Nascido na Grécia antiga, o teatro é uma das mais importantes manifestações artísticas
Maré de Notícias #105 – outubro de 2019
Flávia Veloso
De culto religioso a entretenimento, o teatro nasceu na Grécia Antiga, seis século antes de Cristo, como forma de adoração a Dionísio, deus do vinho, das festas e da fertilidade na mitologia grega. No Brasil, a arte chegou também como ferramenta usada na religião: trazida no início da colonização portuguesa por padres jesuítas, eles a usavam como meio de catequização de índios. O teatro evoluiu para o entretenimento, ganhando as veias de drama e comédia, e cresceu a ponto de marcar a História com nomes muito conhecidos, que vão de Casimiro de Abreu e Castro Alves a Nelson Rodrigues e Ariano Suassuna.
O diálogo político e crítico da arte teatral com o público havia alcançado tamanha proporção a ponto de incomodar quem detinha poder. Era época de Ditadura Militar, e o teatro sofreu, assim como as outras manifestações artísticas, as duras investidas da censura. Peças como “Roda Viva”, de Chico Buarque, tiveram sua exibição proibida; nomes do teatro como o fundador do “Teatro do Oprimido”, Augusto Boal, e o próprio Chico foram para o exílio.
O teatro se expande
Esta arte, hoje já muito mais plural do que já foi em qualquer momento da História, não abrange somente camadas ricas da sociedade. A favela tomou conta da cena teatral com excelência, e já deu a luz a várias companhias, que são referências dentro e fora de seus respectivos territórios, como “Teatro da Laje” (Vila Cruzeiro), “Nós do Morro” (Vidigal) e Os Arteiros (Cidade de Deus). A experiência na Maré não poderia ser diferente. Grupos de sucesso e muita garra nasceram do conjunto de 16 favelas.
Atualmente em fase de apresentações, o Grupo Atiro (uma extensão da Cia Marginal) e Entre Lugares, dois grandes nomes do teatro na Maré, estão exibindo os espetáculos “Corpo Minado” e “Nem Todo Filho Vinga”, respectivamente. Com temáticas alinhadíssimas a questões sociais e políticas, as peças convidam o público a refletir sobre favela, negritude, a figura da mulher, juventude, segurança pública, cultura e muito mais.
Reciclando elementos do clássico “Eles Não Usam Black-tie”, uma peça escrita em 1958 e adaptada para o cinema em 1981, a Cia Marginal criou “Eles Não Usam Tênis Naique”. O texto, escrito em 1958 pelo italiano naturalizado brasileiro Gianfrancesco Guarnieri, se tornou atual na época da Ditadura Militar, por conta de seu caráter político, e serve de inspiração até os dias de hoje. Estes são aspectos do teatro: a veia de luta e um espaço de democracia, e isto se faz ainda mais importante quando o contexto é favela. “O teatro tem o poder de mover estruturas, fazer refletir. Quando usamos essa ferramenta de uma forma responsável, muitas estruturas podem se mover”, comenta a Cia Marginal.
A Companhia explica que o palco pode ser um espaço de denúncia das diárias violações de direitos que a favela sofre por conta do Estado, e é extremamente potente usar essa ferramenta de luta, para que o favelado expresse a rasa experiência de democracia a que é submetido.
É difícil não deixar esse sonho morrer. Com 14 anos de estrada, a Cia Marginal capta recursos para as atividades por meio de editais públicos, o que, segundo a companhia, estão escassos no atual cenário político brasileiro. Mas, passando por cima dos problemas, a Marginal lança em novembro deste ano um novo, na Maré, um novo espetáculo. O teatro resiste.
OLHO: “O teatro tem o poder de mover estruturas, fazer refletir. Quando usamos essa ferramenta de uma forma responsável, muitas estruturas podem se mover”, Cia Marginal