Mesa de abertura de sábado, 17, aborda o papel da produção literária sobre negritude na manutenção da memória africana e diaspórica
Em 18/11/2018 – Por Amanda Soares
Jude Kelly abriu o espaço no auditório do Museu do Amanhã neste sábado, 17, enaltecendo a coragem de quem se posiciona contra os sistemas que as oprime, independentemente de seu gênero. “Nós resitimos, usando nossos corpos, vozes e punhos cerrados para o alto.” Na mesa de abertura, a jornalista luso-angolana Carla Fernandes e a escritora Conceição Evaristo discutiram sobre a produção literária diaspórica e africana e apresentaram suas perspectivas sobre manutenção da memória negra no mundo para um auditório lotado.
Fernandes é criadora do audioblog Afrolis. A equipe é composta por jornalistas e escritores luso-africanos. O site português possui um trabalho singular de protagonizar a comunidade negra de Lisboa. “Lá não há muita preocupação em produzir temáticas sobre negritude. Nosso espaço é escape o rádio”. Ela destacou o papel de personagens negros na construção de sentidos empáticos à comunidade negra no mundo todo. A seu pedido, a escritora Conceição Evaristo leu um trecho do conto Ana Davenga, de autoria da brasileira. Ana é uma mulher negra plenamente consciente de seu corpo e que resiste ao estigma sexualizado que a sociedade lhe impõe.
Conceição Evaristo compartilhou com a plateia sua preocupação em ser o mais sensível possível na criação da linguagem de uma personagem. “Procuro empregar nomes africanos, ou então que lembrem nomes africanos. Reproduzir o som das palavras na narrativa”. Para ela, a empatia é um recurso que aproxima o leitor de uma estória: “Não basta ter uma história pra contar. É preciso saber como contar.”
Ambas concordaram, ainda, que a história negra continua pouco valorizada. “A memória africana no Brasil não é publicada e estudada suficientemente”, alertou Carla Fernandes. Conceição Evaristo explica que o conceito de “escrevivências” vem da necessidade de se escrever as memórias do povo preto “Esse termo vem com uma característica étnica, de gênero, para enfrentar o processo que nossas ancestrais passaram durante o processo de escravização.” E questiona: “por que a escrita de memórias de outros povos tem status de literatura e a negra não?”
Ao final, Conceição Evaristo recebeu um presente inesperado da professora Ana Paula Venâncio, que estava na plateia: uma manta decorada com cartas e pinturas de seus alunos do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (Iserj), baseadas nos textos da autora. Muito comovida, encerrou dizendo que entende que os mais velhos devem incentivar a produção literária dos mais jovens. “É preciso ser cúmplice da juventude, tanto quanto é importante registrar a voz dos mais velhos.”