Jovens se unem pela revitalização do Parque Ecológico da Maré.
Por Hélio Euclides em 17/05/2022 às 10h. Editado por Daniele Moura
Primeiro o macaco, e depois o ser humano. Essa podia ser a explicação da evolução. Mas não é. Essa é a história de uma parte da Maré, a Vila dos Pinheiros, uma favela que nasceu em torno da Ilha do Pinheiro, lugar de criação de macacos para experimentos da Fundação Oswaldo Cruz. Em 2000, o local de 44 mil metros quadrados recebeu da Prefeitura a denominação de Parque Municipal Ecológico da Vila dos Pinheiros e, na mesma época, foi criada a associação de moradores para a administração do espaço. Com o tempo a área ficou degradada e se fez necessário a mobilização de moradores. Para contribuir nessa revitalização, um grupo de jovens começou ano passado a realizar ações para cuidar da maior área verde da Maré.
Na época da criação do Parque Ecológico o espaço tinha um horto escola, ocas, banheiros, iluminação e churrasqueiras. Quem passeia pelo lugar vê muitas folhas secas e lixo pelo chão, ausência de grades no entorno, brinquedos deteriorados e, à noite, escuridão. Outro ponto em estado de abandono é o anfiteatro, que nem de longe lembra o palco que recebeu diversas peças teatrais. Na Maré, exceto no Parque Ecológico da Vila dos Pinheiros e na Vila Olímpica Municipal Seu Amaro, não é comum ver árvores pelas ruas. No Parque Ecológico as árvores existentes resistem à falta de manutenção: o espaço ainda reúne diversas espécies de plantas, o que pode ser considerado o pulmão da Maré.
Próximo à sede da associação do Parque Ecológico foi criado, em março de 2002, o Horto Escola da Maré. Os tempos de glória são lembrados pela placa de inauguração que ainda se encontra na parede da associação. No passado, eram mais de 30 canteiros em funcionamento, hoje resistem 18 com ajuda de moradores que fazem parte do programa Horta Carioca. Perto das hortaliças, a parte baixa do parque foi escolhida para a prática de esportes: são duas quadras, uma de futebol soçaite e outra de futevôlei.
Uma mobilização para mudanças
Em outubro do ano passado, jovens moradores se mobilizaram em um evento no Parque organizado pelo Cocôzap, pela Maré Verde, pela Redes da Maré e pelo Muda Maré.
“Pensamos em organizar um evento de preparação com a juventude para a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima). Queríamos pensar numa ocupação de território. Falamos também de mudanças climáticas, da Campanha Climão e da Carta de Saneamento. O coletivo nasce com o objetivo de se pensar ações para que o Parque Ecológico continue a existir, resgatando a história, para que retorne como um espaço de lazer. O coletivo é uma união de outros projetos e movimentos sociais que querem pensar melhorias climáticas para a periferia.”
Lorena Froz, do Coletivo Raízes da Mata.
Do encontro surgiu a ideia da criação do coletivo Raízes da Mata, que já fez mutirão de limpeza no Parque Ecológico e já está se articulando para promover outras ações no local.
“Achei legal a iniciativa dos jovens. Tivemos uma reunião e fico feliz da juventude ter um olhar para o Parque Ecológico.”
Cláudia Lúcia, presidente da Associação de Moradores do Parque Ecológico.
Cláudia ainda relata que não há nenhum projeto de revitalização de órgãos públicos. Já sobre os canteiros de hortaliças, a associação aguarda uma melhoria por parte do programa Horta Carioca.
Raquel Mello é moradora próxima ao Parque e faz parte do coletivo. “Como cria da mata acredito que podemos trazer um lazer mais consciente para os moradores da Maré construindo junto com os mesmos”.
“No início do mês, o coletivo passou por uma formação sobre a história da Maré. Ainda em maio estaremos estudando para a organização do nosso documento oficial como coletivo. Para o futuro queremos ter uma linha de conversa com a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana) e assim colocar na mesa o que temos de planejamento para o espaço.”
Gleison Carvalho, coletivo Raízes da Mata.
Questionada pelo Maré de Notícias sobre a péssima manutenção do Parque, a Comlurb informou que realizou a roçada no início do mês de maio e que a limpeza é feita pelos trabalhadores comunitários de acordo com a necessidade.
Uma homenagem a um mareense
Como uma das ações do Novembro Negro, as vereadoras Tainá de Paula e Mônica Benício protocolaram o Projeto de Lei que modifica o nome da área para Parque Municipal Ecológico Cadu Barcellos (1986-2020). O objetivo da mudança é valorizar a cultura da favela, fortalecendo o lema “cria não morre, vira lenda”. Cadu Barcellos foi um cineasta mareense morto após um assalto no centro do Rio em 10 de novembro de 2020. Cadu nasceu e viveu no na Vila dos Pinheiros, área próxima a do Parque Ecológico.
Um outro projeto de lei (Decreto Rio nº 48.656, de 25/03/2021) reconheceu a rua Projetada Quatro, no bairro do Cosmo, como Rua Cadu Barcellos. O que chamou a atenção foi que a decisão da mudança de nome do logradouro aconteceu sem diálogo com os familiares do cineasta.
As vereadoras acionaram o executivo no sentido de revogar tal decreto, entendendo que a nomeação do Parque faria muito mais sentido. Assim, por meio do Decreto Rio Nº 50641 de 13 de abril de 2022, o executivo renomeou a rua em Cosmos para rua Ed Lincoln e o Projeto de Lei que homenageia o mareense Cadu Barcellos na Maré foi aprovado. O mesmo agora segue para assinatura do prefeito.
“Quando recebi a confirmação da homenagem senti um misto de sentimento, primeiro de perda e depois de orgulho. Ele tinha 34 anos e roubaram sua vida, mas meu filho deixou um legado. Mesmo com muita saudades e dor, tenho muito orgulho de saber que o Parque Ecológico vai levar o nome do meu filho, pois ele merecia essa homenagem por tudo que representa.”O cineasta já era um visitante do local na infância. “O Parque Ecológico faz parte da minha vida, pois levava minha filha Letícia e colocava uma canga no chão. Já o Cadu levava a bicicleta. Era um lugar familiar, onde se fazia piquenique, tinha churrasqueira, era nossa Quinta da Boa Vista. Acredito que o Parque Ecológico precisa de uma revitalização. É um lugar de lazer, cultura e lazer, especialmente para os jovens. Falei com a vereadora Tainá de Paula que aceitava a homenagem ao meu filho, pois ele era um mareense e gostava do território. Em todos os lugares que chegava falava com orgulho da Maré. Só defendo que como o local era uma ilha onde a Fiocruz fazia estudos com macacos, acho que agora a instituição deveria retribuir com ajuda na revitalização”.
Neilde Barcellos, mãe de Cadu.