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“Os nossos pentes são diferentes”

Projeto em Marcílio Dias (Kelson) usa a barbearia para geração de renda.

Por Alessandra Holanda e Luna Galera (*)

Corte do jaca, reflexo, americano e nevou são alguns dos queridinhos de barbearia para quem desfila autenticidade e estilo com o cabelinho na régua. Pensando no sucesso desses cortes a partir de um olhar empreendedor, o projeto Impactando Kelson’s passou a incentivar a profissionalização sobretudo de adolescentes e jovens no ramo. Trata-se de um curso gratuito sobre barbearia com aulas aos domingos, das 8h às 12h, em Marcílio Dias, mais conhecida como favela da Kelson para os moradores. A meta é, não somente gerar renda, mas promover a oportunidade de uma vida digna.

Anderson Gonçalves Vieira – conhecido como Jedai – é um dos fundadores e o atual presidente do projeto. O jornalista, poeta e grafiteiro conta que, de todos os seus dons, o do qual mais se orgulha é a capacidade de construir pontes entre os que o rodeiam. “Esse é o meu carro-chefe, as conexões com pessoas que me mostram realidades de mundo diferentes”. O contato com o outro permitiu que a sede por mudança viesse à tona, transformando sonhos em planos concretos.


Há três meses, em uma reunião na sala da casa de Dona Josilene, mãe de Jedai, o projeto passou a ser idealizado.

“A gente viu que a barbearia seria um caminho para capacitar e qualificar a garotada. O moleque que não tinha nenhuma opção, agora vai ter duas. Ou ele trabalha numa barbearia ou trabalha por conta própria.”

Anderson Gonçalves Vieira – conhecido como Jedai – é um dos fundadores e o atual presidente do projeto


Sem muitos recursos financeiros, ele contou com o apoio dos comerciantes locais que acreditaram na ideia. “No começo, quem nos ajudou foram os empresários da favela. Um ajudou dando pão para o coffee break, um doou cadeiras, outros deram espelhos. E o espaço das aulas é uma casa que o Douglas de Jesus cedeu para podermos começar,” diz o jornalista. O ambiente colaborativo proporciona o protagonismo da favela na sua própria história. Cria da Kelson, Jedai fala ainda sobre como o projeto nasceu do reconhecimento das suas dores e da vontade de impactar positivamente a comunidade.


Nas favelas cariocas, o maior empregador é o crime organizado. Ele não respeita a faixa etária. O garoto está ali por falta de opção. Então, vamos capacitar, qualificar e inseri-lo no mercado de trabalho”. A barbearia se tornou, além de uma oportunidade, uma esperança. Todo mundo perdeu alguém para o tráfico. Queremos mudar isso”.

Anderson Gonçalves Vieira – conhecido como Jedai – é um dos fundadores e o atual presidente do projeto


Douglas de Jesus, além de ser aluno do projeto, também é um dos fundadores e coordenadores do Impactando Kelson’s. Ele, que atualmente luta por prevenção e resgate no que diz respeito aos jovens, relata ser gratificante participar dessa iniciativa.

“A barbearia mudou a minha vida. Hoje, eu posso alcançar outras vidas através dela e mudar o caminho das pessoas, inclusive da rapaziada que já foi envolvida. Com a minha experiência, eu posso desviar a galera do foco violento e trazer para esse ramo”.

Douglas de Jesus , aluno e cofundador do projeto


Cada turma, sem faixa etária ou restrição de gênero, é formada por oito alunos. Hoje, o primeiro grupo, que está para se formar daqui a um mês, conta com pessoas de idades entre 13 e 43 anos. A adesão da comunidade à proposta foi tão grande e positiva, que há fila de espera para a formação das novas turmas. O aluno Kauê Moraes, um dos primeiros a participar das aulas, afirma que pretende usar seus conhecimentos para investir em um curso de instrutor de barbeiro. “Eu quero passar as técnicas que são passadas no projeto para outras pessoas”, disse o adolescente de 14 anos.

Os aprendizados ultrapassam as técnicas com tesouras ou máquinas, pois os coordenadores buscam transmitir valores durante os encontros. “Nós só cobramos dos alunos presença, cuidado com o ambiente e empatia. A gente tem que estar sempre no lugar de outras pessoas e ensinar a respeitar o diferente” conta Jedai.

Vale lembrar ainda que, todo final de semana, o projeto realiza palestras com pessoas da favela que cresceram por meio do trabalho lícito. O objetivo é enaltecer o território e mostrar que, com a oportunidade certa, a comunidade reescreve a sua história.


Por meio do padrinho, Deivão Du Corte, o projeto vai receber doações de máquinas da Wahl, e o aluno que se destacar irá participar do maior evento de barbearia, o Barber Week, em São Paulo. Tendo todos os custos com acomodação e deslocamentos pagos pela empresa.

A missão aqui é fazer com que os jovens usem mais pente de máquina ao invés do pente de pistola. “Os nossos pentes são diferentes”, afirma Jedai.

Para quem quiser ajudar ou participar do projeto, basta entrar em contato por meio do direct no Instagram.


(*) Alessandra Holanda e Luna Galera são estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e fazem parte do Curso de Extensão Conexão UFRJ com o Maré de Notícias.

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