Pesquisa da Redes da Maré revela diferença de até 2º graus de temperatura entre favelas e riscos climáticos que precisam de ações
De um lado a Linha Amarela, do outro a Linha Vermelha, no entorno a Avenida Brasil e cortada pela Avenida Brigadeiro Trompowsky. Essa é a formação dos entornos do Conjunto de Favelas da Maré. Com a quantidade de veículos que circulam por essas vias diariamente e um número irrisório de árvores, o ar no território fica mais carregado de gás carbônico e a temperatura fica diferenciada de outras partes da cidade, como por exemplo em comparação ao Aeroporto do Galeão que tem quatro graus a menos que a Maré.
Na sexta-feira (24/11), foi apresentado o relatório Respira Maré, no Espaço Normal, que mostrou o resultado da coleta de dados feita durante sete meses revelando que há grande variação de temperatura e excesso de substâncias no ar.
O projeto Respira Maré foi desenvolvido pela Redes da Maré, a partir da parceria entre dois eixos: Direitos Urbanos e Socioambientais (DUSA) e Direito à Saúde. O Respira Maré realizou um diagnóstico sobre a qualidade do ar e as ilhas de calor no conjunto das 16 favelas da Maré. Para a medição, agentes ambientais utilizaram aparelhos manuais e portáteis, capazes de medir temperatura, umidade e qualidade do ar. Foram estabelecidos 25 pontos de medição, sendo a Maré dividida em cinco áreas.
O evento que debateu os dados da pesquisa foi aberto por representantes da Redes da Maré que ressaltaram a importância de parcerias para a análise. Parcerias como a realizada com o Instituto Clima e Sociedade (ICS) e a empresa WayCarbon. Augusto Schmidt que falou pela WayCarbon chamou atenção para a importância do monitoramento. “O clima está mudando, com inundações e ondas climáticas. É preciso entender que inundações são os rios e córregos que transbordam, já os alagamentos acontecem em decorrência da falta de drenagem. Avaliamos o risco, probabilidade e indicador de impacto”, conta.
A pesquisa mostrou a urgência de ações em busca da justiça climática, com direito à qualidade de vida para todos. O resultado mostra uma densidade populacional predominante, o que piora a onda de calor, que é o aquecimento excessivo em dias seguidos, e a ilha de calor, que é o aquecimento permanente de territórios habitacionais. “O aumento de temperatura é causado pelas condições de moradia e a falta de áreas verdes. Isso causa inundações pluviais conforme vemos no Rio Ramos que passa entre o Parque Rubens Vaz e o Parque União, com muitas casas próximas. Algumas sugestões para amenizar o calor excessivo seriam utilizar o teto verde com o uso de plantas ou a pintura do teto com a cor branca”, revela. Ele ainda acrescentou o risco nas proximidades do Canal do Cunha para o Conjunto Esperança, Vila dos Pinheiros, Salsa e Merengue, Conjunto Pinheiros e Vila do João.
A segunda mesa apresentou o Diagnóstico da Qualidade do Ar e Identificação de Ilhas de Calor, apresentado por Rian Queiroz, da Redes da Maré. “É possível ter 26,4 graus na área três que inclui a Nova Holanda, contra 27,4 graus que integra a Baixa do Sapateiro. Sobre a umidade, próximo ao Parque Ecológico é maior. Então dentro do território há diferença de até dois graus. Com esse excesso de calor não há refrigeração à noite. Precisamos de mais árvores e menos cimento”, comenta.
As medições aconteceram entre 8h20 e 10h30 e entre 15h30 e 17h30. A pesquisa mostrou que na Baixa do Sapateiro as ruas são mais estreitas, diferente do Salsa e Merengue, por isso circula mais o ar. “Outro fator que piora o ar é a queimada de lixo, comum no território. É preciso criar estratégias. O desafio é diminuir as ilhas de calor e a poluição de ar, com construção de metodologias ambientais pensando na favela, como a formação de jovens para serem agentes ambientais”, acrescenta.
A última mesa teve contou com a participação de Rodolfo Baêsso Moura, diretor do Departamento de Mitigação e Prevenção de Risco da Secretaria Nacional de Periferias e Renata Gracie, pesquisadora do Laboratório de Informação em Saúde do Icict/Fiocruz, com mediação de Maurício Dutra, da Redes da Maré. A mesa teve a ausência de Tainá de Paula, secretária Municipal de Meio Ambiente e Clima.
Gracie falou dos riscos das inundações para a saúde, como a leptospirose. “Se o mundo parar de poluir por dez anos não voltaria o que era antes. O que se reflete na saúde da população, é preciso força de vontade dos gestores públicos”, expõe. Para Moura, é necessário ocorrer a regulamentação fundiária e acabar com deslizamento de encostas nas favelas. “Precisamos dar formação de agentes que possam ter esse olhar para evitar desastres. É fundamental pensar na tecnologia social como investimento em espaços que incentivem o hábito de pedalar e o uso do transporte público, como os ônibus elétricos. A implementação dessas políticas públicas são um desafio social”, conclui.
Por melhorias na qualidade de vida
A reivindicação de políticas públicas no âmbito ecológico para o território foi a fala de Marcela Santos, gestora ambiental e moradora do Salsa e Merengue. “É necessária uma dinâmica para melhorar o dia a dia do morador. Hoje o calor excessivo muda a vida das pessoas. Quem tem hipertensão sabe como é difícil controlar a pressão em dias de extremo calor. Os gastos também são maiores com luz e água. Percebemos que a Maré é um local que precisa de urbanização e arborização, uma gestão ambiental. É preciso uma implementação de políticas públicas sem amadorismo. Falta uma análise ambiental no âmbito público”, comenta.
Shyrlei Rosendo, coordenadora geral da pesquisa, afirma que não é só criar dados, é preciso traduzir para o morador. “A pesquisa nos faz pensar a questão urbana, de perceber que a solução é mais do que asfaltar. Não queremos ser secretaria municipal e sim lutar por uma praça de qualidade, que tenha acessibilidade. Hoje a Maré não tem uma equipe de varredura e nem orçamento público para a manutenção do Parque Ecológico. Desejamos pensar no espaço público da favela”, diz. Ela avaliou como positivo o encontro pelo grande número de presentes, interessados em discutir a pauta do meio ambiente.
No passado, projetos já acreditavam que era necessário a melhora do ar. Julia Rossi, doutoranda em Geografia pela PUC Rio, chegou a implantar jardins de chuva na Maré com essa proposta. A pesquisa veio para gabaritar as suposições. “A produção de dados é um processo de experimentação que precisa ser percebida pelo poder público para ações que resolvam as demandas, trazendo medidas estruturais para a Maré. Não se pode discriminar a favela, existir o racismo ambiental e criminalizar o morador. É fundamental a presença do poder público na favela e almejar uma melhor qualidade de vida”, conclui.
Pesquisa está disponível no site da Redes da Maré.