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O poder da informação para transformar a favela

Magá preside a Associação de Moradores de Rubens Vaz e acredita que a Maré é um exemplo de participação social para transformação - Foto: Gabi Lino

Dados pautam políticas públicas, fortalecem moradores e colaboram para melhorias nas regiões periféricas

Por Edilana Damasceno e Vinicius Lopes, em 14/09/2022 às 7h

Faz um mês que os recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estão nas ruas do país, mas em territórios como a Maré isso não acontecia há pouco mais de 70 anos. Apesar da importância do censo nacional e de outras pesquisas levadas a cabo pelo órgão, especialistas como o cientista político João Roberto Lopes Pinto, coordenador do Instituto Mais Democracia, argumentam que nem sempre os levantamentos tradicionais dão conta de retratar a complexidade de territórios como as favelas, a começar pela forma como o IBGE nomeia esses espaços.

Eles são chamados de “aglomerados subnormais”; recebem essa categorização as áreas de ocupação irregular. “Se esses espaços são considerados aglomerados subnormais, significa que existe o normal, ou seja, a cidade é considerada normal e a favela, anormal”, explica o pesquisador.

Ainda que as metodologias do IBGE levem a resultados que representam o todo em alguns aspectos, outras singularidades ficam de fora. É o que acontece na Maré em relação ao saneamento básico, por exemplo. O Censo de 2010 do IBGE mostrou que somente 25% dos domicílios da Maré têm esgoto a céu aberto em seu entorno. Contudo, basta caminhar pelo conjunto de favelas para perceber que essa não é a realidade; na verdade, é um problema grave em muitas das localidades.

“É só passar na Bittencourt Sampaio, na Rua Sargento Silva Nunes, no Parque Maré, naqueles ‘miolos’ ali, que você acha muito esgoto a céu aberto. Tem morador que quer fazer um churrasco, ficar na porta batendo papo, e não consegue por causa do mau cheiro do esgoto e do entulho”, diz Gilmar Gomes, o Magá, que preside a Associação de Moradores da favela Rubens Vaz. 

Produção de dados

Se não há fidelidade nos dados levantados por órgãos públicos, ela é produzida dentro das próprias favelas. É no dia a dia relatado pelos moradores que o Cocôzap mapeia os problemas de esgoto, lixo e água na Maré, com o objetivo de preencher as lacunas deixadas pelos órgãos oficiais de pesquisa. O relatório Cocôzap: Sistematizando dados e formulando políticas, publicado em agosto pelo data_labe em parceria com a Fundação Heinrich Böll, registrou 120 queixas de moradores referentes a esgotamento sanitário somente entre janeiro e abril de 2021, inclusive nas áreas onde o IBGE não havia identificado a existência do problema. Dessas 120 reclamações, 70 são referentes a esgoto a céu aberto. 

Para Gilberto Vieira, diretor do data_labe e pesquisador de urbanismo e tecnologias, produzir dados sobre um problema é uma estratégia para mostrar ao poder público a realidade da população — é o conceito compreendido como “geração cidadã de dados”. 

“Se o que entendemos por cidadania é uma ideia desgastada e em crise, então precisamos ressignificá-la para garantir experiências comuns de ação e transformação social. Nesse sentido, a geração cidadã de dados se propõe a engajar a sociedade civil para usar suas próprias ferramentas a fim de buscar e acumular informação e conhecimento”, explica.


Do pioneirismo da geração cidadã de dados dentro das favelas nasceu o Censo Maré. Fruto de uma parceria entre a Redes da Maré e o Observatório de Favelas, quase 129 mil mareenses foram ouvidos. A partir dessas entrevistas, foram produzidos o Censo Populacional da Maré (2019), o Guia de Ruas da Maré (2014) e o Censo de Empreendimento Maré (2014).  

Nascido e criado no Parque União, Everton Pereira atuou como coordenador executivo do censo mareense e conta como ele serviu de estratégia para as organizações reivindicarem políticas públicas: com os dados, os argumentos por melhorias se tornavam mais fortes. 


                                            Foto: Rosilene Miliotti

Após mapear mais de três mil empreendedores na Maré (a maioria sem regularização) foram pensadas iniciativas voltadas à estabilidade financeira e profissional, como a criação de um serviço de atendimento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). 

No campo da educação, o censo identificou um quadro preocupante de evasão escolar: como muitas crianças estudavam fora da Maré, a necessidade de deslocamento fazia com que largassem as salas de aula.

“A partir desses dados dialogamos com muito mais embasamento com a Secretaria Municipal de Educação. Os dados levantados comprovavam o que a gente já dizia: para a mãe e o pai que precisam trabalhar, é complicado ter o filho estudando longe de casa. Assim, vieram mais escolas. Essas mudanças acabaram inclusive gerando um mercado de transporte escolar dentro da Maré”, lembra Everton. 

Para Magá, “a Maré é exemplo de como a participação social é importante para gerar transformação e segue atuante nesse sentido, com todas as 16 favelas do conjunto tendo uma associação de moradores. A gente nada no esgoto; se não houver um planejamento não vamos sair disso nem dar qualidade na vida ao morador. Tem que vir, sentar e conversar com a gente. A associação está aqui para isso”.

O censo nas favelas

Foi somente em 1949 que as favelas foram incluídas nos processos de pesquisa do governo. O censo daquele ano tinha objetivos bem diferentes do que hoje está sendo produzido  pelo IBGE: naquela época, o objetivo do governo era comprovar com dados que as favelas representavam um problema social; para resolvê-lo, era necessária a remoção das famílias. As informações coletadas, no entanto, indicaram que as favelas eram espaços vivos e com força cultural, ocupadas por pessoas que faziam a cidade funcionar. 

Assim, a partir da edição seguinte, houve mais abertura para a participação popular nos territórios; os dados coletados seriam usados para a elaboração de políticas públicas que atendessem às necessidades da população.


O pesquisador João Roberto Lopes Pinto define como política pública “a ação do governo para corresponder ao que prevê a lei e o direito”. Isso significa que a Constituição Brasileira garante que todo mundo tem direito à educação, ao transporte, a um meio ambiente saudável, entre outros. “Falar em algo que é público é pensar num bem comum a todos, por isso é impossível pensar nessas políticas sem que se conheça a realidade da população”, explica.

Desde 1936, quando foi criado, o IBGE é o principal órgão responsável por identificar esta realidade. A partir de pesquisas mais frequentes, como a trimestral Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), ou do censo nacional, realizado a cada dez anos, o IBGE busca desenhar um panorama com dados sobre os cenários econômico e social, de mão de obra, empregabilidade e, principalmente, embasar políticas públicas.

Edição: Elena Wesley

Gráficos: Ju Messias

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