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O que a educação na Maré perde com as operações policiais?  

No oitavo dia consecutivo de operação na Maré, estudantes ficam sem acesso à educação (Foto: Affonso Dalua / Maré de Notícias).

Duas operações policiais consecutivas em horário escolar marcam a primeira semana de aula dos alunos da Maré. (Foto: Affonso Dalua / Maré de Notícias)

Operações policiais causam paralisações no processo de educação na Maré

Adriana Pavlova e Hélio Euclides

Imagina a situação: “Mamãe já acordei. Hoje estou ansioso, pois a professora vai ensinar uma nova matéria.” O barulho do helicóptero e tiros alertam que não vai ter aula. Infelizmente essa cena não é “numa cidade muito longe daqui”, parafraseando o título da música de composição de Acyr Marques, Arlindo Cruz e Franco. Esse descumprimento do direito de ir e vir  faz parte da rotina na vida de alunos das favelas da cidade do Rio de Janeiro. Essa é uma reflexão necessária neste início de ano, para o respeito ao direito à educação em 2024.  

 Na Maré não é diferente, segundo a 7ª edição do Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, produzido pela Redes da Maré e publicado em março de 2023, em 2022 ocorreram 27 operações policiais e oito confrontos entre grupos armados, resultando em 15 dias de atividades suspensas nas escolas e uma média de 60 horas de aulas perdidas. No ano passado os alunos da Maré perderam 28 dias de aulas. Esse ano com a proximidade do ano letivo as operações deram início, com paralisação já na primeira semana de aula, no última quarta-feira (07/02). No dia seguinte, ontem (08/02), se repetiu a interrupção das aulas, desta vez com os alunos dentro das escolas, se protegendo até debaixo de mesas. Ao buscar seus filhos, o que se via eram mães e filhos correndo pelas ruas da Maré, com crianças usando fantasias. Uma professora que preferiu não se identificar mencionou que jogaram água nos bailinhos das crianças da Maré.

Com a perda das aulas na Maré, ficam as dúvidas e inseguranças sobre o processo de aprendizagem dos estudantes da Maré. “Essas interrupções prejudicam muito, pois não há reposição das matérias. Acredito que o resultado negativo vai ser possível ver no futuro, pois eles não estarão preparados”, comenta Ellen Cris, que tem uma filha matriculada na Escola Municipal (EM) Primário Osmar Paiva Camelo. “As operações prejudicam muito, deixando o aluno com a ausência da escola. A criança fica sem o aprendizado necessário. Só não é pior, pois temos professores dedicados. Acredito que os professores também são prejudicados, pois precisam se adequar a situação. Pelo esforço deles em ensinar, com essas dificuldades, mereciam uma remuneração melhor”, sugere Daniel Ribeiro, que tem o filho estudando na EM Nova Holanda.

Com tiros, as escolas acionam o protocolo de segurança, fechando ass instalações e o retorno emergencial às aulas remotas. “Mesmo que a escola ficasse aberta não levaria meus filhos, pois é perigoso a circulação em dia de operação. Acredito que essas pausas nas aulas na Maré prejudicam no cronograma dos professores, pois a escola interrompe um ciclo, o que causa uma desordem no ensinamento. A consequência final é que o tempo fica apertado para passar toda a matéria, sendo necessário uma correria”, diz Ana Cláudia, que tem filhos matriculados no Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) Professor Moacyr de Góes e na EM Primário Lino Martins da Silva.

Perdem alunos, pais e profissionais

Uma operação vai além do que é revelado pela assessoria de imprensa das polícias e repassado em telejornais. Uma escola fechada modifica a vida não apenas dos alunos, mas de toda a família. Carla Maria, de 47 anos, moradora da Nova Holanda, tem três filhos estudando no território, nas escolas municipais Nova Holanda e Hélio Smidt e no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 326 Professor Cesar Pernetta. Ela também tem uma neta, que frequenta a EDI Professora Cleia Santos de Oliveira. “O ensino é bom, mas os dias sem aula desestimulam os alunos”, diz.

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“O que minha filha deveria ter é desejo de ir à escola, mas o seu sentimento é de medo. Ela já ficou dentro do colégio em plena operação, isso foi muito ruim. Nesse dia fui buscar em baixo de tiro. Cheguei lá minha filha estava chorando e a professora tentando acalentar. Qualquer helicóptero que sobrevoa a Maré, a minha filha já acha que é operação, isso é muito complicado”, conta. Ela afirma que a direção da escola avisa que as crianças estão protegidas, mas mesmo assim vai buscar, pois tem medo que ocorra confronto dentro das unidades e assim uma tragédia. 

Maria confessa que fica triste quando a escola se encontra fechada, por se sentir de mãos atadas em não poder ajudar os filhos na questão dos estudos. “Para que não fiquem atrasados em comparação com outros alunos, gasto um dinheiro que não tenho com explicadora. Acredito que mesmo que estudassem fora da Maré, em dias de operações não iam poder sair, pois todos nós ficamos presos em casa”, conclui. 

Apesar das determinações federais para que ass operações policiais não ocorram em horário escolar, muitas acontecem. Profissionais de educação chegam ao limite do desgaste emocional, quando precisam garantir que o aluno esteja protegido. Para uma professora, que preferiu não se identificar, que leciona no Centro de Educação de Jovens e Adultos da Maré, um dos grandes impactos é a não participação do estudante no dia em que há incursões policiais. “O que havia sido planejado para trabalharmos na aula daquele dia fica interrompido, devido à ausência do aluno ou da baixa frequência, quando o evento ocorre do outro lado da Maré. Pensar em um projeto de reposição é difícil. Imagina um planejamento de reposição pronto e no período uma nova operação?”, questiona. 

Para a docente o dia seguinte também é ruim com o aparecimento da apatia e do medo. “Parece que a operação nos suga toda a energia. Assim, na aula seguinte aos dias de operações, os estudantes estão sem ‘gás’. Precisamos focar no que possa animá-los, realizar atividades que mostrem o quanto eles e nós somos importantes, tentando desfocar o pesadelo vivido”, expõe. Ela completa que nos dois momentos, o impacto leva a deixar de ser trabalhados as competências e habilidades, diferente dos estudantes de outros territórios, que não passam pelas situações violentas.

Renan Ferreirinha, secretário municipal de educação, falou com o Maré de Notícias sobre o impasse na educação. “Infelizmente a violência afeta de forma perversa a educação. Queremos passar um recado que precisamos de um basta, que a escola é um local sagrado, um local que possa zelar pela cultura de paz, que consigamos realizar as nossas atividades diariamente. Que possamos nos reafirmar como cidade e sociedade”, conclui.

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