Maré de Notícias #88 – maio de 2018
A Escola Livre de Dança da Maré conquista a França
Adriana Pavlova
Foi árdua a preparação para a aventura artística que uniu a Maré à França nos passos de dez alunos do Núcleo de Formação Continuada da Escola Livre de Dança da Maré, desde fevereiro. Primeiro, quase um mês de treinamentos diários no Centro de Artes da Maré-CAM, sob as ordens da francesa Isabelle Missal e da brasileira Amália Lima. Depois, mais três semanas de ensaios no Ramdam Centre d’Art, em Lyon, França, com as presenças das coreógrafas Maguy Marin (francesa) e Lia Rodrigues (brasileira). Tudo isso para a estreia do espetáculo-projeto De Ste Foy-lès-Lyon à Rio de Janeiro, May B à la Maré, une fraternité, remontagem com os jovens da Maré de May B, obra-prima de Maguy Marin, e até hoje peça-fetiche de programadores de dança de todo o mundo, com mais de 700 apresentações, desde 1981.
Rota francesa
A estreia em Lyon, no fim de março, deu início à turnê de May B à la Maré por seis cidades francesas, com apresentações até o começo de maio, incluindo cinco no Centquatre-Paris, onde o grupo também fez ensaios e aulas abertas ao público. Trata-se de um presente de Maguy para o projeto de formação idealizado por Lia Rodrigues e pela professora Silvia Soter, que faz parte da parceria da Companhia de Dança da coreógrafa brasileira com a Redes de Desenvolvimento da Maré.
Maguy cedeu os direitos desta montagem de May B e ainda deu figurinos completos ao projeto brasileiro, que conta com os dez alunos do grupo avançado de formação e mais cinco escolhidos numa audição no ano passado – tudo funcionando sem financiamento brasileiro, atualmente. A Fundação francesa Hermès é apoiadora desde o início do projeto.
“Em tempos em que em todos os lugares do mundo são construídos mais muros, propomos um movimento inverso, descobrindo novas possiblidades de trocas e colaborações”, diz Lia Rodrigues que, no final das três apresentações em Lyon, falou ao público sobre o projeto na Maré e a parceria com a Redes.
May B é uma obra em que dez personagens esquisitos (tem gorda, velha, gente torta, todos com as faces brancas de argila e roupas imundas), inspirados no Teatro do Absurdo de Samuel Beckett, parecem buscar sentidos para o mundo. É tudo coreografado do começo ao fim, com atuação teatral dos intérpretes, algumas falas em francês, gritos, caretas, ao som de uma trilha lírica.
Profissionalismo e solidariedade
Em 1981, dançando no grupo de Maguy, Lia ajudou a conceber May B. Agora, nesta nova montagem, seu papel coube a Luciana Barros, moradora da Maré e integrante do Núcleo de Formação desde 2012. Atraída para a Escola Livre de Dança depois de ter dançado no grupo amador da Igreja Batista do Parque União, hoje, Luciana, assim como todos os seus outros nove colegas de cena, vivem e pensam a dança de forma profissional.
“Tivemos uma aula, no início do projeto, em que a professora falou sobre a Maguy e saí pesquisando esta dança mais teatral. Hoje parece um sonho estar aqui ao lado dela, ensaiando”, conta Luciana
Depois da viagem à França, o grupo está muito mais unido: “ficar tanto tempo juntos trouxe um sentimento ainda mais forte de coletividade. Teve um dia, nos ensaios na França, que esqueci minha comida, e todos deram um pouco do que tinham levado, porque não daria tempo de sair e comprar algo”, conta Luyd Carvalho, 21 anos.
May B, une fraternité não tem data certa para ser apresentada no Brasil, mas, pelo que Lia Rodrigues planeja, deve chegar no Centro de Artes da Maré em 2019.
Muito suor e histórias
O Núcleo de Formação Continuada da Escola Livre de Dança da Maré já tem muita história em seis anos de trabalho. Depois que começaram a fazer aulas no CAM, todos os dez veteranos foram aprovados também nos cursos de Bacharelado ou Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As aulas e ensaios na Maré acontecem de segunda a sexta-feira, com quatro horas de atividades diárias, incluindo balé clássico e dança contemporânea. Já houve a criação de coreografias (Exercício M, de Movimento e de Maré em 2013 e Exercício P, de Pororoca e Piracema em 2017), e uma imersão com a Companhia de Lia Rodrigues, para a concepção de Para que o céu não caia, peça de 2016, da coreógrafa, além de aulas de teoria e história da dança e discussões sobre gênero e sexualidade.
Outra marca é terem feito aulas com grandes nomes da cena contemporânea da dança no CAM, como a belga Anne Teresa de Keesmaeker, a portuguesa Vera Mantero e toda uma bela seleção de coreógrafos e bailarinos brasileiros. O grupo participou ainda de intercâmbios na França e na Suíça.