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O Contexto da Violência Armada na Maré

Foto: Gabi Lino | Participantes da mesa discutem o contexto da Segurança Pública na Maré

“A violência não nasce aqui, não somos pessoas violentas. Somos pessoas violentadas”, diz Fernanda Viana, assistente social e moradora da Maré

Por: Andrezza Paulo, Luiz Menezes* alunos do Laboratório de Formação em Jornalismo do Maré de Notícias e Hélio Euclides. Editado por: Jorge Melo e Jéssica Pires

Na tarde de quarta-feira (10/08) ocorreu o segundo momento do 1º Congresso Falando sobre Segurança Pública, no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda. Os trabalhos foram abertos com uma intervenção sobre o racismo ambiental e logo depois seguiu com a Roda de Conversa: O Contexto da Violência Armada na Maré, que contou com a participação da assistente social Fernanda Viana, coordenadora da Casa Preta da Maré, Edson Diniz, co-fundador da Redes da Maré e Raull Santiago, ativista dos coletivos Papo Reto, Movimentos, Perifa Connection, Favela & ODS. Além da mediação da jornalista Jéssica Pires, coordenadora do Jornal Maré de Notícias. 

A intervenção que aconteceu do lado de fora do Centro de Artes mostrou a importância de se pensar violência num contexto maior do que a questão armada. Os integrantes do Eixo Direitos Urbanos e Socioambientais da Redes da Maré destacaram que o racismo ambiental, como o lixo largado na rua ou o entupimento dos bueiros, em dias de chuva, em função dos resíduos, são um tipo de violência sofrida por moradores das favelas. Essas ações trazem prejuízos, como doenças e mostram a ausência de uma implementação de política pública. “Queremos conscientizar sobre as questões do saneamento básico, que é um direito, não só em algumas partes da cidade”, enfatiza Felipe Bacelar, mobilizador e articulador do eixo. 

Camila Barros (34), uma das organizadoras do Congresso, afirma a importância do encontro. “A realização desse evento é uma atitude política” e destaca a importância da mesa:

“O objetivo é juntar diversos atores para discutir a segurança pública numa perspectiva que vá além de apenas polícia e presídio.Temos mais de 300 pessoas inscritas, quase 50 convidados de vários estados do Rio de Janeiro e até de fora do Brasil. A gente está bastante animado. Tivemos apresentações de trabalhos e pesquisas e o objetivo realmente é compartilhar experiências. Normalmente o que a gente entende como congresso acontece no espaço acadêmico, então falar sobre segurança pública dentro do território da Maré foi uma atitude política. As pessoas da favela que sofrem o impacto da violência, são as pessoas daqui que precisam compor, gerir e pensar sobre segurança pública.

Camila Barros
Foto: Gabi Lino | Intervenção artística chama atenção para outros tipos de violências e violações, como a violência ambiental

Dialogando sobre o Contexto da Violência Armada na Maré:

Camila diz que a construção da Roda de Conversa: O Contexto da Violência Armada na Maré é uma forma de resgatar o histórico da construção social e violência armada no território. “Pensamos nessa mesa para trazer o histórico da Maré de construção social e como a violência armada atravessa essa construção aqui. Além disso, trouxemos uma pessoa de fora para mostrar os desafios da segurança pública e do contexto de violência armada não só na Maré, como fora dela também”, destaca.

Edson Diniz (51), abriu a roda de conversa parabenizando a importância da realização de eventos como esse na construção de uma outra sociedade possível e demonstra a urgência de não naturalizar as violações de direitos nas favelas. “Porque a gente continua normalizando que as chacinas nas favelas continuam acontecendo”, conta. 

Diniz atenta para o histórico construído socialmente sobre a periferia. “Para entender o porquê isso é naturalizado”. E enfatiza que a favela sempre foi estigmatizada. “Hoje em dia é vista como o lugar do crime”, expõe.  O historiador aponta os caminhos para uma nova narrativa: “Precisamos produzir conhecimento para acabarmos com esses estigmas. Por isso é fundamental estarmos fazendo esse movimento aqui”, conclui.

Fernanda Viana (41), complementou que o congresso é um grande passo de mudança. A assistente social destaca a experiência de hoje como parte importante da construção de uma narrativa a partir dos próprios moradores. “A mesa de hoje é o lugar para gente falar, disputar essa narrativa, produzir saberes diante do que acontece. Somos nós a falar e somos nós a produzir”, diz. 

Mãe, preta e moradora da Maré, como se apresenta, Fernanda ressalta a incidência da política de (in) segurança pública nos corpos pretos de maneira precoce.

“A gente demora a se descobrir como mulher, mas como preta vem rápido. Ter esse recorte enquanto preta e favelada faz a gente entender muito cedo como nosso corpo é afetado pela segurança pública”, diz. Fernanda aborda o sentimento enquanto mãe na Maré que no lugar do “Eu te amo” seguem com uma série de instruções de como se portar em contexto de violência armada. “Qual a cor dessas crianças?”, questiona. “Me deparo com uma estrutura que precisa de muito engajamento político dos cidadãos. Porque essa é uma política, que diferente das outras, não foi constituída com participação popular.”

Fernanda Viana

Segurança Pública como uma luta constante

Raul Santiago (33), cria do Complexo do Alemão, denuncia como o acesso à segurança pública não é pensado para moradores de favelas e periferias. “Na prática somos vistos como inimigos da segurança. A segurança pública não chega para a gente. Quando ela entra na favela é na figura de um fuzil e de um carro blindado da polícia”, exclama. 

As operações policiais têm sido constantes nas favelas do Rio de Janeiro. Sendo a guerra às drogas o principal motivo utilizado pelas polícias para a violação de direitos nos territórios periféricos. “A guerra às drogas é a manutenção do racismo. Guerra está para os pretos, pobres e periféricos. Já as drogas estão para todos”, avalia Santiago e vai além: “Bala perdida é uma falácia para reduzir o homicídio nas favelas”, contou. 

Santiago chama atenção para a rotina dos pais e mães que vivem nas favelas:

“Eu enquanto pai tenho que treinar meus filhos a se protegerem de tiroteio. Isso é a coisa mais absurda”, exclama. Edson Diniz provoca: “O que é infância nessa cidade? Temos vários tipos de infância. O menino do Leblon tem uma vivência completamente diferente do menino da favela. A infância precisa ser discutida na cidade também.” 

Raul Santiago

Mediando em busca de direitos

Para Jéssica Pires (31), mediadora da mesa, o congresso é um momento histórico na Maré e uma oportunidade de vivenciar, discutir, propor estratégias e apresentar os desafios da Segurança Pública. Ela diz ser fundamental pensar estratégias e fazer apontamentos fora dos momentos de conflitos armados. “É pensar em Segurança Pública, mas não em um contexto de medo ou de tensão. A gente não tá falando de segurança a partir da violação. A gente tem a oportunidade de reunir pessoas que pesquisam segurança pública olhando para Maré”, relata. 

Reforça ainda a importância da sociedade civil na construção de uma sociedade mais justa.

“Enquanto a sociedade legitimar essa política de segurança pública que o Rio de Janeiro hoje constrói nas favelas, a gente não vai ter avanço. Não adianta a gente culpabilizar o Estado enquanto toda uma sociedade legitima as ações desse Estado, então a participação da sociedade é fundamental para a gente incidir em políticas e transformar esse espaço com políticas mais iguais.”

Jéssica Pires

A conversa contou com a participação popular e entrevista ao Maré de Notícias. Vanderlei (58), nascido na Maré e professor na Escola Municipal Primário Erpídio Cabral de Souza (Índio da Maré), não escondeu sua alegria de poder compartilhar o que achou da mesa além de falar sobre a necessidade de espaços como esse nas favelas: 

O seminário é da máxima importância. Um dos maiores problemas da Maré é essa violência que vem de fora para dentro e fazer uma reflexão sobre o assunto é fundamental. Produzir um conhecimento sobre essa questão dentro da Maré e com as pessoas que vivem e que sofrem esse por conta dessa política de segurança pública é muito importante. Essas reflexões precisam se espalhar o máximo possível para criar uma consciência nas pessoas, para que esse assunto seja cada vez mais debatido não só na mesa de hoje, mas nas esquinas, nos bares, nos bailes funks, nas escolas e em todos os ambientes.”

Vanderlei

O 1° Congresso Falando sobre Segurança Pública na Maré continua nos próximos dias 11 e 12 de agosto no Centro de Artes da Maré,  na Rua Bittencourt Sampaio, 181, Nova Holanda, próximo a Avenida Brasil, na altura da passarela 10. 

Foto: Gabi Lino
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