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Operações policiais não devem diminuir em 2023

Festival de pipas realizado nas ruas da Maré em janeiro de 2022 pelo Eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré - Foto: Douglas Lopes

Últimos meses de 2022 registraram ações das forças de segurança e violações de direitos em favelas da Maré

Por Edu Carvalho

“Paz” é o desejo presente em quase todas as listas de anseios dos moradores da Maré para o ano que se inicia. E esse é um pedido antigo e recorrente: só em 2022, o projeto De Olho na Maré, que coleta e sistematiza os dados sobre as violências nos territórios desde 2016, indicou um aumento significativo no número das operações policiais. Apenas nas últimas três (realizadas entre setembro e novembro), foram registradas 17 mortes, refletindo uma tendência na região metropolitana do Rio de Janeiro: alta letalidade. 

Em novembro, enquanto muitos brasileiros celebravam a primeira vitória do Brasil na Copa do Mundo do Catar, a Maré foi palco de mais uma operação conjunta das polícias militar e civil; foram muitos os relatos de truculência e de desrespeito aos dispositivos jurídicos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF 635/2019), conhecida como ADPF das Favelas. 

Oito mortes foram registradas ao longo das horas em que a polícia esteve presente no território, atuando principalmente nas favelas da Nova Holanda e do Parque União. Além da operação na Maré, outras duas aconteceram no mesmo período: uma no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho (Zona Norte do Rio) e outra no Morro do Estado, em Niterói. 

‘’É importante chamar a atenção para o fato de que há indícios de execução em quase todas essas mortes. Além disso, como o limite último dos impactos negativos, outras violações de direitos praticadas pelos agentes da segurança pública acontecem durante essas ações, como invasões de domicílios, agressões físicas e verbais e assédio sexual’’, diz o geógrafo Maykon Sardinha, coordenador do Eixo de Acesso à Justiça e Segurança Pública da Redes da Maré. 

Ele avalia que a tendência pode ser fruto da candidatura e consequente vitória de líderes políticos com forte discurso centrado na segurança pública baseada no enfrentamento armado: ‘’A tendência de aumento é brecada em 2020, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) dá parecer favorável à ADPF das Favelas, que impõe limites à realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, compreendendo a excepcionalidade desse tipo de atuação em um contexto de pandemia de covid-19.’’ Já em 2021, o cenário da COVID se amenizou e as incursões voltaram a ganhar força. 

‘’É importante ressaltar que os pedidos da ADPF das Favelas são mecanismos que podem, de alguma maneira, contribuir para a redução da letalidade policial e das violações de direitos durante o contexto de operação policial’’, explica Maykon. Para ele, recursos como dispositivos de gravação de vídeo em uniformes e viaturas, presença de ambulância e a realização de perícia nos locais de homicídios se tornam cada vez mais necessários para um quadro que, em sua visão, ‘’aponta uma tendência de realização de muitas operações policiais em favelas no ano de 2023’’. 

Maré tem 8 em 10 baleados

O medo e a apreensão sentidos pelos moradores é hoje analisado e monitorado pela plataforma Fogo Cruzado, que produz indicadores sobre violência armada no Brasil.

Em especial para o Maré de Notícias, a plataforma apontou que, somente em 2022, a atuação das polícias no complexo de favelas da Maré foi responsável por 86% das pessoas baleadas na região. Em comparação com 2021, o número de pessoas baleadas nessas circunstâncias aumentou em quatro vezes.

‘’Esses indicadores, que têm se repetido ano após ano, evidenciam que o Estado privilegia, principalmente nas favelas, a política de confronto e também mostram que os dados sobre violência armada devem ser o ponto de partida para a elaboração de políticas públicas de proteção da população’’, explica Carlos Nhanga, coordenador regional do Instituto Fogo Cruzado no Rio de Janeiro

Carlos lembra que, recentemente, o governo do estado do Rio de Janeiro enviou ao STF uma versão atualizada do Plano de Redução de Letalidade Decorrente de Intervenção Policial: ‘’O documento pontua a adoção de armamentos ‘menos letais’ como uma das soluções para reduzir o número de mortos nas operações, mas é preciso ressaltar que adquirir esse tipo de armamento não necessariamente significa que a política pública de segurança será feita da maneira que a sociedade espera.’’ 

Ainda sobre políticas de segurança menos violentas, Nhaga lembra o efeito prático de planos pautados não em número de mortes, e sim na preservação da vida. ‘’Política pública eficiente é feita a partir de evidências, se baseia em dados e se concentra na preservação da vida. É preciso mudar a lógica da atuação, principalmente nas favelas. O foco no confronto causa impactos recorrentes que fecham escolas, hospitais e comércios, e impactam no tráfego da cidade.”

O que esperar de 2023?

Para o coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), Daniel Hirata, as chacinas no estado do Rio de Janeiro que aconteceram em 2022 são resultado mais de ações e operações policiais do que de confrontos de grupos armados.

“Nos últimos anos o cenário das operações se tornou ainda mais dramático. Temos três vezes mais operações que terminam em chacinas e três vezes mais mortos. Isso vai de encontro a um fenômeno de estatização das mortes, ou seja, o peso da letalidade policial na contagem dos mortos no Rio de Janeiro vem crescendo ano após ano”, explica. 

No acumulado de operações, o governador Cláudio Castro tem três das cinco maiores chacinas da história do Rio em sua gestão — segundo Daniel, essa tendência pode persistir no mandato que se inicia em 2023. “Tudo indica que esse fenômeno de aumento da letalidade e das chacinas vai continuar. E é muito sintomático também que a resposta do governo do estado à maior chacina do Rio, a do Jacarezinho, tenha sido uma operação militarizada a partir do programa Cidade Integrada.

Para o especialista, ao se analisar a Maré é possível perceber a possibilidade da continuidade da mesma iniciativa. “Infelizmente, como já aconteceu em outras oportunidades, a Maré parece que continuará sendo não só alvo de incursões violentas das forças da ordem, como possivelmente de ocupações militarizadas. O que é, de fato, um erro do ponto de vista da segurança pública.”

Pintura de azulejos para o Memorial de Vítimas da Violência Armada na Maré – Foto: Douglas Lopes
ADPF 635
A ADPF das Favelas foi apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), ONGs e movimentos sociais de luta e resistência nas favelas e periferias do Rio ao STF com o intuito de observar e analisar as incursões policiais nas comunidades do Rio de Janeiro.Além disso, pediu o reconhecimento de graves violações de direitos humanos cometidas pelas forças policiais nas favelas, exigindo também a implementação de medidas para a redução da letalidade e a garantia de justiça às vítimas. 
MARÉ DE DIREITOS: SAIBA COMO TER ACESSO AO ATENDIMENTO
Denúncias de violações de direitos podem e devem ser oficialmente denunciadas ao Ministério Público através do WhatsApp: (21) 2215-7003
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