Bibliotecas comunitárias ganham espaço na Maré
Hélio Euclides
A leitura não depende só da compra de um livro. Muitos utilizam espaços que disponibilizam livros para consultas ou empréstimos. Na Maré, existem vários ambientes de incentivo à leitura, bibliotecas para todas as idades. Vitor Felix, 22 anos, é frequentador assíduo da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto e valoriza o espaço: “a biblioteca dentro da favela é muito importante. É preciso que sejam criadas outras, e que seja estimulado o uso delas. O jornal é peça fundamental para alcançar mais pessoas na divulgação de locais de incentivo à leitura”.
Ele, além de ler, realizou um sonho de fazer parte da produção de um livro. Vitor ilustrou o livro Nala, da escritora Caroline Rocha. A obra conta a história de uma criança negra, que descobre a sua beleza no mundo racista. Outra que entrou no mundo da escrita é Adriana dos Santos da Silva, que adotou o sobrenome Kairos. Ela escreveu três livros e organizou outros quatro, com amigos. Sua trajetória de leitora e escritora não foi fácil. “Meus pais sempre queriam ter um livro novo em casa. Apesar da falta de dinheiro, nós íamos em Duque de Caxias, num sebo, e comprávamos os livros”, conta.
Já na adolescência começou a inventar histórias e poesias. Na vida adulta descobriu três professores que mudaram sua vida. “A primeira achava tudo um lixo, o resultado é que queimei boa parte das minhas criações. Outra que me fez escrever uma redação oito vezes, e me recolocou no caminho das letras. E por fim, um mestre que incentivou o meu ingresso na faculdade”, desabafa. Hoje Adriana é professora, e incentiva seus alunos a viajar nos livros. “Uma forma de boa leitura na infância é narrar o livro, fazer as vozes dos personagens, o barulho dos acontecimentos”, ensina. “A criança não pode querer só fazer o dever de casa, é preciso pensar. Não pode ler por ler, tem de ter sentido. É importante incentivar a leitura na alfabetização, com livros de palavras simples, como fiz no meu último que escrevi, dedicado às crianças”, afirma. O título do último livro de Adriana é Me Deixa Jogar. Para ela, o computador, tablet ou livro digital são plataformas de leituras, outros instrumentos que ajudam a conquistar essa nova geração.
Bibliotecas populares na Maré
A Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto foi pensada para a articulação de diferentes atores comprometidos com a transformação estrutural da Maré. Fundada em 2005 é um equipamento cultural de fomento à leitura. Em 2011, passou por obras e ganhou um espaço destinado ao público infantil, com mobiliário adequado para eles: Sala de Leitura Escritora Maria Clara. “Meu sobrinho era agitado, não se concentrava. Tudo mudou há dois anos, quando começou a frequentar a Biblioteca, onde ele encontrou livros e atividades. O ‘errado’ eles veem o tempo todo, por isso a importância da existência deste espaço, para ter outros horizontes”, conta Nice dos Santos. A sala oferece oficina de leitura, contação de histórias, jogos, piquenique literário, espetáculos infantis, encontro com autores, cine pipoca e oficina de azulejaria. “É muito bom ver crianças que saem das escolas e EDIs, e passam na Biblioteca. Muitas vezes, vejo o responsável lendo livros infantis e gibis, pois não teve contato com o livro na infância”, detalha Luciene Vieira de Andrade, coordenadora da Biblioteca. Ela lembra que muitas crianças infelizmente não têm livro em casa. “Quando se fala em livro, vem logo à mente o preço. Mas existe muito livro barato, o importante é garimpar escritores que possam incentivar a leitura”. Não tão longe da Nova Holanda, funciona a Biblioteca Popular Municipal Jorge Amado, fundada em 2005 na Lona Cultural Herbert Vianna. Com o acervo de quase 6 mil livros variados, a biblioteca recebe diariamente mais ou menos 40 crianças e alguns adultos, que participam de diversas atividades. Alguns projetos locais ajudam nas atividades, como o Grupo de Teatro Atiro, Muda Maré e o Nenhum a Menos. “A Biblioteca é um ponto de referência de leitura. Aqui as crianças saem da rotina escolar, encontram um lugar de liberdade para o que desejam criar. É importante esse acesso direto aos livros, mostrar a possibilidade de eles verem o mundo por meio da leitura”, detalha Mariana Rodrigues, bibliotecária arte educadora.
Outra opção é a Biblioteca Comunitária Nélida Piñon, inaugurada em 2007 e com mais de 3 mil livros no acervo. Geraldo de Oliveira a fundou, pois, os moradores de Marcílio Dias tinham de sair da comunidade para realizar pesquisas. Contudo, a crise financeira fez com que a Biblioteca fechasse suas portas em 2015. Em setembro, retomou suas atividades em novo endereço. Apesar da dificuldade de funcionar num local alugado, Geraldo está confiante: “a união da comunidade foi primordial”. Apesar da falta de recursos, a promessa é voltar com antigos eventos, como o Dia do Conto, o arrastão literário, e os passeios infantis. “A Biblioteca é um espaço de cultura, onde se viaja pelas páginas dos livros. Tenho muitas alegrias, vi uma menina aprender a ler aqui na Biblioteca. Estou feliz em voltar, agradeço a Deus essa oportunidade”, declara. Ele revela que o próximo passo será a distribuição de 120 brinquedos no Dia das Crianças. Outra ideia é realizar um mutirão para catalogar os livros, dessa forma, será possível voltar aos empréstimos.
Já a Biblioteca Comunitária Luciana Savaget foi fundada em 15/10/ 2012, no Dia do Professor. Tem 4 mil livros e funciona na sede do Instituto Vida Real. O seu fundador, Sebastião Antônio de Araújo, explica que a ideia partiu de voluntários e contadores de histórias. “Não só os alunos utilizam a Biblioteca, mas a família também. Ela está aberta a toda comunidade, para pesquisa e empréstimo”. A biblioteca ainda participa do Projeto Fábrica de Biblioteca, que recolhe livros e encaminha a outras salas de leituras.
A caçula na Maré, A Biblioteca Bela Maré, surgiu junto com a 2ª edição do Travessias, em 2013. Os livros são divididos em uma estante de 4 metros de altura, com 13 metros de comprimento, criada por Pedro Évora, arquiteto da maquete da Maré. O acervo reúne livros de artes, literatura e infantis, e é formado por doação, desenvolvido pela própria comunidade. “Não é comum na cidade um acervo consistente de arte, uma especificidade. A ideia é ampliar o espaço de leitura e de reflexão. Nosso desafio é a falta de financiamento”, confidencia Alexandre Silva, coordenador do Galpão Bela Maré. Para ele, o incentivo à leitura depende de todos. “A falta do hábito da leitura não é uma questão da favela, é uma deficiência da sociedade”, afirma.
Dia Nacional da Leitura e Dia Nacional do Livro
No dia 12 de outubro, é comemorado o Dia Nacional da Leitura, com diversas campanhas educativas. No mesmo mês, uma outra data remete à leitura, o Dia Nacional do Livro, que surgiu em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional do Livro, em 1810, pela Coroa Portuguesa, em 29 de outubro de 1810. Vale lembrar que o Brasil começou a editar seus próprios livros ainda em 1808, quando Dom João VI fundou a Imprensa Régia. O primeiro livro a ser editado foi “Marília de Dirceu”, do escritor Tomás Antônio Gonzaga.