidade de interagir com a exposição, foi a quituteira Abaudileia Soares Lopes, que vende lanches na feira da Teixeira Ribeiro, aos sábados. “Todas as vezes que eu pensava num museu, eu pensava automaticamente em coisas velhas, em algo antigo, muito diferente do que vi aqui hoje”, disse ela, que na exposição temporária sobre a Amazônia chegou a dançar ao som de flauta, tambor e chocalho, num dispositivo de interação que faz com que o visitante, ao se mexer numa área específica do chão, acabe disparando o som de cada um dos instrumentos.
O misto de surpresa e alegria era tanto que todas as participantes empunharam seus telefones celulares para registrar boa parte da visita. O maior sucesso, porém, foi a paisagem de fora – inclusive o espelho d’água da área externa do museu – descortinada através da parede de vidro do segundo andar, onde todas fizeram questão de serem fotografadas.
Organizadoras do passeio – a coordenadora Laís Araújo, a psicóloga Carmem Costa e a assistente social Aline Sousa – festejaram êxito do programa.
“Desde o início do projeto, estamos trabalhando com suporte em saúde mental para essas famílias, que estão enfrentando o luto da pandemia de forma mais latente. Compreendemos que os cuidados em saúde mental vão para além do manejo clínico e psicológico. Atividades em grupo, sejam esportivas, artísticas, terapêuticas ou de lazer, também têm se mostrado ferramentas importantes para o cuidado e fortalecimento das pessoas atendidas”, opinou Laís.
Já Carmem complementou lembrando da importância de ocupar a cidade além da Maré. “Estas mulheres esboçaram estar felizes, leves, relaxadas. Nos parece ter sido finalmente um momento de respiro. De poder sair não somente do espaço físico no qual vivem, mas também do contexto doloroso que todas têm atravessado, mesmo que por instantes. Além disso, entendemos que poder ocupar e circular pela cidade para além do território da Maré é fundamental, e deveria ser um direito de todos. No entanto, na prática, é um direito muitas vezes furtado a determinados grupos de pessoas.”
O projeto Impacto de Vida está diretamente ligado à campanha “Maré diz NÃO ao coronavírus”, desdobrando, desde julho de 2021, três frentes de trabalho para o acompanhamento, a médio prazo, de cerca de 300 famílias das 16 favelas da Maré. Uma equipe multidisciplinar foi montada para atuar diretamente na segurança alimentar, com distribuição mensal de cestas básicas (incluindo de produtos orgânicos); na educação, com a busca de conectividade para estudantes em ensino remoto ou híbrido; e na Saúde, com o apoio a mulheres que perderam familiares para a covid-19 e a famílias que perderam para a doença mulheres que chefiavam seus lares.