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O capitalismo que adoece a alma

O Capitalismo estimula a competitividade, o lucro acima de tudo, independente dos estragos que essa política possa causar como a destruição dos biomas, dos mais vulneráveis ou de nossa própria alma.

Por Marcello Escorel em 28/08/2021

Estamos todos muito doentes. É a constatação a que cheguei ao ler uma matéria do G1 postada em 23/08 com o título de “Como a terapia financeira pode mudar nossa relação com o dinheiro.”

Pasmem! Existem psicólogos especializados em resolver nossa “relação” com a grana!

Não é à toa que Jesus dizia ser quase impossível para um rico entrar no Reino de Deus. A moderna supervalorização global do dinheiro e da economia desvia nossa atenção do que é realmente importante: o conhecimento profundo de nós mesmos como indivíduos e espécie, a fim de alcançar a meta de criar uma sociedade cada vez mais abrangente e solidária onde ninguém seja medido pelo que possui de bens materiais, mas sim por suas qualidades, talentos e contribuições para a humanidade.

Não é de hoje que fico pasmo e atônito com o fenômeno de antropomorfização – dar forma ou características humanas a algo que não é humano – dos dados econômicos das análises de especialistas. O mercado está nervoso ou eufórico, confiante ou desconfiado, tem “emoções” como um ser humano e arrisco afirmar que está a poucos milímetros de transpor o limite que o leva à divindade. Seus templos são as bolsas de valores, os bancos, os shoppings.

O Capitalismo avaliza a distinção entre seres produtivos e improdutivos condenando velhos, incapacitados e sonhadores ao ostracismo social; estimula a competitividade e o lucro acima de tudo, independente dos estragos que essa política possa causar como a destruição dos biomas, dos mais vulneráveis ou de nossa própria alma.

O Capitalismo foi o responsável pelo horror das guerras mundiais. O surgimento do fascismo é resultado da luta pela conquista de colônias e da miséria consentida dos vencidos. Deve-se a ele a fundamentação da chaga da escravidão que, ainda hoje, teima em reaparecer pela simples razão de que muitos não tem condições de conseguir o pão de cada dia e se veem obrigados a aceitar abjetas condições de trabalho para sobreviver.

Não estou aqui pregando o comunismo ou o socialismo, mas é necessário advogar a causa do combate a esse sistema, que adoece nossa alma quando estimula o consumo desenfreado e a acumulação de bens acima de qualquer coisa.

Você não acha um absurdo uma pessoa gastar milhões de dólares para fazer uma viagem orbital de onze minutos no espaço? Você não fica indignado quando é informado que o número de bilionários aumentou durante a pandemia? Você não fica amedrontado quando constata que a indústria bélica, sempre lucrativa, fez os Estados acumularem artefatos suficientes para destruir, não sei quantas vezes, o planeta.

Pois é, em vez de nos preocuparmos em melhorar as relações com nossos irmãos, estamos preocupados em nossa relação com o dinheiro. Perdemos contato com nossa alma. Nem falamos mais dela. Ela que é a manjedoura onde nasceu e está deitado o Deus menino. Ela cujo cultivo é a razão e o propósito de nossa vida aqui na Terra. Estamos cegos e precisamos de redenção, e não será o mercado que irá nos redimir. Nossa felicidade é a felicidade de todos. A competitividade precisa dar lugar à solidariedade. O amor é a força maior, nossa medicina, o farol. É no coração que Deus faz sua morada.

Acredito que essa onda de autoritarismo e segregação que se espalhou pelo mundo seja o último estertor desse monstro que é o capitalismo. Acredito que ninguém mais voltará para o “armário”. Acredito que tempos bem melhores virão, embora talvez não esteja mais encarnado para vivê-los neste plano de existência. Mas uma coisa eu sei: seremos plenos e íntegros, se ao invés de idolatrarmos o dinheiro, ouvirmos os sussurros de nossa alma, que conclama a cuidar amorosamente dos outros com o mesmo carinho que cuidamos de nós mesmos, usando toda nossa força e energia, não para servir ao dinheiro, mas para pavimentar a estrada que nos levará  ao verdadeiro Reino de Deus. 


Marcello Escorel é ator e diretor de teatro há mais de 40 anos. Paralelamente a sua carreira artística estuda de maneira autodidata, desde a adolescência, mitologia, história das religiões e a psicologia analítica de Carl Gustav Jung.

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