Uma das 16 favelas da Maré não tem creche e a única escola atende crianças até o quinto ano do Ensino Fundamental
Por Hélio Euclides, em 25/05/2021 às 7h. Editado por Edu Carvalho
Tem que se contar nos dedos quem não cantou a plenos pulmões os versos “Eu fico com a pureza da resposta das crianças, é a vida, é bonita e é bonita…”, creditando nos pequenos a esperança de um futuro bonito, inocente e mais justo. Mas Gonzaguinha, compositor e criador da canção falecido há 30 anos, estaria triste por ver seu sonho não se dar por completo, sobretudo por elas, as crianças, não terem acesso a um dos bens mais necessários: à Educação. Ou por vê-lo chegar com faltas.
Não por coincidência, a escola municipal que leva o seu nome localizada em Marcílio Dias, sofre pela estrutura pequena, que não consegue atender a população local. A região não conta com creches e só há uma unidade de ensino público, que atende até o quinto ano. Terminado o período educacional, os responsáveis e adolescentes rumam à caçar vagas para educação infantil e assim completarem a primeira parte da alfabetização em outras regiões da cidade.
Segundo o Censo Maré divulgado em 2019, Marcílio Dias tem 2.248 domicílios e 6.342 habitantes. A Associação de Moradores de Marcílio Dias estima que hoje já são quase 12 mil habitantes. “Na comunidade brotam crianças que precisam ser criadas como sementes, num local que falta uma creche pública ou conveniada.
Na Escola Gonzaguinha se percebe uma dedicação dos professores para fazer o máximo, num equipamento feito de blocos que já persiste há mais de 20 anos. Essa falta desestimula o adolescente e o deixa há dez passos de um outro estudante de outra localidade. Como vai ser o futuro deste aluno?”, questiona Sílvia Regina, professora de alfabetização e reforço escolar na associação de moradores, no Projeto Belo Herança.
Regina avalia que uma das dificuldades de ser aluno no território é o momento de finalização do processo no local. “Quando chega no segundo segmento do ensino fundamental o aluno é obrigado a ir para o outro lado da Avenida Brasil, descobre uma outra realidade. A falta de educação é um muro que precisa ser derrubado. É preciso uma nova escola para atender a demanda local’’, aponta ela, que diz haver um abismo entre Marcílio e as demais favelas da Maré. ‘’Aqui a fatia do bolo sempre é a menor”, enfatiza a professora.
Em 2009, uma emenda constitucional estabeleceu a obrigatoriedade do ingresso das crianças de quatro e cinco anos na escola. A lei entrou em vigor a partir de 2016, quando os municípios foram obrigados a matricular todas as crianças na pré-escola, ofertando vagas suficientes para atender a demanda e que a criança fosse matriculada próxima a sua residência. Mesmo assim, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019 (PNAD), revela que 1,5 milhão de meninos e meninas ainda estão fora da escola.
Responsáveis que conseguiram vagas para os filhos na referida escola têm boa avaliação sobre o planejamento escolar, mas questionam o espaço reduzido – apenas cinco salas – que só comporta 298 alunos. “O ensino é bom, mas a escola é pequena e não atende toda a população daqui. É inacreditável um local com tantos moradores só ter uma escola e que não tem nem o ensino fundamental completo. Isso ajuda na evasão escolar, pois muitos desistem de ir para fora da favela”, comenta Tiago Lima, pai de um dos matriculados.
Uma funcionária da escola que preferiu não se identificar, disse que a unidade foi inaugurada há 28 anos de forma provisória. Ela conta também que há uma expectativa de abertura de vagas para novos alunos apenas no fim do ano. O número? 60.
Um dilema sem solução
Em 2012, a Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que não seria possível ampliação da estrutura, mas que ocorreria uma vistoria visando otimizar o espaço. Em visita à Maré no ano de 2014, o então prefeito Eduardo Paes, em seu segundo mandato à época, anunciou a criação do Campus Educacional da Maré e lamentou que a Praia de Ramos, Roquete Pinto e Marcílio Dias não seriam beneficiadas pelos novos equipamentos.
Posteriormente, em 2017, Fátima das Graças Lima Barros, professora e coordenadora da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), deu uma entrevista ao Maré de Notícias na qual mencionou a necessidade da favela de Marcílio Dias estar incluída no mapa da Maré. “Ainda existe um deficit, mas não é só construir, existe a responsabilidade com a estrutura. Kelson ‘s só tem uma escola e o planejamento deverá ser maior. Boa parte das crianças e adolescentes precisam andar quatro quilômetros para estudar do outro lado da Avenida Brasil”, prometeu na época.
O Maré de Notícias entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação e a 4ª CRE para respostas sobre a falta de creche e a necessidade de outra escola na favela de Marcílio Dias, mas não obteve resposta.