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O ganha pão em cima de uma moto

Foto: Dicampana Foto Coletivo)

Entregadores relatam as alegrias e dificuldades de quem trabalha sob duas rodas

Por Hélio Euclides, em 27/05/2021 às 07h . Editado por Edu Carvalho

Profissionais da saúde, funcionários de supermercados e bancos serão sempre lembrados como trabalhadores da linha de frente na pandemia. Mas há também outro ofício que não poderá ficar de fora da lista, correndo contra o tempo para deixar uma encomenda no prazo determinado ou um simples pedido feito através do aplicativo: os entregadores. Antes da pandemia do covid-19, eram comumente chamados para serviços nos dias de chuva ou para agilizar o processo de envio. Há pouco mais de um ano, a situação mudou e com o período de isolamento, a dependência ficou irrestrita. 

Muitas vezes sendo os únicos que vemos – antes mesmo dos familiares e pessoas que amamos – já fazem parte do nosso dia a dia, ficando ainda mais evidente e próximo a precariedade e más condições de trabalho da categoria mais ativa no país hoje.

“Eu amo o que faço, gosto de estar em cima da moto, sentindo a liberdade que me proporciona’’, Alan Mariano, morador do Alemão e que pode ser encontrado entregando pedidos em uma hamburgueria artesanal local. Para ele, um dos pontos de apoio para seguir, apesar da carência profissional, é o sentimento de união que une a classe. ‘’Ninguém fica para trás e isso é motivo de orgulho para nossa profissão”, conta. Além de trabalhar à noite, Mariano pensa atuar com entregas por aplicativo para complementar a renda. 

Em meio a sensação de realização, o entregador reclama que nas ruas da cidade do Rio de Janeiro, mesmo com a presença cada vez mais constante de colegas trafegando, não houve nenhum reparo nas vias. “Andamos mais cautelosos, sempre com muita atenção, já que as ruas estão cheias de buracos e desniveladas. As poças de água acabam escondendo os buracos”, explica. 

Para fim de registro de trabalho, Alan Mariano tira foto sobre os locais por onde passa. Arquivo pessoal

Sobre a regulamentação da profissão, se diz a favor de que aconteça um estudo prévio, onde empregador e empregado possam estar no mesmo pé de igualdades, sobretudo com a utilização dos aplicativos. “A maioria dos colegas falam que são baixas as taxas de entrega e não há suporte. Em caso de roubo ou acidente, por exemplo, não fazem nada por nós”. Ainda assim, Mariano não deixa de incentivar quem quer atuar no ramo. ‘’É um trabalho digno e honesto e eu tentaria ajudar de alguma forma, dando dicas de lugares perigosos, ou algo parecido”, conclui. 

Novatos não no ofício, mas na atuação, são aqueles que já trabalhavam como mototaxistas e ampliaram seus trabalhos, como o caso de Wellington Alves, morador da Baixa do Sapateiro, que começou no serviço de entrega em março de 2020. “Estamos na linha de frente, levando passageiro para cima e para baixo, além de comida. Como fiquei desempregado corri para essa área, para fazer o ganha pão’’. Wellington leva encomendas para clientes de algumas lojas espalhadas pela região, não ligado a apenas um estabelecimento.  

‘’O que me surpreendeu foi que consegui pagar minhas contas. Comecei com uma moto alugada, agora trabalho com a minha própria”, compartilhando o salto dado nos últimos 15 meses. Ressalta ainda que tudo só foi possível levando em consideração a proteção contra o vírus de seus passageiros e das entregas, com uso de máscara, álcool em gel, além do banho quando chega em casa.

“Eu sempre trabalhei como motorista, e no final do ano passado me aventurei por três meses como entregador. Infelizmente não é rentável, pois os comércios não valorizam. No meu caso recebia R$ 30 para o trabalho à noite’’, sintetiza Alessandro Nunes, também morador da Maré que se tornou entregador por determinado período. Com episódios que desencorajam a seguir, ainda foi vítima de um acidente na Linha Amarela, o que o fez ‘’repensar’ o trabalho. Apesar dos pesares, nos últimos meses virou empreendedor e abriu um pequeno estabelecimento. Sobre o tempo rodando a cidade, enfatiza: ‘’Ficou só como mais uma experiência”. 

Lembrança dos tempos de entregador, Alessandro tem o trabalho como mais uma ”experiência”, hoje com seu próprio negócio. Arquivo pessoal

Um profissional com deveres e sem direitos

No final de 2020, havia expectativa de 950 mil motoboys-entregadores por aplicativos, segundo o estudo “Perfil dos motoboys e entregadores de mercadorias”, elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em panorama especial PNAD-Covid, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em reportagem da BBC Brasil, apenas 42 mil brasileiros deles tinham ensino superior, segundo o levantamento da plataforma de estudos e vagas no ensino superior Quero Bolsa.

Os serviços de entregas em boa parte do país são comandados por quatro empresas: iFood, Rappi, Loggi e Uber Eats. Contudo, para fins fiscais, os entregadores são autônomos e, em geral, não possuem resguardo trabalhista (plano de saúde, alimentação, transporte) e benefícios como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), férias, 13º salário e seguro contra acidentes. A profissão de entregador é apresentada como empreendedor. 

Por outro lado, as empresas de aplicativo se isentam de responsabilidades e custos profissionais. Com o aumento do desemprego, há uma oferta maior de mão de obra, há redução das tarifas e um aumento do lucro 

Recentemente foi lançado o filme Pandelivery, no YouTube, dirigido por Guimel Salgado e Antonio Matos. A produção retrata o universo dos motoboys e entregadores de São Paulo, além de captar o momento em que os profissionais levantaram a voz e protestaram para melhores condições de trabalho e taxas maiores, reivindicações que até hoje não foram atendidas. Para assistir ao filme, clique aqui.


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