Semana Nacional da Leitura nos lembra a importância de se valorizar a leitura e espaços de estudos
Andressa Cabral Botelho – 16/10/2020
Nesta semana, celebrou-se o dia das crianças e feriado de Nossa Senhora Aparecida do Brasil, mas há mais uma celebração nacional no dia 12 de outubro que a população desconhece: o dia nacional da leitura. Seja os livros mais vendidos, revistinhas em quadrinhos ou até os e-books, o dia é importante para reforçar a necessidade de se estimular a leitura, principalmente em crianças, mas também para incentivar a interação entre adultos e crianças por meio da leitura. Junto à data, comemora-se a Semana Nacional da Leitura e Literatura, de acordo com a Lei nº 11.899/2009, que nos ajuda a lembrar de espaços importantes para os estudos: as bibliotecas.
No Brasil, os números não são positivos: o país perdeu 4,6 milhões de leitores em cinco anos, de acordo com a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró Livro, que comparou dados de 2019 e de 2015. Mas nem tudo é negativo segundo o levantamento. Meninos e meninas de cinco a dez anos têm lido mais, diferente das outras faixas etárias, onde esse número caiu. Atualmente, 52% da população se considera leitora e, em média, o brasileiro lê quatro livros por ano, ? do que é lido anualmente na França, por exemplo. Esses dados são de 2019 do Centro Nacional do Livro. Ler fica em 10º na preferência de atividades de lazer, atrás de acessar internet, ouvir música e ver televisão.
Em dezembro de 2019 surgiu o programa do Governo Federal Conta pra mim, que para incentivar a leitura entre responsáveis e crianças, promovendo, assim, a literacia familiar, aprendizagem por meio da leitura em voz alta, linguagem oral e escrita. No site do programa está disponível aos responsáveis práticas para desenvolver a literacia familiar, além de materiais em texto, áudio e vídeo para contar histórias.
Além da promoção de interação através da leitura, a Secretaria de Alfabetização, vinculada ao Ministério da Educação (MEC), vê no projeto uma forma de se pensar políticas voltadas para alfabetização e mudar a realidade educacional do país, que apresenta números preocupantes. Em 2016, dos mais de 2 milhões de alunos do 3° ano do ensino fundamental, 54,73% tiveram desempenho insuficiente no exame de proficiência de leitura realizado pela Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Desse número, cerca de 450 mil estudantes apresentaram dificuldade em encontrar informações em textos de até cinco linhas, assim como identificar a finalidade dos textos apresentados, se eram receitas, convites ou bilhetes.
Soluções em tempos de isolamento
Para muitos privilegiados, a pandemia foi uma oportunidade para colocar as leituras atrasadas em dia. Mas para outros a situação foi mais delicada para terem a acesso a leitura. Bibliotecas fecharam por causa do isolamento social e tiveram que pensar em alternativas para continuar funcionando. A Biblioteca Nélida Piñon, em Marcílio Dias, na Maré, ficou seis meses fechada, mas uma porta se manteve aberta: a da geladeira. Como parte do projeto, o utensílio doméstico ficou na rua repleta de livros, fazendo com que o empréstimo nunca parasse. Assim, os moradores tiveram acesso ao livro para lerem em casa, fazendo com que a biblioteca – ou uma pequena parte dela – continuasse funcionando.
O retorno das atividades da Nélida Peron aconteceu no dia 01 de outubro, quando a biblioteca inaugurou o espaço “Mergulhe nessa leitura”, dedicado às crianças. Enquanto ficou fechada, o espaço, além da geladeira, realizou outras atividades. “Durante a pandemia, nós atuamos na área social, com distribuição de cestas básicas para algumas famílias. E a geladeira, que foi transformada em estante, funcionou dia e noite neste período”, conta Geraldo Oliveira, um dos coordenadores da biblioteca, destacando a interação dos moradores com a estante de livros.
O ambiente virtual como aliado
Outros espaços encontraram no ambiente virtual uma forma de continuar as suas atividades de leitura, como o Clube da Leitura da Biblioteca Popular Escritor Lima Barreto, da Redes da Maré. Localizado fisicamente na Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré, assim que começou a pandemia, o clube migrou as atividades para o on-line e passou a ler livros para o vestibular. “Os jovens da Maré têm se desdobrado em muita perseverança para participar, porque a pandemia evidenciou os abismos sociais de nosso país. Ele precisa lidar com a interrupção das lives e das aulas não presenciais, além de disputar o sinal de conexão com muitos a sua volta”, observou Daniela Name, professora e curadora do Clube.
Como proposta de estudos, a coordenação do clube direcionou as suas atividades para a leitura de livros do vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para colaborar com os professores do Curso Pré-Vestibular da Redes da Maré (CPV) na programação de estudos para as provas. Além de O triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, os alunos estão fazendo da leitura de 1984, de George Orwell, livro escolhido pela UERJ para ser tema da redação do seu vestibular. O interesse e a procura foram tão grandes que o clube recebeu inscrição de vários novos integrantes.
Não só pelo trabalho voltado para a aprovação no vestibular, mas o clube desempenha papel importante para as crianças e jovens em diversos fatores: “O ato de ler em voz alta e debater a leitura desenvolve não apenas a interpretação de texto, mas a segurança narrativa de cada um dos participantes, que melhoram muito na expressão oral e escrita”, destacou Daniela.
De leitor a ilustrador
A favela não é apenas o local que abriga essas bibliotecas, mas também é lar de escritores e ilustradores que têm produzido livros, seja falando da sua vivência ou usando a favela como ambiente onde a história acontece. Renato Cafuzo é uma dessas pessoas. Morador do Morro do Timbau,na Maré, ele desenha desde criança e em 2010 começou a ilustrar livros didáticos, em paralelo ao trabalho de designer. De lá para cá, ilustrou cinco livros infanto-juvenis: quatro da coleção Griôs da Tapera, escritos por Sinara Rúbia e o Que saudade da minha Vó, escrito por Maíra Oliveira, previsto para ser publicado em 2021.
Recentemente, Cafuzo fez uma doação de livros da edição Griôs da Tapera para a Biblioteca Marginow, no Antares, Zona Oeste do Rio. “Lembro do Jessé Andarilho [organizador da Biblioteca Marginow] contando sobre como é montar uma biblioteca comunitária em Antares e a dificuldade que é receber doação de livros legais. E realmente, como incentivar a leitura na comunidade com livros que a pessoa só doou para não jogar no lixo? Depois disso, vi que não tinha lugar melhor para o que eu faço do que esses espaços. Para mim, é uma forma de devolver para favela a formação que ela me deu para vida”, destacou o ilustrador.
Cafuzo destaca que a sua paixão pela leitura surgiu na adolescência, com o contato com quadrinhos e reflete o quanto seria importante ele ter lido textos como os que ilustra hoje, que tratam sobre questões raciais, quando mais novo. “Hoje, como um homem negro, eu vejo nitidamente que mudar o mundo para melhor só é possível tendo um poder que a sociedade não reconhece como real, sacou a metáfora? Quantas questões e inseguranças teriam me atravessado de forma menos dolorosa numa fase ainda mais sensível? No fim das contas, acho que é por isso que hoje me volto para o livro infantil: porque é para ontem”, conclui.
Tão importante quanto ler, é doar
Tem algum livro em casa que não lê mais e gostaria que outras pessoas o lessem também? As bibliotecas mencionadas no texto recebem doações de livros e outros materiais pedagógicos.
Entre em contato e visite os espaços – após a pandemia:
- Biblioteca Nélida Piñon: Travessa Luiz Gonzaga, 58 – Marcílio Dias
- Biblioteca Popular Lima Barreto: Rua Sargento Silva Nunes, 1.010 – Nova Holanda
Entre em contato e envie os títulos que deseja doar: biblioteca@redesdamare.org.br