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Os bastidores do Municipal

Rubens Naves e Mariana Chiesa Gouveia Nascimento. FOTOS: DIVULGAÇÃO

Por: Rubens Naves e Mariana Chiesa Gouveia Nascimento* para o Estadão

10/01/2019

Theatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1910, é símbolo da cidade, tanto para aqueles que nela vivem quanto para quem a visita. Ao longo de sua história, o Theatro consolidou-se como um dos equipamentos culturais mais notórios do país, recebendo renomadas atrações internacionais e servindo como palco para marcos na história da arte, da música, do teatro, da ópera e da dança.

A importância do Municipal, torna ainda mais preocupante o cenário de crise em sua gestão, fato que tem ganhado destaque na imprensa já há alguns anos e demanda uma análise cuidadosa da atual situação.

Um primeiro aspecto que merece destaque foi a opção, em 2011, pela criação da Fundação Theatro Municipal (fundação de direito público ligada à Secretaria Municipal de Cultura), como órgão responsável pelo Theatro e outros equipamentos culturais. Criou-se uma Fundação intermediária, como responsável pela celebração de parceria com organizações sem fins lucrativos, no modelo de Contrato de Gestão com Organizações Sociais, estruturando-se a gestão compartilhada do Theatro Municipal, e afastando em tese a presença da Secretaria.

Alterando a forma de contratação até então praticada pela Fundação, em 2017, foi realizado Chamamento Público para a formalização do Termo de Colaboração, regido pela recente legislação aprovada em 2014 a Lei federal nº 13.019/2014 – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC, regulado pelo Decreto Municipal n.º 57.575/2016, vigente para os Municípios apenas em 2017. Sagrou-se vencedor o Instituto Odeon para gestão das atividades do Theatro e seus complexos por quatro anos, com um valor total de aproximadamente 556 milhões, equivalente ao orçamento anual da Secretaria Municipal de Cultura.

Com mais um escândalo relacionado à pasta da Cultura, a relação entre Instituto Odeon, Fundação Theatro Municipal, e Secretaria Municipal de Cultura deteriorou-se ao longo da parceria, com graves trocas de acusações, culminando em um pedido de denúncia do ajuste, por parte da Fundação, que se encerra no início de fevereiro de 2019.

Apesar do término estar previsto para menos de 30 dias não há perspectiva de seleção de entidade que venha a substituir o Instituto Odeon, tendo em vista que o atual Chamamento Público veiculado foi suspenso por determinação do Tribunal de Contas do Município. Mesmo que o Edital fosse liberado pelo Tribunal de Contas e a Secretaria o publicasse no mesmo dia, a republicação implicaria na abertura de novo prazo de 30 dias para a apresentação das propostas, sem contar o tempo que seria necessário para a transição entre entidades. A outra opção seria a contratação emergencial, por meio de dispensa de Chamamento Público, mas diante do contexto da Denúncia antecipada sem indicação de irregularidade, difícil seria justificar tal medida.

Consequentemente, além do risco significativo de vácuo na gestão do Theatro Municipal, certamente o prazo para uma transição jamais teria condições de ser efetivado, o que seria profundamente negativo para a continuidade das atividades culturais e para a cidade como um todo.

Como pano de fundo ao cenário de crise há um contexto relevante relacionado à ultrapassada cultura jurídica praticada por parte dos atores públicos envolvidos. A Fundação e a Secretaria sinalizam uma compreensão limitada dos modelos de parceria introduzidos pelo MROSC, que explicitou a necessidade do Poder Público fundar sua atuação na verificação dos resultados atingidos, tomando como base metas e objetivos previamente estabelecidos.

Entretanto, no contexto do Termo de Colaboração, celebrado com o Instituto Odeon, o monitoramento da execução contratual da parceria não foi pautado pelas diretrizes estabelecidas pela legislação e reforçadas no Roteiro de Leitura da Lei n.º 13.019/2014, elaborado pela Secretaria Municipal de Gestão.

Este fato evidencia-se na forma como a Fundação, o Gestor da Parceria, e a Comissão de Monitoramento e Avaliação conduziram o acompanhamento do Termo de Colaboração. Em especial a análise das prestações de contas foi centrada na verificação a posteriori dos fatos, esvaziando a lógica de monitoramento prevista na legislação do MROSC, bem como realizada de forma dissociada da análise das metas e dos resultados apresentados pelo Instituto.

Parte das razões que dificultaram a condução da parceria pode ser as trocas constantes, pela Fundação, dos indivíduos que ocupavam o cargo de Gestor da Parceria e da própria composição da Comissão responsável pela avaliação do Termo de Colaboração, aspecto que por si só já apresenta obstáculos para um efetivo monitoramento continuado do ajuste.

Paralelamente, aponta-se que a existência de múltiplos interlocutores ligados ao Termo de Colaboração também é fator que dificulta a interface entre as partes durante a execução da parceria, instalando-se um distanciamento entre a entidade executora das atividades (o Instituto) e o órgão responsável pelo planejamento da gestão (a Secretaria).

A própria decisão pelo encerramento antecipado do Termo de Colaboração, que constitui medida extremamente gravosa, denota a incompreensão do modelo tanto pela Fundação Theatro Municipal quanto pela Secretaria Municipal de Cultura. Isso porque, o encerramento do Termo foi adotado em detrimento de outras alternativas menos custosas para a administração pública e para a cidade, que poderiam ter sido empreendidas pela Secretaria e pela Fundação, no sentido de buscar, junto ao Instituto, sanar eventuais problemas. Ao contrário, não houve, ao longo da parceria, sequer formulação de qualquer advertência ou multa.

Trata-se, portanto, de um caso em que o desconhecimento acerca da forma de exercer seu papel no contexto do Termo de Colaboração produziu um impacto profundamente danoso sobre a gestão do Theatro e a continuidade de suas atividades.

Cumpre salientar que esta não é a regra no Município de São Paulo. Ao contrário, há experiências bem-sucedidas de parcerias com organizações da sociedade civil, que comprovam que o modelo do MROSC pode vir a ser extremamente benéfico, quando compreendido e utilizado de acordo com a lógica prevista na legislação. Neste sentido, além da preocupação da Secretaria Municipal de Gestão em detalhar e estabelecer diretrizes para o comportamento dos gestores públicos no acompanhamento destes instrumentos, outras pastas, como a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, desenvolveram métodos exitosos de controle de resultados, no monitoramento de seus ajustes celebrados com OSCs.

Em última instância, o sucesso de parcerias firmadas com organizações da sociedade civil está intimamente ligado a um entendimento dos instrumentos contratuais e do modelo proposto pelo MROSC, por parte da Administração Pública. É fundamental que os órgãos contratantes e os atores públicos responsáveis pelo acompanhamento da parceria compreendam a lógica de avaliação de resultados com monitoramento efetivo no decorrer da execução, em substituição a um controle de meios a posteriori.

*Rubens Naves, advogado, ex-professor de Teoria Geral do Estado da PUC-SP, coordenador do livro Organizações Sociais – A construção do modelo (ed. Quartier Latin), sócio titular do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados

*Mariana Chiesa Gouveia Nascimento, advogada, mestre e doutora em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP, sócia do escritório Rubens Naves Santos Júnior Advogados, atua nas áreas de direito administrativo e Terceiro Setor

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