Por Rio On Watch, em 05/04/2021 às 16h
Esta matéria faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio, numa parceria com o Núcleo de Estudos Críticos em Linguagem, Educação e Sociedade (NECLES), da UFF, para que seja utilizada como um recurso pedagógico em escolas públicas de Niterói.
Um dos intentos da justiça energética está na busca de diálogos participativos sobre o modelo energético atual e formas de otimiza-lo; e também alternativas que permitam modelos energéticos saudáveis, inclusivos, que respeitem os direitos humanos e que se adequem aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Nesse contexto, apresento aqui ações de conscientização e capacitação que ocorrem em São Gonçalo, no bairro Jardim Catarina—maior loteamento da América Latina—para uso racional de energia elétrica, visando reduzir o consumo de energia e evitar o desperdício na comunidade. Tais ações são fruto de parcerias de organizações comunitárias com a prestadora de serviço de energia elétrica, Enel.
O histórico das ações em parceria com a Enel, que já ocorreram e ocorrem no bairro, perpassam por duas organizações comunitárias, a Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Catarina (AMAJAC), e o Centro Comunitário do Jardim Catarina (CCJC).
As ações acontecem no escopo dos projetos da Enel: Enel Compartilha Consumo Consciente, que promove palestras e oficinas sobre consumo consciente para compartilhar dicas e práticas para reduzir o consumo de energia e evitar o desperdício; Enel Móvel; Luz Solidária; Enel Compartilha Liderança em Rede e Enel Compartilha Empreendedorismo.
Parceria Entre a AMAJAC e a Enel
De acordo com Policarpo Meireles, coordenador do AMAJAC, “a Enel atuou com intuito de realizar palestras de conscientização, mas também de ajudar na parte social no que se refere ao atendimento à comunidade, de 2004 até 2015, que foi o ano em que ocorreram mudanças no gerenciamento dos projetos sociais devido à [mudança na] gestão interna da empresa [o que afetou] essa atuação nas comunidades vulneráveis”.
A AMAJAC em parceria com a Enel conseguiu ampliar os locais de atendimento humanizado à população local recebendo o projeto Enel Móvel. Atualmente, o polo de atendimento da Enel Móvel no Jardim Catarina é na AMAJAC. Os serviços oferecidos pela Enel Móvel são: a troca de titularidade, cadastro na tarifa social, e parcelamento reduzido. Policarpo afirma em entrevista a importância de um atendimento humanizado: “Houve uma preocupação da coordenação do AMAJAC em humanizar o trabalho e não atender como se estivesse em uma loja física”.
Segundo Policarpo, o atendimento ocorre duas vezes na semana e a demanda tem crescido constantemente devido ao verão. Ocorrem buscas de em média 80 pessoas por mês procurando ajuda na Enel Móvel para segunda via de contas e formalização de parcelamentos.
Como parte das ações da Enel, em parceria com a AMAJAC, ocorreram oficinas sobre selos de eficiência energética e consumo, trocas de lâmpadas, trocas de geladeiras, e substituição da parte elétrica das casas—quando a família não possuía condição de trocar a parte elétrica da residência para reduzir o consumo.
“As palestras realizadas pela Enel têm em média 100 a 105 pessoas presentes na Associação, algumas com interesse em conhecer mais sobre a prestação do serviço e outras com intuito de realizar a troca de lâmpadas e geladeiras. Na última reunião, em 19 de janeiro, estiveram 105 pessoas presentes participando da palestra e trocando as lâmpadas”, contou Policarpo.
A parceria da AMAJAC com a Enel também realizou o projeto de um telecentro na comunidade, que equipou uma sala com dez computadores, mesas e cadeiras e ofereceu cursos de informática para jovens e adultos. Este projeto aconteceu nos anos de 2015, 2016 e 2019 respectivamente, com atendimento de 180 alunos na primeira fase, segunda fase com 160 alunos e a terceira com 240 alunos.
Policarpo acredita que ainda há muito para ser feito, e que o que foi feito até aqui contribuiu muito para a comunidade local, conscientizando a população através de capacitações, oficinas e palestras. Desde março de 2020 a Enel não está realizando os atendimentos na associação, devido à pandemia da Covid-19. Policarpo considera a falta desse atendimento comunitário uma perda muito grande para a comunidade.
Parceria Entre a CCJC e a Enel
Já são outras as ações comunitárias realizadas na parceria do Centro Comunitário do Jardim Catarina (CCJC) com a Enel. Lá, a empresa oferece os serviços: Enel Compartilha Liderança em Rede, Enel Compartilha Empreendedorismo e Luz Solidária.
Rosilene Rodrigues, coordenadora do CCJC, afirma que o Enel Compartilha Liderança em Rede ocorreu, algumas vezes, no CCJC em forma de oficinas informativas com os moradores. Para essas oficinas, geralmente, a Enel envia um palestrante que traz como material uma maquete de uma casa montada com eletricidade, explicando sobre: a economia de energia, quais ferramentas possibilitam poupar energia para diminuir o consumo, quais os cuidados que se devem ter com aparelhos eletrodomésticos, a diferenciação das tecnologias atuais para as antigas e os selos dos eletrodomésticos—que informam pela letra qual grau de eficiência o aparelho representa.
Os participantes das oficinas podem efetuar a troca de lâmpadas incandescentes ou fluorescentes por lâmpadas de LED, proporcionando economia na conta de luz e contribuindo para a preservação do meio ambiente e dos recursos naturais. Na ocasião das oficinas, ocorreu também a troca de geladeiras antigas por geladeiras novas com selo de eficiência energética de menor consumo energético.
De acordo com Inmetro, em caso de aparelhos domésticos a gás, que alcancem os menores índices de consumo do combustível, é concedido o Selo Conpet. Já para os equipamentos eletrodomésticos é concedido anualmente o Selo Procel, “que tem por objetivo orientar o consumidor no ato da compra, indicando os produtos que apresentam os melhores níveis de eficiência energética dentro de cada categoria”.
No escopo do projeto Enel Compartilha Liderança em Rede, a empresa é acionada por lideranças comunitárias locais caso exista algum problema no fornecimento de energia na comunidade. As lideranças dos centros comunitários podem acionar atendimento via WhatsApp, identificando as demandas e necessidades efetivas de cada grupo e solicitando imediatamente alguns serviços, como: falta de luz em residências, um poste com problemas, ou uma árvore que precisa ser podada. Rosilene afirma que o projeto Enel Compartilha Liderança em Rede realiza reuniões mensais com cada rede na sede da Enel, porém devido à pandemia da Covid-19 estes encontros estão ocorrendo remotamente, permitindo um canal direto de comunicação para identificar as principais demandas da localidade e criar uma relação de confiança e cumplicidade entre a empresa e a população.
Existe também o projeto Enel Compartilha Empreendedorismo, onde são promovidos encontros entre os parceiros, no qual grupos que trabalham com empreendimentos e artesanatos participam de uma reunião de capacitação mensal, englobando editais, direitos humanos e oficinas de inserção no mercado empreendedor. Este também segue sendo executado remotamente, devido à pandemia da Covid-19.
Por fim, o Projeto Luz Solidária ocorreu uma única vez no espaço do CCJC, com o objetivo de qualificar jovens para o mercado de trabalho na área de informática, oferecendo cursos de capacitação em montagem e manutenção de computadores para jovens entre 16 a 29 anos.
Rosilene enxerga a parceria de forma pragmática, com foco na missão do CCJC: em dar suporte aos moradores. A Enel, como uma grande empresa privada, por sua vez está focada em prestar seu serviço e agir conforme a lei dentro dos municípios vulneráveis. Com isso, o centro comunitário não participa de todas as ações que são propostas pela Enel.
Ela afirma: “Quando o CCJC participa das ações empreendedoras e solidárias estamos atendendo as necessidades dos moradores de Jardim Catarina através das oficinas e cursos. Quando a Enel solicita que façamos visitas externas para identificar furto de energia, trocas de postes, consertos em relógios de energia e alguns outros serviços, entendemos que eles têm equipes de funcionários remunerados para esse tipo de serviços, daí não participamos. Quando entendemos que os projetos beneficiam aos moradores para uma emancipação, daí participamos”.
De acordo com Rosilene, é notável que a maioria dos participantes consegue realizar a economia de energia em casa, pois geralmente no dia das ações é feito o cadastro das pessoas e a Enel realiza a pesquisa para saber como está o consumo. No CCJC, totalizando entre projetos e ações pela eficiência energética, o público atendido foi em torno de 600 pessoas. O projeto atendia cerca 100 pessoas semanais e as reuniões mensais de eficiência energética recebiam entre 50 a 60 pessoas.
Dona Lurdes, 65 anos, moradora antiga do bairro que já participou das atividades desenvolvidas no CCJC, relatou que “nas reuniões que participei pude aprender bastante coisa: aprendi a economizar energia, aprendi a ser mais organizada em casa, aprendi a cuidar mais das lâmpadas. Ganhei muitas lâmpadas e consegui trocar quase todas da minha casa. Foi muito bom, aprendi muitas coisas”.
Bruno, 25 anos, jovem que já participou das oficinas anteriores afirma que “foram muito boas as reuniões, valeram a pena. Infelizmente agora não têm mais, podia voltar. Aprendi coisas que já havia escutado, são pequenos detalhes que a gente até sabe, mas não executa e quando segue as dicas vê a diferença”.
A partir das ações relatadas, fica claro que para atividades que envolvem parcerias de empresas e organizações externas com organizações comunitárias, é necessário descobrir o que se encaixa para a comunidade, e assim buscar os meios para que essas ações causem impacto na vida da população.
No Jardim Catarina, essas escolhas foram baseadas em atuação transversal junto aos centros comunitários no bairro, onde o canal entre os centros locais e a empresa é o principal caminho de construção e solicitação de serviços benéficos aos moradores. Deste modo, os centros comunitários atuam como disseminadores de informações e proporcionam a atuação dos projetos, oficinas e atendimentos oferecidos pela Enel, de modo que o morador não precise se deslocar até uma loja física para resolver pendências.
No Jardim Catarina, percebe-se que a participação cidadã fomentada pela AMAJAC, o CCJC e diversos movimentos sociais existentes no bairro tornou possível a disseminação das ações da Enel que tratam sobre eficiência energética, além de várias outras pautas.
Sobre a escritora: Nascida e criada em São Gonçalo, Marcyllene Santos tem 25 anos, é graduanda em ciência ambiental pela UFF e articuladora educacional atuante em educação em periferias. É fundadora da organização comunitária Nós por Nós – Por mais direitos e menos desigualdade social.
Sobre o artista: David Amen é cria do Complexo do Alemão, co-fundador e produtor de comunicação do Instituto Raízes em Movimento, jornalista, grafiteiro e ilustrador.
Esta matéria faz parte de uma série sobre justiça e eficiência energética nas favelas do Rio. Para contribuir com esta pauta, clique aqui.