Moradores do conjunto de favelas da Maré reivindicam mais unidades para o ensino infantil
Por Hélio Euclides
“Tive que matricular meu filho em uma creche bem longe de casa. É preciso construir berçários”, reclama Juliana Abreu, que, como outros moradores da Praia de Ramos e Roquete Pinto, sofrem com a falta de creches que atendam crianças de zero a três anos. Em Marcílio Dias a situação ainda é pior: a favela só conta com uma escola que atende apenas da primeira à quarta série. O projeto do Campus Educacional da Maré não beneficiou as três favelas mais distantes.
A Constituição Brasileira diz, no seu Artigo 208, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola de crianças de zero a cinco anos. O mesmo é dito nos artigos 4, 29 e 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Apesar disso, na Praia de Ramos só existe o Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Armando de Salles Oliveira, que recebe alunos também da Roquete Pinto, atendendo cerca de 420 crianças na faixa etária acima de três anos, divididas em dois turnos. Este ano, foram abertas apenas cem vagas, o que não resolve a necessidade dos moradores. As mães de crianças abaixo de três anos precisam procurar unidades escolares do outro lado da Avenida Brasil.
O Conselho Tutelar de Bonsucesso frequentemente recebe reclamações, e sua resposta é, geralmente, indicar a 4ª Coordenadoria Regional de Educação para que as crianças sejam encaminhadas para outras unidades educacionais que atendam a essas faixas etárias. Rosinaide de Oliveira, moradora da Praia de Ramos, não conseguiu vaga perto de casa e deixa a filha de cinco anos com a irmã mais velha. “Tinha que ter outra creche aqui, onde antes era uma lona cultural, que virou estacionamento. O EDI daqui só recebe crianças a partir de três anos, então as mães precisam improvisar até os filhos chegarem nessa idade e depois, torcer para conseguir uma vaga”, diz.
Alguns responsáveis da Praia de Ramos e Roquete Pinto tentam por seus filhos numa creche conveniada da Prefeitura que fica fora das favelas. Mas nem todos conseguem vaga. “Precisamos muito de um espaço público perto de casa para deixar nossos filhos. Para piorar, o EDI daqui funciona em dois turnos, o que não soluciona a vida de quem trabalha. No turno que a criança não está na creche é preciso pagar alguém para ficar com ela. Já vi muitas mães com dificuldade de deixar os filhos para trabalhar. Tem umas que pagam transporte para levar as crianças em creches longe das favelas”, comenta Jacira Lima, moradora da Praia de Ramos.
Criatividade x adversidade
A favela de Marcílio Dias já teve uma creche conveniada da Prefeitura, que dava suporte aos responsáveis com crianças pequenas. Com o fim do contrato, a creche se transformou em particular e a favela ficou sem uma unidade gratuita. Sílvia Regina, professora e fundadora do Projeto Belo Herança, diz que sem a creche não há socialização escolar e afinidade com o caderno: “Aqui é um lugar sem muitas expectativas, com déficit educacional muito grande. Em Marcílio só há disponibilidade do miolo educacional, faltando a creche, a Pré-escola e o Ensino Fundamental II. O único colégio [a Escola Municipal Cantor e Compositor Gonzaguinha] só comporta 293 alunos e abre somente 60 vagas por ano”.
Regina explica que um responsável na favela precisa fazer um tour diariamente: acordar cedo, caminhar até a passarela da Avenida Brasil, atravessá-la e seguir até a Penha para deixar os filhos em uma creche pública, antes de ir para o trabalho. Na volta do serviço, a rotina é igual, nos últimos quatro anos. E ainda precisa ter sorte para conseguir uma vaga na escola local. “Ainda há casos em que a criança fica com o irmão mais velho, com um vizinho ou parente. Muitas crianças de até cinco anos vagam pela rua o dia inteiro, que futuro ela terá? A creche pública é um direito assegurado por lei. As creches privadas da favela chegam a cobrar mensalidade de R$ 400, algo longe da realidade local”, lamenta.
Para remediar a situação, Regina criou o Hotelzinho das Crianças, creche e pré-escola comunitárias. Num prédio de três andares dentro de Marcílio Dias, 15 crianças matriculadas ou hospedadas, como ela prefere chamar, estudam, dormem e se alimentam com refeições balanceadas, fartas de legumes e verduras. Durante o dia, outras crianças da favela buscam abrigo no espaço. Cinco profissionais tomam conta das crianças, que chegam antes das seis da manhã; muitas só vão embora às sete da noite.
“Sem dinheiro, com a cara e a coragem, alugamos um imóvel. O objetivo é que as crianças sejam tratadas com dignidade. No hotelzinho, as crianças aprendem a socializar, a ter higiene, a cuidar dos brinquedos, fazem atividades e exercícios. Eu quero que a Prefeitura me veja como uma aliada. Como ajuda de custo, o responsável colabora com R$ 150 mensais, e é só isso: não tenho apoio de nenhuma empresa. É uma luta todo mês”, conta. O hotelzinho sobrevive com doações de amigos, que ajudam com alimentos.
Falta de creche é realidade nacional
Segundo dados do Censo 2010, o percentual de mulheres com filhos não atendidas pelas creches chega a 41,2%. A oferta de cuidado em tempo integral é fundamental para permitir que as mulheres consigam conciliar casa e trabalho ou estudo. No ano passado, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal lançou o Índice de Necessidade de Creche (INC), indicador que mostra a real demanda por unidades de educação infantil em cada município brasileiro. A pesquisa revela que o acesso às creches é um dos temas centrais no campo do direito à educação no Brasil.
Em 2014, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) que previa alcançar, em até dez anos metas como ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos. No caso do Rio, a necessidade é ainda maior: 53,8%, de acordo com o INC. Também de acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município do Rio tem 441 mil crianças entre zero e seis anos.
Heloísa Oliveira, diretora de relações institucionais e governamentais da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, diz que, pelo percentual de atendimento, não há vagas suficientes para atender os pais do Rio de Janeiro. “Há um grande desafio para os municípios de modo geral, que é identificar a demanda nas comunidades mais pobres. O que percebemos é que muitas famílias estão sem atendimento nesses locais e não são visibilizadas pelas prefeituras. Por isso, estamos em um grande esforço, inclusive apoiando um projeto de lei que obriga as prefeituras a apurar anualmente as demandas, fazendo uma consulta pública. Só assim é possível se planejar e saber o quanto tem que ampliar essa oferta e, claro, lutar para que seja um serviço de qualidade”, avalia Heloísa.
Para 2022, ela afirma que a educação é uma prioridade e tem que estar em todas as propostas de candidatos a qualquer cargo público. Por isso, os eleitores precisam escolher quem vai priorizar temas relevantes para a sociedade, com propostas objetivas.A Secretaria Municipal de Educação informou que no território da Maré a educação infantil é atendida por sete creches municipais, 14 EDIs e cinco creches conveniadas.